Desmatamento, queimadas e mortes em alta expõem luta sem trégua na floresta
A pandemia de covid-19 reduziu as emissões de contaminantes em todo o planeta, mas não evitou novos registros alarmantes de desmatamento nas florestas da América Latina, nem deu trégua aos defensores do meio ambiente, que continuaram sendo assassinados.
"A Amazônia está muito mais ameaçada do que há oito anos", devido ao "avanço das atividades de extração, dos projetos de infraestrutura, assim como dos incêndios, do desmatamento e da perda de carbono", advertiu recentemente um relatório da Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georreferenciada (RAISG).
A área desmatada na maior floresta tropical do mundo triplicou entre 2015 e 2018.
E o desmatamento continuou: entre agosto de 2019 e julho de 2020, aumentou 9,5% com relação ao mesmo período anterior, um segundo recorde consecutivo em 12 anos.
No período, foram perdidos 11.088 km² quadrados de florestas e bosques, segundo o brasileiro Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mais de sete vezes a superfície da Cidade do México.
"Por causa do desmatamento, o Brasil deve ser o único grande emissor de gases de efeito estufa que aumenta suas emissões no ano em que a economia global parou devido à pandemia", avaliou o Observatório do Clima, uma coalizão de ONGs brasileiras focadas nas mudanças climáticas.
Esta e outras organizações e especialistas têm responsabilizado reiteradamente pelo aumento do desmate e das queimadas o presidente Jair Bolsonaro e seu discurso a favor de atividades extrativistas e do agronegócio em áreas protegidas.
O balanço do Inpe, avaliou o Observatório, "reflete o resultado de um projeto exitoso em aniquilar a capacidade do Estado brasileiro e dos órgãos de fiscalização que cuidam da nossa floresta e combatem o crime na Amazônia".
Pantanal em chamas
Os incêndios provocados para ampliar as fronteiras agrícolas e pecuaristas se somaram a uma seca prolongada, atribuída em parte aos efeitos acelerados do próprio aquecimento global.
No Pantanal, a maior planície alagada do planeta, que se estende por Brasil, Paraguai e Bolívia, a seca foi uma das mais severas em quase meio século.
Também houve incêndios. Imagens de árvores queimadas, bem como de jacarés, aves e serpentes carbonizados deram a volta ao mundo: um quarto da região foi devastado pelas chamas entre janeiro e setembro.
Os incêndios tiveram níveis máximos também na região vizinha do Gran Chaco (Bolívia, Paraguai e Argentina), o segundo espaço vegetal da América do Sul, depois da Amazônia.
No Delta do Paraná, na Argentina, outro vasto pântano, que abriga uma rica variedade de espécies animais e vegetais, os incêndios aumentaram 170% neste ano, disse Elisabeth Möhle, pesquisadora de políticas ambientais da Universidade Nacional de San Martín.
Morreram répteis, aves migratórias, pequenos mamíferos, tartarugas. Durante a seca anterior, em 2018, houve incêndios, mas neste ano foi mais forte, mais intenso e mais estendido no tempo.
César Massi, naturalista argentino
As perdas de biodiversidade, concordam especialistas, são difíceis de quantificar.
Ativistas em perigo
Em meados de junho, a Amazônia perdeu um de seus mais fervorosos defensores, o cacique Paulinho Paiakan, morto de covid-19 aos 65 anos.
Mas não só o novo coronavírus representou um perigo. Indígenas, camponeses e outros ativistas denunciaram ameaças ao enfrentar interesses de mineradoras, madeireiras, agronegócio, empresas eólicas, hidrelétricas e gasodutos.
Nove dos 20 países com mais homicídios de defensores do meio ambiente no mundo no ano passado foram latino-americanos, segundo a Global Witness, uma ONG que documenta estes crimes há quase uma década. Colômbia, Brasil, México e Honduras encabeçaram a lista.
Em um relatório apresentado em março à Comissão de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, Michel Forst, então relator especial sobre os defensores de direitos humanos, declarou que ambientalistas, camponeses, afrodescendentes e indígenas na Colômbia sofrem violações e abusos "quando defendem a terra, o meio ambiente e os direitos humanos".
Honduras foi outro ponto quente desta violência. Vários ativistas do país tiveram em 2020 a mesma sorte de Berta Cáceres, a reconhecida ambientalista assassinada em 2016 por se opor a uma represa.
Em abril, a líder camponesa Iris Álvarez Chávez morreu nas mãos de forças de segurança durante uma desocupação violenta de terras no sul do país.
A lista de hondurenhos continuou crescendo: Marvin Castro Molina; Roberto Antonio Argueta; José Antonio Teruel, sua esposa, Francisca Aracely Zelaya, e seu cunhado, Marco Tulio Zavala... Todos assassinados.
Em setembro, Óscar Eyraud Adams, um indígena kumiai que se opunha à concentração de água por parte de uma companhia cervejeira no município mexicano de Tecate, foi morto a tiros.
Mais de dois terços dos 212 homicídios de ativistas em 2019 ocorreram na América Latina, a região mais afetada por este tipo de violência, segundo a Global Witness. A tendência indica uma perpetuação em 2020.
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