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"Temo que a Internet se torne em breve uma zona de guerra", diz pioneiro do antivírus

Matthias Schepp
Thomas Tuma

  • Getty Images

Evgeny Kaspersky é um dos maiores empreendedores e caçadores de vírus na Internet da Rússia. Em uma entrevista para a “Spiegel”, ele discute a série de ataques recentes contra multinacionais, os “profissionais” por trás do vírus Stuxnet e seu medo da ciberviolência pessoal e disseminada.   Spiegel: Sr. Kaspersky, quando foi a última vez que um caçador de vírus como o senhor foi vítima de um ciberataque?   Evgeny Kaspersky: Meu computador quase foi infectado duas vezes recentemente. Quando uma pessoa me devolveu meu pen drive em uma conferência, ele estava infectado com um vírus. Mas nosso próprio programa antivírus me ajudou. Na segunda vez, o site de um hotel em Chipre estava infectado. Esse tipo de coisa pode acontecer a qualquer um, independente de quão cuidadosa a pessoa seja. Eu preciso de proteção como qualquer um. Afinal, um especialista em doenças sexualmente transmissíveis também usa preservativos como proteção.   Spiegel: Os virologistas às vezes se empolgam com a perfeição mortal dos vírus que estudam. O senhor ainda se empolga com a tecnologia de um vírus de computador?   Kaspersky: Quanto mais sofisticado é o vírus, mais empolgante é quebrar seu algoritmo. Eu fico feliz quando consigo. Ok, às vezes também há um pouco de respeito profissional envolvido. Mas não tem nada a ver com entusiasmo. Todo vírus é um crime. Hackers fazem coisas ruins. Eu nunca contrataria um.   Spiegel: O senhor e sua empresa são vencedores de uma nova era de guerras.   Kaspersky: Não, porque essa guerra não pode ser vencida; ela só tem perpetradores e vítimas. Lá fora, tudo o que podemos fazer é impedir que tudo saia de controle. Apenas duas coisas podem solucionar isso de uma vez por todas e ambas são indesejáveis: proibir computadores –ou pessoas.   Spiegel: Apesar de sua empresa Kaspersky Lab empregar atualmente mais de 2 mil funcionários, ela é uma pequena empresa em comparação com fabricantes de software antivírus como McAfee e Symantec. O senhor conseguirá algum dia alcançá-las?   Kaspersky: Nós certamente estamos tentando. A Rússia é nossa vantagem competitiva mais importante. Moscou produz os melhores programadores do mundo. Ela tem um grande número de universidades técnicas excelentes. E apesar dos russos não conseguirem fabricar carros como os alemães, eles escrevem programas brilhantes.   Spiegel: O senhor já foi treinado como criptólogo pela KGB. Isso atrapalha sua expansão para o Ocidente?   Kaspersky: Não, mas o fato de sermos uma empresa com raízes russas sim. Nós ocasionalmente sentimos certo grau de suspeita. Todavia, agora estamos em primeiro lugar na Alemanha, estamos crescendo rapidamente nos Estados Unidos e temos clientes até mesmo dentro da Otan.   Spiegel: Quem?   Kaspersky: Um ministério da Defesa. Eu não revelarei o nome do país.   Spiegel: De quais países vêm mais vírus?   Kaspersky: é difícil dizer, porque infelizmente os vírus não têm carteiras de identidade. Nós podemos ao menos identificar a língua do originador, e isso no momento em que o inventor se comunica com seu vírus e lhe dá um comando.   Spiegel: Os programadores russos não fazem apenas coisas boas. Nós presumimos que eles também dominam o campo dos vírus.   Kaspersky: Com base no número de vírus programados, nós estamos em terceiro lugar, atrás da China e da América Latina. Infelizmente, os russos também estão entre os agentes mais sofisticados e avançados na atividade cibercriminosa. Atualmente, eles inventam vírus e programas cavalo de Troia complexos por demanda. Eles lavam dinheiro pela Internet. Mas o maior número de programas malignos é escrito em chinês. Isso significa que podem vir diretamente da República Popular, mas também de Cingapura, Malásia e até mesmo da Califórnia, onde há hackers que falam mandarim.   Spiegel: Surpreendentemente, muito poucos vírus parecem vir da índia, apesar de ser uma estrela em ascensão no mundo da TI (Tecnologia da Informação).   Kaspersky: Em geral, o nível de crimes na índia é baixo. Provavelmente é uma questão de mentalidade. índia e China possuem aproximadamente a mesma população, mesma densidade de computadores, um padrão de vida semelhante e raízes religiosas semelhantes. Mas a China produz vírus como se saíssem de uma linha de montagem.   