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Autoridades norte-americanas investigam ex-diretor da Siemens

O escândalo de suborno da Siemens está longe de terminado para o ex-diretor Heinrich Von Pierer. As autoridades norte-americanas agora estão investigando Pierer e outros altos funcionários da empresa sob suspeita de envolvimento na corrupção. Os americanos estão particularmente interessados nos pagamentos duvidosos feitos à Argentina. Heinrich Von Pierer, ex-diretor da gigante de engenharia alemã Siemens, prefere não falar sobre o escândalo de corrupção em grande escala da empresa divulgado em 2006. Há anos, o homem que era conhecido como “Senhor Siemens” vem se recusando a dar entrevistas à imprensa. As entrevistas que ele deu não são dignas do nome. Mas seu longo silêncio aparentemente vai terminar em janeiro, quando Heinrich Von Pierer finalmente falará, apesar de fazê-lo em um formato que não permite que ninguém o contradiga. Sua autobiografia, chamada “Gipfel-Stürme (“tempestade no topo”), vai ser lançada em seu 70º aniversário. O livro de 352 páginas representa seu relato dos eventos, e ele aparentemente acredita que finalmente poderá dar sua visão dos fatos sem correr riscos. Afinal, a Siemens já fechou seu arquivo sobre Heinrich Von Pierer há anos, o que custou para ele 5 milhões de euros (em torno de R$ 12 milhões) –sua contribuição para os bilhões em multas que a empresa teve que pagar pelo escândalo. Os promotores públicos também impuseram uma multa de seis dígitos a Heinrich Von Pierer por negligência em sua responsabilidade de supervisão, resolvendo a questão. Tudo isso foi alcançado sem o ex-presidente da Siemens ter que admitir envolvimento nos negócios duvidosos. No máximo, ele aceitou a responsabilidade política pelo fato da empresa pagar propinas para obter contratos em todo o mundo durante seu tempo no cargo. Multas não são suficientes Isso, porém, não significa que o caso esteja encerrado para Pierer. Tampouco está encerrado para uma série de altos funcionários da época, que gastaram outros 14,5 milhões de euros em acordos para não serem processados por danos à empresa. Agora, promotores públicos nos EUA estão buscando levar os ex-executivos da Siemens à justiça americana. Para eles, as multas não são suficientes. Poucas semanas atrás, as autoridades do Departamento de Justiça e da Comissão de Câmbio e Títulos (SEC) interrogaram o atual presidente do conselho supervisor da empresa, Gerhard Cromme, assim como os auditores da época do escândalo e devem retornar à Alemanha nesta semana. Apesar das autoridades dos EUA terem fechado um acordo há dois anos, ele somente se aplicava à empresa. A SEC e o Departamento de Justiça suspenderam o caso contra a empresa em troca de um pagamento de US$ 800 milhões. Mas isso não significa que a caça aos homens que apoiaram e protegeram o sistema de corrupção esteja terminada para os americanos. No topo de sua lista estão Pierer e Uriel Sharef, ex-diretor da divisão de usinas elétricas, que também era responsável pelos negócios da empresa na América do Sul. Os americanos estão particularmente interessados nos projetos da Siemens na Argentina, Venezuela e Colômbia. “Ninguém foi preso” O fato do ex-executivo Pierer estar prestes a enfrentar uma nova tempestade tem muito a ver com outro senhor, alguém com fama de tenaz. No dia 4 de maio, o senador democrata da Pensilvânia Arlen Specter, 70, dirigiu-se a uma audiência do Subcomitê de Justiça de Crime e Drogas no Senado, em Washington. Na audiência, Specter reclamou dos apostadores e cínicos de Wall Street que tinham arriscado bilhões e carregado para o buraco a economia mundial no processo –sem qualquer um deles ter sentido a força da lei. Mesmo antes da audiência, Specter argumentou que os congressistas deveriam considerar sentenças de prisão em tais casos. As multas não impedem novos crimes e já são faturadas na equação desde o início, disse ele. “Uma sentença de prisão é enormemente diferente”, disse ele. Specter ficou particularmente chateado com três casos nos quais, em sua opinião, as pessoas no alto tinham se safado com muita facilidade. Um deles envolvia a Siemens. Specter disse ao subcomitê que, apesar