Exclusivo para assinantes UOL

Martin Wolf: Como a China precisa mudar caso queira sustentar sua ascensão

  • Reuters

    Trabalhador limpa lixo de rio na China, acumulado após chuvas torrenciais dos últimos dias

    Trabalhador limpa lixo de rio na China, acumulado após chuvas torrenciais dos últimos dias

“No caso da China, há uma falta de equilíbrio, coordenação e sustentabilidade no desenvolvimento econômico.” Quem ousa fazer uma avaliação tão pessimista a respeito da economia mais dinâmica do mundo antes de um encontro de estrangeiros influentes, no coração da própria China? A resposta é o primeiro-ministro Wen Jiabao, na “Davos de verão” da semana passada, em Tianjin. Ele está certo. Quando quase todo mundo acredita que a China é invulnerável, o que poderia dar errado? Como disse Andy Grove da Intel: “Apenas o paranóico sobrevive”. Wen é sábio em se manter igualmente cauteloso. Mas como Wen também notou, “os últimos dois anos viram a China emergir como um dos primeiros países a conseguir uma recuperação econômica, e manter um desenvolvimento econômico constante e relativamente rápido sob circunstâncias extremamente difíceis e complexas”. Wen acrescentou: “Nós devemos nossas realizações à (...) implantação do pacote de estímulo”. Como resultado, a economia cresceu em 9,1% em 2009 e 11,1% na primeira metade de 2010. Este sucesso ocorreu após três décadas de crescimento muito rápido. Por paridade de poder aquisitivo, o produto interno bruto per capita aumentou quase dez vezes desde o início da “reforma e abertura” sob Deng Xiaoping, em 1978. é um feito notável, mas não sem precedente. A taxa da China para “alcançar” os Estados Unidos não difere muito da taxa do Japão antes de meados dos anos 70 e da Coreia do Sul entre o início dos anos 80 e a crise financeira em 1997. O que difere, entretanto, é a escala do país e sua pobreza inicial. O PIB per capita da China (em paridade de poder aquisitivo) era de meros 4% do nível americano em 1978. Mesmo agora, é de menos de 1/5. Esta última era a posição do Japão em 1950 e da Coreia do Sul em 1978. Para que a China atinja o PIB per capita relativo do Japão antes de uma forte desaceleração do crescimento, ela precisaria de outros 25 anos de rápida expansão econômica, se transformando na maior economia do mundo. O que poderia deter essa potência? Algum momento de rápido crescimento monetário, bolhas de crédito, sobrevalorização de ativos e dívidas ruins. Mas eu concordo com Jonathan Anderson, do UBS, um analista respeitado da economia chinesa, de que essa preocupação é exagerada. O crescimento do crédito já está normalizando. Wen argumenta que a relação de adequação de capital e a relação de empréstimos vencidos e não pagos agora é de 11,1% e 2,8%, respectivamente, ambas em território seguro. De modo mais fundamental, enquanto o governo permanecer solvente e o crescimento for sustentável, o setor financeiro não será capaz de criar uma crise inadministrável. Um país que está se urbanizando rapidamente, com uma economia crescendo entre 8 e 10% ao ano, não se envolverá em choques, principalmente por absorver o excesso de capacidade. A visão pessimista mais interessante vem de Michael Pettis, da Escola Guanghua de Administração da Universidade de Pequim.* A característica do crescimento chinês é de que ele é “desequilibrado”, como nota Wen: ele é altamente dependente de investimento como uma fonte de demanda e propulsor de oferta. Ela é, de certo modo, a economia mais “capitalista” de todas. Logo, entre 1997 e 2009, o investimento bruto cresceu de 32% para 46% do PIB, enquanto o consumo dos lares caiu de 45% do PIB para meros 32%. Esta deve ser a parcela mais baixa de consumo de qualquer economia significativa. Em um país com centenas de milhões de pobres, é até mesmo chocante. Enquanto isso, a taxa de aumento de investimento tem sido a principal propulsora de crescimento. No início dos anos 2000, o “fator de produtividade total” –aumentos no produto por unidade de insumo– também foi importante. Mas a contribuição de uma maior eficiência também tem diminuído. Esta, argumenta o prof. Pettis, é a “versão incrementada” do modelo de desenvolvimento asiático que vimos no Japão e na Coreia do Sul em décadas anteriores. As características desta abordagem voltada para a produção são: transferências dos lares para o setor manufatureiro, via baixas taxas de juros sobre a poupança, salários represados e taxa de câmbio deprimida; investimento muito alto; rápido crescimento das exportações; e superávit externo elevado. A China é o “Japão mais”: sua taxa de investimento é maior, seus superávits comerciais maiores, taxa de consumo mais baixa e intervenção maior no câmbio. Este tem sido um modelo de desenvolvimento extraordinariamente bem-sucedido, mas, como nota o prof. Pettis, ele poderá se deparar com as restrições do “sobreinvestimento pesado e capital mal alocado”. Ele prossegue: “Em todo caso em que posso pensar, tem sido muito difícil mudar o modelo de crescimento, porque grande parte da economia depende de subsídios ocultos”. Além disso, a escala da China mudará contra ela o preço dos importados, particularmente as matérias-primas, acelerando assim o declínio dos lucros. Na China, um aumento da taxa de investimento é necessário para manter uma taxa determinada de crescimento econômico. A certa altura, o investimento parará de crescer e o crescimento desacelerará. A China então enfrentará o desafio japonês: como sustentar a demanda à medida que a taxa de investimento necessária sofre colapso? Se, por exemplo, o investimento bruto necessário para sustentar uma taxa de crescimento de 10% é de 50% do PIB, então a taxa de investimento necessária para sustentar um crescimento de 6% poderia ser de apenas 30% do PIB. Com sua imensa dependência de investimento como fonte de demanda, qualquer declínio no crescimento esperado se transforma em ameaça de uma imensa recessão. Uma resposta seria outro aumento de investimento por parte do governo, por mais baixo que seja o retorno. A resposta mais atraente é a de um crescimento mais rápido do consumo. Há evidência disso durante os dois últimos anos. Mas, como nota o prof. Pettis, para que o consumo cresça consistentemente mais rápido do que o PIB, a renda disponível dos lares também deve. Mas para que isso aconteça, a renda deve ser transferida do setor corporativo. Isso implica em uma redução dos lucros, por meio de taxas de juros mais altas, aumentos salariais reais ou uma taxa de câmbio mais alta. Mas isso aumenta o risco de um colapso do investimento, com sérias consequências para a demanda. Como argumenta o prof. Pettis, na China o “crescimento é alto (...) porque o consumo é baixo”. O reequilíbrio da economia para um consumo doméstico poderia minar a capacidade de sustentar o próprio crescimento. Se for, a China está em uma esteira mecânica de investimento. A economia da China é a que cresceu de forma mais impressionante na história. Isso em parte por ser tão desequilibrada. Quanto mais o reequilíbrio é adiado, mais doloroso será o ajuste. A economia chinesa de daqui duas décadas será bem menos impulsionada pelo investimento do que a atual. Quão suave e quão brevemente ela chegará lá? Estas são grandes perguntas. *“Consumo chinês e o ‘sorpasso’ japonês”, mpettis.com.

UOL Cursos Online

Todos os cursos