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'Patinhas estavam queimadas': fogo ameaça animais no Pantanal; veja fotos

Patas da Itapira, onça-pintada de um ano e meio, foram queimadas no fogo do Pantanal Sul Imagem: Acervo Onçafari

Colaboração para o UOL, de Campo Grande (MS)

26/08/2024 05h30

"O Pantanal está pegando fogo em proporções catastróficas. Aqui 80% da área que trabalhamos pegou fogo". Foi com essas palavras que o biólogo Bruno Sartori descreveu o Pantanal de Miranda (MS), que começou agosto já com fortes incêndios florestais de semanas anteriores.

O cenário é agravante. Muitos animais sofrem com as chamas, tem patas queimadas e chegam a morrer.

Uma das vítimas do fogo no Pantanal Sul — e que felizmente sobreviveu — foi a onça Itapira, nascida em fevereiro de 2023 e que já está independente da mãe. Ela foi resgatada no dia 7, antes de chuvas chegarem momentaneamente em Miranda.

Encontramos ela em uma das manilhas de escoamento de água do Pantanal. Vimos que ela estava bem, mas não vimos as patas. No dia seguinte ela seguia lá, jogamos uma luz na manilha e vimos que as patinhas estavam bem queimadas. Esse foi o momento de acionar os veterinários e efetuar o resgate dela. Ela estava bem debilitada. Lilian Rampim, coordenadora da base do Onçafari no Pantanal Sul, em entrevista ao UOL

Animais morrem em meio à vegetação queimada no Pantanal Imagem: Bruno Sartori

Itapira foi anestesiada, resgatada e recebeu os primeiros cuidados. "Acabou sendo fácil capturá-la porque ela realmente estava bem debilitada, estava realmente com as patas muito queimadas. Anestesiamos essa onça e vimos a gravidade dos ferimentos. Tratamos até onde deu, até onde conseguimos", diz Rampim.

Onçafari não é especializado em feridas e queimaduras de terceiro grau, então Itapira foi levada para a ONG NEX, a 80 km de Brasília, em Corumbá de Goiás (GO). Ela segue em tratamento até ficar 100% e voltar para o Pantanal.

Fogo continua

Divino, um exemplar macho de onça-pintada, deitado sobre vegetação que pegou fogo no Pantanal Sul, em Miranda (MS) Imagem: Bruno Sartori

O fogo que atingiu a onça Itapira foi diminuído com as chuvas significativas que finalmente caíram na região do Pantanal Sul após meses, em 8 de agosto, com a chegada de uma frente fria. Mas o desastre já estava feito com os animais sem terem onde comer e beber. Depois, o tempo seco voltou e a fumaça dos incêndios no Pantanal e na Amazônia até se espalharam pelo país nesta semana.

No Pantanal Norte, em Mato Grosso, a preocupação nunca cessou: a secura e baixa umidade facilitam os incêndios que matam a fauna até agora.

Estamos com um período de incêndio mais severo no estado do Mato Grosso. Infelizmente o fogo segue avançando e nem estamos no período mais crítico, estamos entrando agora. A seca tende a se estender até o final de novembro e começo de dezembro. No Pantanal Norte já é possível identificar vários pontos de água que os animais dependiam e já estão secos, com os animais procurando por água. Enderson Barreto, médico veterinário e um dos coordenadores do GRAD (Grupo de Resposta a Animais em Desastres) no Brasil

Cervo-do-pantanal em vegetação após fogo no bioma em região próxima de Miranda (MS) Imagem: Bruno Sartori

Rápida devastação

Além de biólogo, Bruno Sartori é guia do Onçafari, ONG que atua na conservação de espécies e ecoturismo no Brasil. Ele diz que 2024 "está se desenhando para ser o ano com o maior número de áreas queimadas no Pantanal".

O fogo pode se alastrar favorecido pelo tempo seco e certas situações, por exemplo, um caminhão que acabou explodindo após ficar atolado em uma área de muita areia e rodeada de capim seco.

Reserva Santa Sofia, no Pantanal Sul Imagem: Daniela Sifuentes

"Com rajadas de vento de até 60 km/h, esse incêndio veio se alastrando de uma forma que eu nunca tinha visto antes. E tomando grandes proporções, a linha ficava maior a cada dia, se dividia, então tinham várias frentes e vários focos para serem combatidos ao mesmo tempo", conta Sartori.

Foto aérea da Reserva Santa Sofia, no Pantanal Sul Imagem: Drone/Mário Haberfeld

Mário Haberfeld, ex-piloto de Fórmula 1 e fundador do Onçafari, detalha o tamanho do estrago no início de agosto: "Foi um incêndio muito grande, as reservas do Onçafari, a Santa Sofia, principalmente nessa região sul, queimou 65%, uma área de 35 mil hectares de reserva. A gente está com fogo na reserva São Francisco do Perigara, que fica no Pantanal Norte, onde a gente ainda tem fogo e a chuva não chegou".