Amadores e profissionais   Spiegel: Por que a Rússia produz alguns dos sindicatos de hackers mais perigosos, mas muito poucas empresas de software de classe mundial como a sua?   Kaspersky: Há algumas poucas, mas eu vejo um problema básico: na Rússia, o nível de treinamento técnico tradicionalmente é alto, e é transferido dos professores para os estudantes há gerações. Mas não há professores que saibam como desenvolver uma empresa com esse treinamento, porque, ao longo de sete décadas de comunismo, nunca foi permitido que a realização de negócios fosse o foco. A maioria dos líderes empresariais atuais tem por volta de 50 anos, o que significa que nasceram durante a era soviética. Eles frequentemente têm uma espécie de Cortina de Ferro nas suas mentes. Eles gostam de passar férias no exterior; mas quando realizam negócios, eles se limitam aos países que antes pertenciam à União Soviética, porque é onde as pessoas falam sua língua e os entendem culturalmente. Eu espero ver uma nova geração que não tenha medo de outras culturas e que fale inglês.   Spiegel: A ferramenta de busca russa Yandex levantou recentemente US$ 1,3 bilhão em sua oferta pública inicial em Nova York, que foi a maior oferta pública inicial no setor desde o Google...   Kaspersky: ...o que é um sinal incrivelmente importante para muitas pessoas aqui. Uma empresa russa que demonstra que pode ser bem-sucedida com o poder de nossos cérebros em vez de nossos recursos naturais. Há um sonho americano e agora também há um sonho russo: ganhar dinheiro sem petróleo ou gás.   Spiegel: O senhor já se descreveu como extremamente paranoico. Qual é o pior desastre possível que um vírus de computador pode causar?   Kaspersky: Nos tempos soviéticos, nós costumávamos brincar que um otimista aprende inglês, porque ele espera que o país se abrirá, e que um pessimista aprende chinês, porque teme que a China nos conquistará, e que o realista aprende a usar um Kalashnikov. Atualmente, o otimista aprende chinês, o pessimista aprende árabe...   Spiegel: ...e o realista?   Kaspersky: ...continua praticando com seu Kalashnikov. Sério. Até mesmo os americanos estão agora dizendo abertamente que responderiam a um ataque destrutivo pela Internet, em grande escala, com um ataque militar clássico. Mas o que farão se o ciberataque for lançado contra os Estados Unidos de dentro de seu próprio país? Tudo depende dos computadores atualmente: a oferta de energia, aviões, trens. Eu temo que a Internet se torne em breve uma zona de guerra, uma plataforma para ataques profissionais contra infraestrutura crítica.   Spiegel: Quando isso acontecerá?   Kaspersky: Ontem. Esses ataques já ocorreram.   Spiegel: O senhor fala do Stuxnet, o chamado “supervírus” que supostamente foi programado para sabotar as instalações nucleares iranianas.   Kaspersky: A inteligência israelense infelizmente não nos envia informes. Houve muita conversa –na Internet e na imprensa– de que o Stuxnet foi um projeto conjunto americano-israelense. Eu acho que provavelmente é o cenário mais provável. Foi um trabalho altamente profissional, a propósito, e um pelo qual tenho muito respeito. Ele custou vários milhões de dólares e teve que ser orquestrado por uma equipe de engenheiros altamente treinados por um período de vários meses. Não havia amadores; eram profissionais plenos que precisam ser levados muito a sério. Você não entra em uma briga com eles; eles não enrolam.   Spiegel: Que tipo de estragos um supervírus como esse pode causar?   Kaspersky: Você se recorda dos apagões em grandes partes da América do Norte em agosto de 2003? Hoje, eu estou certo que um vírus provocou aquela catástrofe. E foi há oito anos.   Spiegel: Bombeiros tendem a descrever os riscos de fogo em termos particularmente dramáticos, porque ganham seu dinheiro combatendo incêndios. O senhor não está apenas tentando assustar as pessoas a respeito de vírus, porque esse é o seu ganha-pão?   Kaspersky: Se estivesse apenas interessado em dinheiro, minha empresa já teria aberto seu capital a esta altura. Acredite se quiser, minha maior preocupação é tornar o mundo um lugar mais limpo. O dinheiro é importante; mas seu eu fizer bem o meu trabalho, isso virá naturalmente.   Spiegel: Os hackers atualmente estão visando empresas como Lockheed Martin, Google e Sony...   Kaspersky: ...simplesmente porque eles agora podem se infiltrar em seus sistemas de segurança bem protegidos para acessar a informação secreta. Isso coloca as empresas em risco, mas também coloca em risco nações inteiras. é uma questão de espionagem industrial privada, mas países também estão envolvidos.   