Carlos Madeiro

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Invasões caem, mas assassinatos de indígenas crescem em 2023, aponta Cimi

O número de invasões de terra caiu, mas o de assassinatos de indígenas subiu em 2023, primeiro ano de governo Lula. É o que informa o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, divulgado nesta segunda-feira (22) pelo Cimi (Conselho Missionário Indigenista), órgão ligado à Igreja Católica no Brasil.

No ano passado, o número de indígenas assassinados saltou 15% em relação a 2022 e fez o país voltar a ultrapassar a marca das duas centenas de mortes violentas. O estado com o maior número de assassinatos foi Roraima, com 47 casos, seguido por Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36).

O relatório destaca entre os assassinatos a de dois jovens Pataxó mortos a tiros, no extremo sul da Bahia, numa região de área retomada da Terra Indígena Barra Velha do Monte Pascoal. Eles foram assassinados em janeiro.

O povo Pataxó luta há anos pela demarcação de suas terras nesta região. Os conflitos seguiram sem resolução ao longo de 2023 devido à falta de avanço nos procedimentos demarcatórios e motivaram medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
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Indígenas pataxó foram mortos na BR-101, em Itabela (BA)
Indígenas pataxó foram mortos na BR-101, em Itabela (BA) Imagem: Rerodução/Instagram

Avanços e contradições no governo Lula

O documento do Cimi faz elogios e críticas ao primeiro ano do governo Lula. O relatório destaca que ele se aproximou do movimento indígena, após um governo Bolsonaro que praticamente cortou relações ainda durante a campanha.

O Cimi cita que ele cumpriu a promessa de criar o Ministério dos Povos Indígenas e nomeou Sonia Guajajara. Também comemoram o fato de a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) serem presididas por Joenia Wapichana e Weibe Tapeba, nomes indicados pelos movimentos.

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"Esta foi a primeira vez que indígenas estiveram no comando da política indigenista", relata o Cimi.

Entretanto, o documento aponta que a falta de ações levou os povos a continuarem vivendo uma era de ataques e invasões de terras.

A morosidade e a ausência de uma sinalização clara do governo federal em defesa dos territórios indígenas tiveram influência direta no alto número de conflitos registrados, muitos deles com intimidações, ameaças e ataques violentos contra comunidades indígenas.
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26.abr.2023 - Indígena do povo Pataxó em mobilização em Brasília
26.abr.2023 - Indígena do povo Pataxó em mobilização em Brasília Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

O documento também cobra a demarcação de terras. Em 2023, diz o Cimi, os maiores avanços ocorreram apenas na constituição ou reestruturação de grupos técnicos para a identificação e delimitação desses territórios, sob responsabilidade da Funai.

Os trabalhos avançam a passos lentos: apenas três relatórios de identificação e delimitação foram concluídos e publicados pela Funai em 2023.
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Hoje, das 1.381 terras e demandas territoriais indígenas existentes no Brasil, 850 delas seguem com pendências administrativas para sua regularização, o que representa 62%. Destas, 563 ainda não tiveram nenhuma providência do estado para sua demarcação.

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A indefinição sobre o marco temporal também é apontada como um fator preocupante que afeta o avanço nos procedimentos demarcatórios.

Congresso, o vilão

A maior queixa do Cimi é ao Congresso Nacional. Segundo o documento, os parlamentos atuaram para "esvaziar o Ministério dos Povos Indígenas e atacar os direitos indígenas", e citam especialmente o projeto que prevê a questão do marco temporal. O avanço da tese pode expulsar milhares de indígenas de territórios em que vivem hoje.

Este contexto se refletiu na constatação de poucos avanços na demarcação de terras indígenas e na continuidade de casos de invasão, danos ao patrimônio indígena e conflitos relativos a direitos territoriais.
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Sobre as invasões, o relatório cita ainda que pelo menos 56 dos 119 registros de povos isolados estão em terras indígenas com casos de invasões ou danos ao patrimônio em 2023.

Indígenas de várias etnias fazem acampamento para protestar contra o marco temporal para a demarcação de terras indígenas
Indígenas de várias etnias fazem acampamento para protestar contra o marco temporal para a demarcação de terras indígenas Imagem: Matheus W Alves/Futura Press/Estadão Conteúdo
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Casos de violência

O relatório aponta que houve um total de 1.276 casos de violência contra o patrimônio dos povos indígenas, número menor que em 2023. Elas são divididas em três tipos, e todos apresentaram queda no ano passado.

Apesar da redução, para o Cimi, o cenário ainda é de alta tensão e preocupação.

Entre os principais tipos de danos ao patrimônio indígena registrados destacam-se, como em anos anteriores, os casos de desmatamento, extração de recursos naturais como madeira, caça e pesca ilegais, garimpo e invasões possessórias ligadas à grilagem e à apropriação privada de terras indígenas.

Helicóptero do Ibama sobrevoa área de garimpo na TI Yanomami
Helicóptero do Ibama sobrevoa área de garimpo na TI Yanomami Imagem: Ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática
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Outras violências

O relatório também examina a situação de indígenas em situação de prisão no país e cita um relatório de 2024 produzido em conjunto com as Defensorias Públicas da União (DPU), o estado do Mato Grosso do Sul, a Pastoral Carcerária e o Instituto das Irmãs da Santa Cruz.

O documento indica que 80% dos indígenas em prisão não foram informados de seus direitos específicos decorrentes de sua autodeclaração indígena. O estudo também descobriu que 85,2% dos indígenas em prisão não tiveram acesso a um intérprete.

Além disso, o relatório analisa a violência física e simbólica da queima de Casas de Reza Guarani e Kaiowá. As casas de reza, diz, são espaços importantes para a educação, transmissão cultural e ensino.

Apesar dos ataques a esses espaços sagrados, os Guarani e Kaiowá estão determinados a reconstruí-los. Eles [os Guarani e Kaiowá] os reconstruirão quantas vezes forem necessárias, assim como o próprio povo Guarani e Kaiowá se levanta após cada massacre.
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Para entender os dados

  • Omissão e morosidade na regularização de terras leva em conta a demora ou a falta de ação do governo em demarcar e proteger as terras indígenas.
  • Os conflitos relativos a direitos territoriais surgem de disputas pela posse e uso da terra, geralmente entre comunidades indígenas e outros grupos, como fazendeiros, madeireiros e garimpeiros.
  • Já as invasões e exploração de terras abrangem uma série de ações ilegais que causam danos diretos ao território indígena, incluindo desmatamento, extração de madeira, caça e pesca ilegais, garimpo e apropriação privada de terras.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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