Macaco-prego em tronco de árvore queimada pelo fogo em Miranda (MS) Imagem: Bruno Sartori

Com a presença do fogo, os animais podem morrer ao se verem impedidos de escapar.

Não existe um padrão para a rota de fuga dos animais, porque a velocidade do fogo é muito rápida. Eles correm para onde é possível correr, onde não tem fogo. Mas, muitas vezes, o fogo acaba cercando esses animais, impedindo que eles consigam fugir. Enderson Barreto, do GRAD Brasil

Os desafios dos animais

Muita fumaça em área de incêndio no Pantanal Sul de Nhecolândia, em Corumbá (MS), na primeira quinzena de agosto Imagem: Gustavo Figueiroa/SOS Pantanal

O maior desafio no resgate dos animais é encontrar eles, porque é difícil. Quando eles estão debilitados, eles tendem a se esconder na mata. Depois, se precisar resgatar, tem o lugar para colocar e cuidar com veterinário antes de liberar novamente. Temos feito reposição de comidas. Tem muitos veados, pássaros e queixadas. Mário Haberfeld, do Onçafari

O GRAD, Grupo de Resposta a Animais em Desastres, tem três frentes de atuação: a busca ativa por via terrestres, percorrendo áreas estratégicas próximas a refúgio; a visualização aérea com drone, usando câmera térmica; e as câmeras traps, armadilhas fotográficas que ativam com o movimento.

Com as imagens avaliadas diariamente, toda uma equipe observa no dia seguinte se algum animal ferido passou e qual sua condição clínica. "Quando é identificada a necessidade de intervenção e resgate, é montado um planejamento imediato de como vai ser feito o resgate, a estabilização e o encaminhamento desse animal também", explica Barreto.

Onça Itapira com as patas queimadas já enfaixadas após ser resgatada Imagem: Acervo Onçafari

Para quem vive no Pantanal, ver o estado dos animais pode ser difícil. "Aqui no Pantanal foi o lugar que escolhi para chamar de casa. Me apaixonei pelos animais que existem aqui, acompanho as histórias deles por anos. Ver a velocidade que foi esse fogo nas últimas semanas mexeu comigo de uma forma que é até difícil colocar em palavras", confessa Sartori.

Encontrar os animais que a gente vê no dia a dia, animais que são super difíceis de encontrar como anta, cervo-do-pantanal e onça-pintada, e ver eles em um cenário que não encaixa, que nada é daquela forma que deveria ser, é devastador. Você vê a fragilidade do bioma com os incêndios, com todas as mudanças climáticas, seca severa que estamos enfrentando. O quão difícil e o quão simples é para que isso acabe em questão de dias. Bruno Sartori, biólogo e guia do Onçafari

Como ajudar

Mesmo com a seca, há áreas do Pantanal Norte sem incêndios, mas isso não significa menos riscos ou necessidade de insumos. Se os incêndios chegarem na região, o impacto nos animais, flora e biodiversidade como um todo será ainda pior, segundo o veterinário.

A onça-pintada Kwara caminha após incêndio devastar região pantaneira entre Aquidauana e Miranda (MS) Imagem: Bruno Sartori

Enderson Barreto clama por ajuda do poder público, para que ele reconheça a gravidade do momento e forneça, por exemplo, água. "Já foi comprovado com evidências científicas que essa está sendo a pior seca em 70 anos. O município de Poconé (MT), onde tem a Transpantaneira, decretou calamidade pela ausência de água. O governo do Estado entende que a seca segue um curso normal", diz.

Neste mês, o Onçafari criou a campanha #RecuperaPantanal, que tem como objetivo arrecadar recursos para continuar os trabalhos com equipes no combate aos incêndios, resgate de animais e no pós-fogo, recuperando refúgios e locais onde os animais possam ficar e se alimentar. O SOS Pantanal também recebe apoio, assim como o GRAD Brasil.

Os animais foram afetados em níveis diferentes por esses incêndios, mas eles são resilientes. Quando a gente fala em uma captura, de recolher o animal e fazer o tratamento, é em último caso apenas. A maior parte do trabalho é direcionar recursos para que esses animais sigam a vida deles e continuem selvagens, que não necessitem de uma intervenção mais séria. Só assim a gente pode acelerar um pouco esse processo de recuperação e ver esse bioma lindo que é o Pantanal voltando a ser exuberante. Bruno Sartori, biólogo e guia do Onçafari

Fogo devasta área na localidade de Nhecolândia, em Corumbá (MS), em 1º de agosto Imagem: Gustavo Figueiroa/SOS Pantanal

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