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China planeja caminho para a hegemonia econômica

Wieland Wagner

  • Jim Young/Reuters

    Presidente da China, Hu Jintao, e presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em coletiva de imprensa

    Presidente da China, Hu Jintao, e presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em coletiva de imprensa

A China gostaria de tornar o yuan uma das moedas-âncora do mundo, forçando outros países a manter reservas da moeda chinesa e propiciando vantagens significativas para Pequim. Mas o país não pode continuar mantendo o valor de sua moeda artificialmente baixo caso queira se tornar a potência econômica dominante do mundo. Eles chegaram ao coração do capitalismo americano. Na semana passada, os pioneiros na corrida da China ao topo foram exibidos no telão da Times Square de Nova York. Por quatro semanas, as imagens de astronautas e atletas chineses, seus astros e super-ricos aparecerão 300 vezes por dia em uma propaganda gigante da República Popular. A ocasião para a campanha confiante da nova superpotência foi a visita de Estado do presidente Hu Jintao, 68 anos, aos Estados Unidos. Mesmo antes de partir de Pequim, o chefe de Estado visitante previu que a potência capitalista dominante veria uma redistribuição do poder global. Em entrevistas por escrito ao “Wall Street Journal” e ao “Washington Post”, o líder chinês disse que o sistema monetário mundial, com o dólar americano como sua moeda de reserva, era um “produto do passado”. A meta a longo prazo da China é se tornar um país com uma moeda âncora. Se isso acontecer, os outros países terão que manter reservas de yuan em vez das moedas de reserva atuais, o dólar e o euro. A China então poderia usar sua própria moeda para realizar transações, consequentemente obtendo termos mais favoráveis, em sua febre de compras global, como nos mercados de commodities. Aulas secretas sobre moedas de reserva Anos atrás, Hu e o Politburo frequentaram aulas secretas nas quais professores chineses explicaram a história da ascensão e queda das grandes potências. Durante essas sessões, os líderes chineses perceberam que nenhum país moderno se tornou uma superpotência sem uma moeda de reserva. Os Estados Unidos tomaram o lugar do Império Britânico, após a Segunda Guerra Mundial, quando o dólar substituiu a libra britânica como moeda dominante no sistema financeiro mundial. Isso explica por que Pequim tem buscado a internacionalização do yuan desde o estouro da crise financeira global, que os chineses acreditam ter ferido irreversivelmente seu rival americano. A China tem muito a seu favor. Atualmente, o renminbi –o nome oficial na China do “dinheiro do povo”, que é adornado com uma imagem de Mao– não pode ser negociado livremente por outra moeda. Para manter os preços de suas exportações artificialmente baixos, o país também atrela a taxa de câmbio de sua moeda ao dólar. Até agora, Pequim tem usado um sistema complicado de controles de moeda estrangeira para proteger eficazmente o renminbi dos fluxos mundiais de capital. Para ter uma moeda de reserva, a China teria que abrir mão de tudo isso. Ela teria que valorizar gradualmente sua moeda, talvez até mesmo permitir que flutue livremente, para que a taxa de câmbio possa se basear no valor real da moeda e na força da economia da China. Isso tornaria as exportações do país substancialmente mais caras e coibiria drasticamente o crescimento. Todavia, dificilmente passa uma semana sem que a China lance novos projetos-piloto para “internacionalizar” o yuan a longo prazo. Canalizando o dinheiro para o exterior Até janeiro, os cidadãos privados na cidade industrial de Wenzhou, no leste da China, foram autorizados a investir até US$ 200 milhões no exterior. Wenzhou é um berço tradicional de empreendimento privado na República Popular. No passado, muitos magnatas empresariais chineses transferiram seu dinheiro para o exterior ilegalmente, mas agora Zhou Xiaoping, uma autoridade de comércio exterior em Wenzhou, está sendo coberto de perguntas por parte dos chineses ricos. Ele promete a eles novas liberdades, desde que não usem seu dinheiro para especular em imóveis e ações. “é melhor canalizar o fluxo de dinheiro do que apenas bloqueá-lo”, diz Zhou. Isso seria uma grande mudança. Mas a imprensa chinesa noticiou nesta semana que as autoridades em Pequim ainda não deram aprovação final ao esquema de Wenzhou. Em dezembro, o banco central emitiu licenças para 67.400 empresas de exportação de todo o país realizarem negócios no exterior em yuans. Anteriormente, apenas 365 empresas tinham esse privilégio. Negociando o yuan A China também está experimentando com o yuan como forma de pagamento no exterior. Em Moscou, o embaixador chinês participou recentemente de uma cerimônia para o início de negociações cambiais entre o yuan e o rublo na bolsa cambial interbancária da Rússia. Ainda assim, os negócios serão restritos a uma hora por dia. Em janeiro, a filial de Nova York do Banco da China começou a oferecer a clientes americanos transações monetárias em yuan pela