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Agricultura predatória devora florestas e contribui com prejuízo bilionário

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

08/08/2019 05h00

A agricultura predatória é uma das razões para o aumento do aquecimento global, indica relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) divulgado hoje.

Além de intensificar a degradação do solo, o desmatamento para o avanço agrícola eleva as temperaturas e a quantidade de CO2 na atmosfera. A consequência é a queda na produção e na qualidade nutricional dos alimentos, contribuindo para um prejuízo global estimado em R$ 920 bilhões por ano.

A agricultura é uma das responsáveis pelo aumento da temperatura da Terra porque as emissões do setor somadas ao desmatamento para criar áreas de cultivo respondem por entre 17% e 32% de todas as emissões de gases de efeito estufa no mundo. Isso porque a queima das florestas libera no ar o carbono que estava armazenado nos troncos, folhas, raízes e solo.

De acordo com o IPCC, a degradação das florestas tropicais libera cerca de 2,1 bilhões de toneladas de CO2 por ano, dos quais 53% são provenientes da extração de madeira, 30% da colheita de lenha e 17% dos incêndios florestais, boa parte deles ligados à expansão agrícola.

O aquecimento global também impacta na produtividade do campo. Um exemplo é o derretimento das geleiras do Himalaia, que deve prejudicar o suprimento de água para a China e comprometer a agricultura no país mais populoso do mundo.

Na África, a cobertura florestal é rapidamente substituída pela agricultura. São 500 mil km² de terras degradadas a cada ano, o que deve reduzir de 210 milhões de km² de mata para apenas 6 milhões de km² até 2050.

Na Ásia, as maiores vítimas são as turfeiras (material vegetal parcialmente decomposto, disposto em camadas em regiões pantanosas), responsáveis por conter nos solos de 32% a 46% de todo o carbono. Cerca de 47% dessas áreas no Sudeste Asiático já foram desmatadas para drenagem e uso agrário.

A maior parte dos 15,8 milhões de hectares de florestas na Indonésia se transformou em terras agrícolas entre 2000 e 2012.

De modo geral, diz o IPCC, apenas a degradação da terra --que além da agricultura inclui pastos e erosão-- deve reduzir a produção global de alimentos em 12% ao ano. "Estima-se que a degradação em razão de mudanças na terra custará US$ 231 bilhões" ao mundo, o equivalente a R$ 920 bilhões.

Desmatamento - Vinícius Mendonça/Ibama - Vinícius Mendonça/Ibama
Árvore seca em meio a pasto em Novo Progresso, no Pará
Imagem: Vinícius Mendonça/Ibama

O aumento nos termômetros também impacta negativamente sobre o rendimento das culturas. Para cada grau Celsius de aumento global de temperatura, a produção de trigo, arroz, milho e soja pode ser reduzida em 6%, 3,2%, 7,4% e 3,1%, respectivamente.

No Brasil, o aquecimento nos atuais níveis deve derrubar as safras de milho em 5,5% por grau de aquecimento, enquanto nos Estados Unidos essa queda será de 10,3%.

O aumento da temperatura já diminuiu a produção de trigo em 5,2% na Índia. Na Europa, o aquecimento climático afetou a produção de trigo e cevada em -2,5% e -3,8%, respectivamente.

As alterações climáticas podem aumentar a pobreza, reduzir os rendimentos e afetar a capacidade dos agricultores de suportar aumento de preços, diminuir a estabilidade da oferta devido a eventos extremos, levar a uma quebra na safra e picos nos preços dos alimentos, migração e conflito. Também pode afetar a segurança alimentar e a saúde humana, diminuindo o teor de nutrientes dos alimentos e aumentando os causadores de doença.
Trecho do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)

Menos alimentos e de pior qualidade

Poluentes climáticos de vida curta, como ozônio, também afetam a produção agrícola. Maiores concentrações desse gás podem levar a um aumento no prejuízo das colheitas de até 20% até 2050. "Isso implicaria instabilidade nos preços dos alimentos e oferta, afetando especialmente os 800 milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza", indica o relatório, que compila os principais estudos sobre o tema no mundo.

A qualidade nutricional dos alimentos também será reduzida pelo aumento do CO2 na atmosfera. Concentrações elevadas podem levar a menores concentrações de zinco e ferro em grãos e legumes. A deficiência nestes micronutrientes afeta a vida de mais de 2 bilhões de pessoas no mundo e mata 63 milhões ao ano.
Trecho do relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas)

Outra má notícia é que a "expansão de terras agrícolas leva a maiores declínios na abundância de espécies". A redução da média global será de até 17% entre 2000 e 2050, projetam os estudos.

Há solução?

"As práticas agrícolas com base ecológicas ajudarão a sequestrar carbono no solo, aumentar a biodiversidade e tirarão do nosso prato os venenos que vem sendo liberados pelo governo brasileiro de forma assustadoramente rápida", avalia Romulo Batista, da campanha de Amazônia do Greenpeace. Ele diz que ainda falta incentivo governamental para opções sustentáveis de agricultura no Brasil, como "ausência de linha de créditos com taxas mais baratas para incentivar" o setor.
"Já comprovamos a viabilidade econômica da restauração de paisagens e florestas com manejo e plantio de espécies nativas em vários biomas brasileiros", afirma a diretora-executiva do WRI Brasil (instituto de pesquisa voltado à proteção do meio ambiente e agricultura sustentável) Rachel Biderman, que defende a recuperação de áreas degradadas por meio de reflorestamentos em grande escala. "Eles combatem o aquecimento global e geram renda e empregos, além de produzir alimentos e proteger o solo e a água", diz.

Em seu relatório, o IPCC faz elogios a algumas políticas públicas brasileiras, como o Plano de Agricultura de Baixo Carbono, "que promove práticas agrícolas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa, recuperar terras degradadas, reduzir o desmatamento e aumentar as florestas cultivadas".

Biderman lembra que, de fato, o Brasil possuiu um bom arcabouço legal. "Esse desafio pode ser superado se nossas leis forem aplicadas", diz. "Temos ferramentas para tornar nossa agropecuária mais sustentável."

O IPCC recomenda ainda o controle dos desmatamentos, "incluindo para a agricultura", e a redução dos desperdícios de comida, que "evitaria a expansão da agricultura para atender à demanda de alimentos e seus impactos sobre os recursos naturais".

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