Brasil quer plantar uma Inglaterra de florestas até 2030. É suficiente?
O Brasil se comprometeu, na Cúpula do Clima de Paris, a reflorestar 12 milhões de hectares de florestas até 2030. Isso significa plantar árvores em área equivalente a quase o território da Inglaterra. Serão necessárias 8 bilhões de mudas – é mais árvore do que pessoas habitando o planeta. Mas se compararmos todo esse espaço com as dimensões continentais do país, podemos ter a impressão de que não é tanto assim.
A área a ser reflorestada nos próximos 14 anos é equivalente aos Estados de Pernambuco e Alagoas juntos. Não parece tanto se imaginarmos que nossas áreas de florestas são bem mais colossais, com a Amazônia ocupando vastos territórios do Pará, Acre, Roraima, Rondônia, Amapá e Amazonas - são 400 milhões de hectares. Já o bioma da Mata Atlântica, que possui hoje apenas 12,5% de sua cobertura vegetal original, abarca área equivalente a 130 milhões de hectares. Isso tudo sem falarmos do Cerrado.
É preciso lembrar ainda que o desmatamento não para --mesmo com o comprometimento do país em reduzir a derrubada de vegetação. Em um cenário otimista o país perderá 20 milhões de hectares de floresta até 2030, levando em consideração a meta de derrubada de vegetação para 2020. Isso significa que até lá devem ser desmatadas as áreas da Inglaterra e da Escócia juntas. Ou dos Estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Sergipe.
Afinal, plantar quase uma Inglaterra de árvores é muito ou pouco?
Para especialistas, o compromisso é visto como importante e possível de ser alcançado. Mas o ideal seria que pudéssemos superar essa meta.
“É uma meta extremamente ousada, mas factível. Se olharmos o que país já fez em agricultura e o que é hoje, veremos que há capacidade de partir de patamares iniciais como esse e alcançar níveis que surpreendem o mundo”, diz o ambientalista Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas.
Já para Cristiane Mazzetti, coordenadora da campanha de florestas do Greenpeace, a meta de reflorestamento é essencial, mas não o suficiente. “[Os 12 milhões] representam um pouco mais que a metade do passivo ambiental advindo do Código Florestal. Temos cerca de 21 milhões de hectares que precisariam ser reflorestados”.
O Código Florestal, modificado em 2012, estabelece o mínimo da cobertura vegetal que deve ser preservado nas propriedades rurais em cada bioma. Em Áreas de Preservação Permanente, como aquelas nas margens de rios, não pode haver desmatamento algum. Já nas áreas de Reserva Legal, uma cota do terreno que precisa ser mantido como floresta, pode haver obtenção de receita com o manejo e venda de madeira.
A estimativa é de que 21 milhões de hectares tenham sido derrubados em propriedades particulares de maneira ilegal e precisam ser replantados. O número só não é maior porque a revisão do Código Florestal reduziu a exigência de preservação, fazendo com que passivo ambiental dos imóveis rurais no Brasil caísse mais de 50%.
A alta de 29% do desmatamento na Amazônia no último ano (798 mil hectares entre 2015 e 2016) acende sinal de alerta. “Foi o maior aumento dos últimos 8 anos", diz Mazzetti. "Ficamos mais distantes de cumprir metas, um resultado da falta de ambição do Brasil para proteger e restaurar suas florestas”, completa a ambientalista do Greenpeace.
É importante reflorestar por quê?
O reflorestamento auxilia na redução de emissões de gases de efeito estufa, que contribuem para o agravamento do aquecimento global. As florestas em crescimento funcionam como sumidouros de carbono, transformando as moléculas que captam da atmosfera em biomassa.
Segundo o Observatório do Clima, o desmatamento é a principal fonte de emissão de gases estufas do Brasil – 45% das emissões em 2015, seguida pela energia e agropecuária. No ano passado, enquanto a derrubada de florestas despejou na atmosfera 884 milhões de toneladas brutas de CO2 equivalente (CO2e, a soma de todos os gases de efeito estufa convertidos em dióxido de carbono), mudanças no uso do solo que incluem o manejo florestal removeu 525 milhões de CO2e.
Quanto custa e quanto rende reflorestar essa área
De acordo com estudo realizado pelo Instituto Escolhas, recuperar 12 milhões de hectares de floresta requer o investimento de até R$ 52 bilhões (R$ 3,7 bilhões por ano durante 14 anos). A empreitada, segundo o instituto, geraria 215 mil empregos e possibilitaria arrecadação de R$ 6,5 bilhões em impostos pelo governo.
A ideia é que surja uma indústria de recuperação de florestas tropicais com novas atividades econômicas, como a venda de madeira e a exploração de produtos da floresta – frutas, essências, óleos, etc. “Quem for plantar árvore vai ter condição de recuperar valor investido. Além de ficar de bem com a legislação, vai ter condição de ter retorno econômico”, diz Leitão. Assim, a lei ambiental pode ser vista não como inibidora, mas como estimuladora da atividade econômica.
Para Mazzetti, a atividade econômica não deve ser o único parâmetro para a recuperação. “A falta de vegetação pode gerar crise hídrica”, diz, lembrando um motivo suficiente para deixarmos as matas em pé e plantarmos mais mudas.
E Leitão lembra efeitos sociais da ausência de um mercado que proteja as florestas, ao invés de devastá-las. “Comunidades amazônicas que poderiam estar protegidas ficam à mercê de invasores madeireiros”.
Brasil faz mais ou menos que os outros países?
Outros países de dimensões continentais possuem metas mais ambiciosas. Os Estados Unidos se comprometeram a reflorestar 15 milhões de hectares até 2020 no Desafio de Bonn, que congrega iniciativas de diversos países com o objetivo de recuperar 350 milhões de hectares de florestas até 2030. A Índia quer reflorestar 21 milhões de hectares até essa data. O Brasil participa do desafio com seus 12 milhões.
No Acordo de Paris, que entrou em vigor neste ano, o Brasil se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005 até 2030. Parte dessa tarefa é desempenhada pelas florestas – com o desmatamento ilegal zero na Amazônia e o reflorestamento de 12 milhões de hectares até 2030.
O primeiro ano [após a Cúpula de Paris] já foi. Quantas árvores plantamos? Se não fizermos essas perguntas, acontece o velho problema brasileiro. O tempo passa, e não conseguimos cumprir as metas.”
Sérgio Leitão
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