primeira vez. A China também fechou acordos com a Coreia do Sul e outros vizinhos, assim como com a Islândia, Belarus e Argentina, para realização de transações financeiras complexas conhecidas como swaps cambiais. Os negócios visam permitir aos bancos centrais desses países disponibilizar o yuan para empresas domésticas. Mas a verdadeira área de teste da China para a internacionalização do yuan parece ser Hong Kong. Em setembro de 2009, um punhado de empresas da chamada Região Administrativa Especial (RAE) foi autorizado a realizar negócios em yuan. Empresas estrangeiras, incluindo a rede de restaurantes de fast-food americana McDonald’s, já emitiram títulos denominados em yuan na RAE para financiar sua expansão no continente. Contornando os controles de capital da China O volume de negócios realizado em Hong Kong em moeda local cresceu para 340 bilhões de yuans entre junho e novembro de 2010. A quantia é minúscula em comparação ao volume total de negócios do segundo maior país industrializado do mundo, mas, dado o buraco no sistema de controles de moeda estrangeira, ainda é grande o suficiente para preocupar os membros mais cautelosos da liderança chinesa. Eles estão alarmados que especuladores estrangeiros e domésticos estejam contornando os controles de capital chineses e estocando yuans em Hong Kong, onde podem trocar a moeda chinesa por dólares a taxas mais atraentes do que no continente. Os monitores de moeda de Hong Kong alertaram recentemente os bancos, aparentemente a pedido de Pequim, para analisarem seus clientes mais cuidadosamente. A China está em uma situação difícil. Por outro lado, Hu e seus colegas estão felizes com seu novo papel como líderes de uma superpotência, um papel que permite que minimizem a importância do dólar. Isso tem apelo junto aos seus conterrâneos patrióticos, mas mesmo Hu, o crítico do dólar, reconhece que “um processo bem longo” é necessário até que o yuan ascenda ao nível de uma moeda global. Isso ocorre porque a China não pode oferecer uma alternativa ao dólar. Para manter sua moeda artificialmente baixa, o banco central varre a moeda estrangeira do sistema bancário doméstico, como se tivesse uma vassoura gigante. Dessa forma, a China aumentou suas reservas de moeda estrangeira no ano passado em US$ 450 bilhões, atingindo US$ 2,85 trilhões. Pequim investe grande parte dos fundos em títulos do Tesouro americano, financiando assim a política de gestão da dívida da superpotência ocidental ainda dominante. Uma nova Wall Street asiática A visão da China é clara. Há dois anos, no auge da crise financeira global, o governo anunciou cerimoniosamente que pretende transformar Xangai em um centro financeiro global até 2020. Mas Xangai só pode se tornar uma Wall Street asiática se desenvolver um mercado financeiro moderno, diz Chan Wei, da Academia de Ciências Sociais de Xangai. A cidade ainda está longe dessa meta, porque o governo ainda controla as atividades do mercado. “Quanto mais o governo estiver envolvido, maiores serão os riscos para os investidores”, diz Chen. O verdadeiro centro financeiro da China é Pequim. Os bancos estatais, liderados pelo Banco Industrial e Comercial da China (ICBC, na sigla em inglês), têm suas sedes na capital. Quando classificado segundo capitalização de mercado, o ICBC é o maior banco do mundo. Os gigantes do setor bancário da China dividiram o mercado entre eles. Em vez de competirem pela confiança dos investidores privados, eles concedem empréstimos praticamente a pedido do partido. O presidente-executivo do ICBC, Jiang Jianqing, foi nomeado secretário do partido e chefe do banco em 2000. Ele é um membro suplente do Comitê Central do partido, assim como seus pares em três outros grandes bancos. Eles devem seus empregos à divisão de organização do partido, um grupo envolto em sigilo e que não consta na lista telefônica de Pequim. Um produto do passado? Apenas no ano passado, os bancos estatais concederam empréstimos no valor de aproximadamente 8 trilhões de yuans (aproximadamente 900 bilhões de euros), e ao fazê-lo alimentaram uma enorme bolha imobiliária. Se o yuan passar a flutuar livremente, a China poderia ser alvo de especuladores, como aconteceu com os Tigres Asiáticos durante a crise financeira asiática de 1997, alerta Xiang Songzuo, da Universidade Renmin, em Pequim. Xiang acredita que a China precisa de mais outros 15 anos para tornar o yuan uma moeda com câmbio flutuante. Então ele lista todas as reformas que a China ainda tem em sua agenda; a transformação de suas indústria de baixa remuneração; o estímulo do consumo doméstico; e a criação de um sistema financeiro transparente e justo. Resumindo, a China terá que se transformar de um sistema de capitalismo de Estado, no qual o partido dá as ordens, em uma economia de mercado. Apenas aí, diz Xiang, é que o restante do mundo aceitará o yuan como moeda de reserva. Mas o partido estará disposto a limitar seu controle onipotente sobre a economia da China? Ou, para isso, teria que também se transformar em um “produto do passado”?

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