Spiegel: O senhor está dizendo que governos estão por trás de muitos dos ataques?   Kaspersky: Eu não descarto.   Spiegel: O Google alega que o ataque aos seus serviços de e-mail foi rastreado até a China.   Kaspersky: Eu não tenho informação apontando para a China como originadora de fato. Os profissionais realizam seu trabalho por meio de servidores proxy. Eles podem estar localizados na China, mas controlados a partir dos Estados Unidos. Talvez fossem apenas concorrentes –mas as pessoas então apontaram seus dedos para a China. Tudo pode acontecer em nosso ramo.   Fontes de ameaças futuras   Spiegel: Em 2007, a Estônia provocou os russos quando mudou um memorial da guerra da era soviética. O senhor acha que o Kremlin esteve por trás do ciberataque subsequente contra o pequeno país?   Kaspersky: Não o governo, mas spammers russos enfurecidos que direcionaram redes especiais de computadores conhecidas como “botnets” contra a Estônia. Ele se tornou o protótipo de um ciberataque beligerante contra um país. Os agressores não derrubaram apenas os sites do governo; eles também enviaram tantos e-mails de spam que todo o canal de Internet para a Estônia entrou rapidamente em colapso. O país foi cortado do mundo. O sistema bancário, comércio, transporte –tudo parou.   Spiegel: Os hackers russos poderiam figurativamente dar um “checkmate” na Alemanha?   Kaspersky: (rindo) Nós não faríamos isso. Se fizéssemos, quem compraria nosso gás natural?   Spiegel: Vários geeks de computador e hackers se uniram em um grupo online esquivo conhecido como “Anonymous”, que está constantemente travando uma guerrilha de cibercampanhas. Quais são seus pensamentos a respeito?   Kaspersky: Eu não acho que Anonymous já tenha causado algum grande dano. Mas eu também não apoio esse grupo. Algumas dessas pessoas são bem intencionadas e estão apenas tentando chamar atenção para brechas de segurança. Mas também há os mal-intencionados. Imagine que você esqueceu a chave na sua porta da frente. Alguns ligariam para você para avisar, enquanto outros espalhariam a notícia por toda a cidade de que você deixou a porta da frente aberta. Esse é o Anonymous; é imprevisível.   Spiegel: No futuro, organizações terroristas como a Al Qaeda também poderiam travar ciberguerras.   Kaspersky: Os terroristas usam a Internet principalmente para comunicação, propaganda e recrutamento de novos membros e fontes de fundos. Até o momento, cibercriminosos altamente qualificados têm demonstrado senso suficiente para não se envolverem com terroristas. Mas, no futuro, devemos contar com ciberataques a fábricas, aviões e usinas elétricas. Pense em “Duro de Matar 4.0”...   Spiegel: ...no qual Bruce Willis enfrentou um exército de jovens hackers.   Kaspersky: Metade do filme é ficção de Hollywood, mas a outra metade é bastante realista. Isso realmente me preocupa.   Spiegel: Seu filho de 20 anos, Ivan, foi recentemente sequestrado por uma gangue, mas libertado ileso poucos dias depois. Quão perigoso é ser rico na Rússia?   Kaspersky: Mais perigoso do que em Munique, mas não tão perigoso quanto na Colômbia, onde costumava circular em um carro blindado quando estava lá em férias. Os filhos de empreendedores bem-sucedidos também são sequestrados em outros países. Graças a Deus as autoridades russas e meu serviço de segurança conseguiram resgatar Ivan. Meu filho foi parcialmente culpado pelo seu sequestro: ele divulgou seu endereço pelo Facebook, apesar de alertá-lo há anos para não revelar nenhuma informação pessoal na Internet. Redes sociais como Facebook e Twitter facilitam o trabalho para os criminosos.   Spiegel: Seu filho está estudando matemática e trabalha como programador. O senhor espera que ele assuma sua empresa algum dia?   Kaspersky: Se ele for bom, talvez.   Spiegel: O Vale do Silício está repleto de cientistas russos. O senhor alguma vez já desejou emigrar para os Estados Unidos?   Kaspersky: Certa vez, em 1992. Eu tinha acabado de voltar de Hanover para Moscou, da minha primeira viagem ao Ocidente. Na época, eu só conseguia balançar minha cabeça em desgosto pelo meu país. A desigualdade de prosperidade era enorme. Ela se tornou significativamente menor hoje. E como viajo muito, eu sei que há prós e contras em todo lugar –sejam eles sociais, econômicos ou políticos.   Spiegel: Sr. Kaspersky, obrigado por esta entrevista.

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