da empresa ter pagado US$ 800 milhões em multas, ainda lucrou US$ 2,5 bilhões só em 2008. “E ninguém foi para a prisão”. Specter sabatinou Lanny Breuer, assistente do advogado geral da União que logo entendeu que o senador ranzinza não seria aplacado com números. Em defesa do Departamento de Justiça, ele falou que havia uma cláusula para o acordo com a Siemens que afirmava que indivíduos que estivessem envolvidos no esquema de suborno ainda seriam levados à justiça, disse Breuer. “O senhor está dizendo que de fato vai correr atrás de algumas pessoas nessa questão da Siemens?”, perguntou Specter. Em sua resposta, Breuer disse: “A questão não está fechada”. Investigando o caso Os investigadores norte-americanos parecem ser sérios. Aparentemente, o diretor da unidade de combate à corrupção no Departamento de Justiça recentemente atiçou seus soldados, dizendo que, se ninguém fosse para a prisão em um caso tão grande, significaria que eles fracassaram. Como está listada na Bolsa de Valores de Nova York, a Siemens está sujeita à lei americana, e os americanos pediram documentos de Munique recentemente para investigar o caso. Um grupo de investigadores deve viajar para a Alemanha nesta semana, oficialmente para se reunir com Theo Waigel, ex-ministro das finanças alemão que pertence à União Social Cristã (CSU) e foi nomeado monitor da Siemens. Mas após a reunião obrigatória, os investigadores querem se encontrar com pessoas familiarizadas com o escândalo, na esperança de obterem provas relevantes –ou, em outras palavras, incriminadoras. Com este fim, devem se reunir na quarta-feira com Hildegard Bäumler-Hösl, principal promotor público de Munique para o caso da Siemens. O escritório não quis confirmar se a reunião estava marcada, não necessariamente pela postura tipicamente discreta da profissão, mas talvez por seu desconforto diante das ambições americanas. A famosa amizade entre alemães e americanos supostamente uniria os investigadores no caso da Siemens. Na verdade, porém, os alemães têm uma visão suspeita da tentativa americana de reabrir casos fechados em processos administrativos na Alemanha. Há rumores que os americanos têm como alvo Pierer, que dirigia a empresa no período de corrupção sistemática. Os promotores americanos querem ao menos julgá-lo por assinar declarações financeiras contaminadas com dinheiro de suborno, o que pode custar a Pierer milhões a mais, se condenado. Mas eles preferem provar que estava envolvido diretamente nas propinas. Tratamento delicado Em Munique, Pierer foi tratado com luvas, por comparação. A promotoria nunca o citou como réu por crime. E quando as testemunhas ou réus mencionavam seu nome em uma audiência, muitas vezes não eram mais interrogadas. Por exemplo, o ex-diretor financeiro Heinz-Joachim Neubürger testemunhou que Pierer o havia repreendido por reverter um dado de contabilidade. Os promotores não fizeram as perguntas óbvias de como e por que ele havia sido repreendido. Ainda assim, ficou claro que o dado de contabilidade estava sendo mexido porque nenhuma divisão da Siemens queria aquilo em seus livros, e que presumivelmente era uma propina de 2003 conectada com o projeto da Argentina. Os investigadores norte-americanos agora estão particularmente interessados nesse assunto da Argentina. Mesmo durante as investigações alemãs, uma das questões mais explosivas de todas foi se Pierer sabia dos pagamentos duvidosos a políticos de Buenos Aires. As coisas podem ficar incertas novamente para Pierer. Elas podem ficar ainda mais desconfortáveis para Uriel Sharef, membro do conselho de gerência da Siemens até 2007. Os promotores de Munique suspeitam que ele esteja envolvido nas transferências de dinheiro ilegal para a Argentina. Métodos impalatáveis Desde então, surgiram mais detalhes do caso. Um contrato do governo da Argentina deveria gerar bilhões em vendas e, mais importante, um belo lucro de três dígitos em milhões. Em 1998, o governo do então presidente Carlos Menem emitiu um contrato por decreto para a subsidiária da Siemens Siemens Business Services (SBS) para produzir carteiras de identidade à prova de falsificação para todos os argentinos. Menem, contudo, foi derrubado em 