Agro avança sobre quase metade do RS e soja quintuplica em menos de 40 anos
Em um período de menos de 40 anos, o território dedicado ao agronegócio no Rio Grande do Sul aumentou em 35 mil km². Com a expansão, que reduziu florestas e campos naturais, o agro ocupa hoje quase metade do estado.
O que aconteceu
Em menos de quatro décadas, o Rio Grande do Sul converteu mais 12,41% de seu território para a agropecuária. Segundo dados da plataforma Mapbiomas, a área usada para plantios e pastagens saltou de pouco mais de um terço (34,8%) do estado em 1985, quando começou o mapeamento, para quase metade (47,22%) em 2022, ano dos dados mais recentes.
O avanço do agro no período foi de 3,5 milhões de hectares, ou 35 mil km². A área, que antes era ocupada por campos, banhados ou florestas, equivale ao tamanho da ilha de Taiwan, no leste asiático, ou 23 vezes a cidade de São Paulo.
A área plantada com soja quase quintuplicou no período. Passou de 13,6 mil km² em 1985 para 63,5 mil km² em 2022, segundo o Mapbiomas. Esse número, porém, é subestimado, porque a plataforma não consegue distinguir 100% das plantações no território. Segundo o governo gaúcho, o plantio de soja em 2023 superou 84 mil km², equivalente ao dobro do estado do Rio de Janeiro.
O avanço da agropecuária se deu principalmente sobre campos naturais. De 1985 a 2022, as áreas de formação natural não florestal (que incluem campos, banhados e áreas rochosas) foram reduzidas em 30%, dando lugar principalmente a pastagens e lavouras de soja, arroz e milho. As florestas, por sua vez, tiveram uma queda mais leve no período, inferior a 5%.
Para ambientalistas, a perda de vegetação interfere tanto no cenário local do RS como no nível global. Segundo a bióloga Lisiane Becker, presidente do Instituto Mira-Serra, o estado vem pagando um preço alto por converter solos naturais em áreas de agropecuária.
Se, por um lado, a vegetação nativa garante os serviços ecossistêmicos, fundamentais à vida, a sua supressão promove o agravamento e a recorrência dos eventos climáticos extremos.
Lisane Becker, bióloga e presidente do Instituto Mira-Serra
Basicamente, o que cresceu de 1985 para cá foi a agricultura anual, como soja e milho, e a silvicultura, que é o plantio de árvores como pinus e eucalipto. E o que se perdeu foram principalmente os campos. Em 1985, quase já não havia mais floresta para se perder, o pouco que restou é de áreas que não são interessantes para a agricultura
Heinrich Hasenack, professor de Agronegócios na UFRGS e coordenador da equipe Pampa do Mapbiomas
Pampa foi o bioma mais atingido no período
A perda de vegetação ocorreu nos dois biomas do Rio Grande do Sul. Na Mata Atlântica, que ocupa as regiões leste e nordeste do estado, as áreas naturais encolheram 16% de 1985 a 2022, cedendo lugar especialmente à soja. Já no pampa, que predomina no oeste e no sul gaúchos, a redução de áreas naturais foi de 21%.
No pampa, o principal uso dos campos é para a pecuária. Segundo o professor Heinrich Hasenack, a criação de gado pode ser um uso sustentável para o bioma, porque os animais convivem com a vegetação nativa e ajudam a podá-la. O problema, segundo ele, é que em muitos lugares a atividade é feita com pouco cuidado ou excesso de cabeças de gado, o que degrada o solo.
A agricultura, segundo Hasenack, também costuma ser feita sem cuidado com o bioma. O professor afirma que é comum, por exemplo, que o cultivo de soja deixe as áreas degradadas, porque o plantio é feito sem o manejo adequado.
Nós podemos melhorar a conservação na região fazendo uma agricultura e uma pecuária melhores. Tem muito mais área rural do que área protegida, então não é em unidades de conservação que a gente vai conservar o pampa ou a mata atlântica. O que precisamos é ter uma boa agricultura, com manejo e tecnologia, e isso vale para a pecuária também
Henrich Hasenack, professor da UFRGS e coordenador do Mapbiomas
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Quero receberPlantio comercial de árvores expandiu 15 vezes
Nos últimos 40 anos, o cultivo que mais expandiu no Rio Grande do Sul foi o da silvicultura. A área dedicada ao plantio comercial de árvores como pinus e eucalipto cresceu mais de 15 vezes no período. A silvicultura, que ameaça a biodiversidade se for feita sem o manejo adequado, é uma atividade com potencial poluidor médio, segundo a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81).
Em 1985, segundo o Mapbiomas, a silvicultura ocupava 797,4 km², cerca de metade da cidade de São Paulo. Já em 2022, a área subiu para quase 12 mil km², mais de sete vezes e meia a capital paulista.
A área dedicada à silvicultura pode até quadruplicar nos próximos anos. Em setembro de 2023, pouco depois da primeira das três grandes cheias que atingiram o estado nos últimos meses, o Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) aprovou uma regra de zoneamento da silvicultura que deverá impulsionar a expansão da atividade.
Ambientalistas pedem a revisão das novas regras para a silvicultura. O Instituto Mira-Serra, que acompanha as políticas ambientais do estado, afirma que o conselho não comprovou a necessidade de expansão territorial e de consumo de água que são exigidos para o plantio comercial de árvores.
O governo gaúcho defende as novas regras. Segundo a Sema (Secretaria Estadual do Meio Ambiente do RS), o zoneamento traz ferramentas para avaliar as áreas mais adequadas ao plantio, o que permitirá a expansão de forma segura.
As políticas públicas ambientas do Rio Grande do Sul têm optado por priorizar a conversão do solo, interferindo drasticamente nos processos hidrológicos e nos estoques de carbono orgânico do solo. E o pampa e a mata atlântica são justamente os biomas que detêm os maiores estoques médios de carbono por hectare no país
Lisiane Becker, presidente do Instituto Mira-Serra
Pouquíssimos estados têm zoneamento ambiental para a silvicultura. As novas regras trazem um olhar para as áreas mais ou menos sensíveis que podem receber uma atividade desse tipo. Elas tratam de plantio de árvore, o que é fundamental para o sequestro de carbono
Marjorie Kauffmann, secretária de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul
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