1999 e seu sucessor, Fernando de La Rúa, cancelou o projeto em 2001. A Siemens ia perder o investimento já feito, que somava pelo menos US$ 200 milhões. Pior, a empresa tinha se envolvido com uma rede de assessores que continuava a exigir pagamentos durante anos. às vezes, eles alegavam que era para reativar o projeto, provavelmente com propinas. Noutras, diziam à Siemens que precisavam do dinheiro para pagar quantias que tinham prometido a importantes membros do governo Menem. Os métodos dos assessores não eram sempre palatáveis. Em um caso, um funcionário local da Siemens informou à sede que havia sido ameaçado de sequestro, se a Siemens não enviasse milhões em pagamentos. De acordo com um relatório de investigação do Escritório Estadual Bávaro de Investigação Criminal, a Siemens pagou cerca de US$ 51 milhões entre 1998 e 2004, primeiro para comprar o contrato e depois para sair dele. Uma grande porção do dinheiro foi para empresas offshore no Caribe, com contratos falsos. Duas das empresas eram chamadas “Pepcon” e “Mirror”, que os investigadores associaram a Menem e seu então ministro do interior Carlos Corach. Em 2001, um advogado da Siemens deixou claro que as demandas da Argentina não eram justificadas. Em uma reunião de conselho em 2002, porém, Sharef anunciou que houve uma necessidade adicional de liquidez na Argentina, em torno de US$ 23 milhões. O dinheiro, disse ele, era necessário para “usos especiais”. Aparentemente ninguém disse nada sobre a questão. “Falta de legitimidade” Dois gerentes da SBS testemunharam que tinham sido fortemente contra aos pagamentos dos cofres da empresa. Qual era a justificativa legal, perguntaram? Mas vários membros do conselho –Neubürger, o diretor financeiro, Volker Jung, da SBS, Sharef e Pierer - aparentemente deixaram claro que seria melhor se resolvessem o problema, em vez de atrapalharem constantemente. De acordo com a declaração de um dos gerentes da SBS, durante um encontro ao acaso no corredor na sede em Munique, Pierer “expressou claramente sua falta de compreensão pela recusa da gerência da SBS em cooperar, assim como sua expectativa que os pagamentos fossem feitos”. Depois disso, Sharef teria pedido dinheiro para a Argentina em duas ocasiões. A primeira soma foi de US$ 13 milhões, parte dela vinda de um fundo em Dubai. “Sr. Sharef tinha consciência da existência desses pagamentos”, diz um relatório de investigação que também afirma que era “óbvio” que outros altos executivos da Siemens sabiam sobre o pote de mel, mas que isso não “podia ser provado conclusivamente”. Um segundo pagamento, de US$ 4,7 milhões, aparentemente ordenado por Sharef, supostamente foi camuflado com faturas falsas. Quando Neubürger tentou usar 9,6 milhões de euros –parte do dinheiro que Sharef havia aparentemente enviado à Argentina para abrir os caminhos por lá- como garantia em contas da SBS em setembro de 2003, a gerência do SBS protestou novamente. “Os Siemens Business Services não aceita essa garantia devido à falta de legitimidade”, escreveu a SBS em uma carta a Neubürger, que também foi enviada a Pierer e Sharef. Falta de legitimidade? Pelo que se sabe, nenhum dos dois homens reagiu. Sustentação da história O ex-presidente argentino Menem não foi encontrado para fazer comentários, e o ex-ministro do interior Corach disse que não tinha recebido dinheiro da Siemens, “direta ou indiretamente”. O executivo da Siemens Sharef não respondeu ao Spiegel. O ex-diretor financeiro Neubürger negou saber de qualquer coisa sobre suborno, e Jung insistiu que propinas “não eram uma questão” para ele. Pierer também está se atendo a sua história, ou seja, que nunca participou em subornos e não sabia nada a respeito. Ele diz que não tem consciência de qualquer investigação dos EUA e que, sobre a questão da Argentina, ele já negou todas as alegações. As declarações que o incriminam não são “confiáveis”, disse Pierer. Tudo mais que ele tem a dizer vai aparecer em sua autobiografia. Os investigadores norte-americanos não devem encontrar nada de interesse no livro. Contudo, Pierer não tem razões para baixar a guarda. Traduzido do alemão por Christopher Sultan

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