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Martin Wolf: como travar a guerra cambial com uma China teimosa

Martin Wolf

  • Edouard Gluck/AP

    Guerra cambial com a China parece ser iminente; colunista diz acreditar que não há outra alternativa

    Guerra cambial com a China parece ser iminente; colunista diz acreditar que não há outra alternativa

Chegou o momento de uma guerra cambial com a China? A resposta parece cada vez mais ser sim. Os aspectos políticos e econômicos de um ataque à política cambial chinesa são cada vez mais convincentes. A ideia é profundamente perturbadora, é claro. Mas eu não mais acredito que exista uma alternativa. Nós temos que tratar de quatro questões. A China é uma “manipuladora da moeda”? Se for, isso importa? O que poderia ser razoável de ser pedido à China? Finalmente, os outros países podem compensar as políticas da China, com danos colaterais limitados? A primeira pergunta é a mais fácil. Se uma decisão de investir metade do produto interno bruto de um país em reservas cambiais não é manipulação cambial, o que é? Além disso, ao esterilizar os efeitos monetários, o governo chinês também minou o mecanismo de ajuste em um regime de taxa fixa, como foi explicado pelo grande filósofo escocês, David Hume, no século 18. Agora, quanto à segunda pergunta: isso importa? Uma resposta é que se trata de uma política protecionista. Ao manter sua taxa de câmbio real baixa, a China subsidia a produção de suas exportações. Como a China agora é a maior exportadora do mundo, isso causa uma distorção significativa do comércio mundial. O superávit em conta corrente chinês está longe de ser a única explicação para o déficit em conta corrente americano. Mas também é verdade que as políticas cambiais da China têm afetado as de outros países; que os países ricos importadores de capital são incapazes de fazer uso produtivo do superávit dos países emergentes; e que o fluxo líquido de fundos dos pobres para os ricos é perverso. Além disso, para que países ricos como os Estados Unidos tenham lares mais prudentes e maior disciplina fiscal, eles precisam desfrutar de um grande boom de investimento ou uma mudança para superávit em conta corrente. Mais plausivelmente, eles precisam de ambos. Além disso, devido aos superávits de poupança da Alemanha, Japão e outros países ricos, um retorno ao crescimento estável da economia mundial exigiria que os países de alta renda, coletivamente, passassem para um superávit considerável em conta corrente. A China é o país emergente mais dinâmico e solvente. Ela também conta com o maior superávit em conta corrente do mundo. Se toda a compensação para o déficit se encontra em economias emergentes mais fracas, o resultado final provavelmente será outra rodada de crises financeiras. Mas a China poderia passar do atual superávit em conta corrente para o déficit, em US$ 300 bilhões por ano, com um risco insignificante. Isto nos leva à terceira pergunta: o que poderia ser razoável de ser pedido à China? Um ajuste na taxa de câmbio nominal não é nem necessário, nem uma condição suficiente para o reequilíbrio da economia mundial: não é necessário, porque uma inflação mais alta provocaria mudanças nos preços relativos; não é suficiente, porque ainda exigiria um aumento dos gastos domésticos, em relação ao produto. No máximo, portanto, um ajuste na taxa de câmbio nominal seria um facilitador de um conjunto maior de ajustes desejáveis. Assim, a lista de possíveis opções para as autoridades chinesas poderia incluir um teto na intervenção, um fim da esterilização das consequências monetárias e metas para demanda doméstica real, consumo nos lares e conta corrente. Enquanto isso, a China deveria exigir ações complementares em outros lugares, notadamente nos Estados Unidos. Nessas discussões, seria preciso tratar das preocupações chinesas com a possibilidade de que uma valorização cambial significativa não apenas prejudique o setor de exportações, mas leve a uma “década perdida” semelhante à do Japão nos anos 90. O que aconteceu no Japão foi, em grande parte, resultado do uso de política monetária após 1985 para compensar o impacto negativo da elevação da taxa cambial sobre as exportações. Naturalmente, a China não deseja entrar na mesma armadilha. Mas, como argumenta Gabriel Stein, da Lombard Street Research, em um estudo divulgado em junho, as duas situações são muito diferentes: a China tem um potencial muito maior de crescimento rápido do que o Japão tinha no final dos anos 80, porque o PIB per capita do Japão (em paridade de poder aquisitivo) já estava próximo do PIB per capita americano, enquanto o da China é de menos de um quinto; e a China, acima de tudo, tem enorme potencial para maiores taxas de consumo. Uma expansão agressiva do crédito é uma forma perigosa de obter um aumento permanente dos gastos domésticos em relação ao produto. Isso também exigiria mudanças estruturais na economia. Mas elas são do interesse do povo chinês. Isso leva à pergunta final: como a China poderia ser convencida ou coagida a mudar suas políticas? A negociação continua sendo uma esperança. O restante dos demais países do Grupo dos 20 deve se unir no pedido para essas mudanças. Mas se a negociação continuar fracassando, alternativas devem ser consideradas. Sobretaxas sobre as importações são uma possibilidade. Fred Bergsten do Instituto Peterson, em Washington, pediu no “Financial Times” desta semana por uma intervenção cambial compensatória, e Daniel Gros, do Centro para Estudos de Políticas Europeias, em Bruxelas, recomenda reciprocidade na conta de capital: os países afetados poderiam impedir outros países de comprar seus instrumentos financeiros, a menos que estes oferecessem acesso recíproco aos seus mercados financeiros. Essa ideia também tornaria o plano de Bergsten mais eficaz. Eu considero as ideias de intervenção nos mercados de capital bem mais atraentes do que aquelas envolvendo ação contra o comércio, como a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos propôs na semana passada. Primeiro, uma ação contra o comércio seria discriminatória: não há motivo para atacar todas as importações apenas para mudar o comportamento chinês. Mas isto quase certamente seria uma violação das regras da Organização Mundial do Comércio. Uma guerra comercial seria muito perigosa. Insistir que a China pare de comprar as dívidas de outros países, a menos que opere controles rígidos na entrada de capital é, por sua vez, direto, proporcional e, acima de tudo, conduz o mundo para a abertura do mercado. Alguns temem que uma interrupção das compras chinesas de títulos do governo americano levaria a um colapso. é pouco provável, dado os superávits financeiros imensos dos setores privados mundiais e a manutenção do papel do dólar. Se enfraquecesse o dólar, entretanto, isso seria benéfico, não prejudicial. A economia mundial pós-crise não funcionará enquanto sua economia mais dinâmica também for a maior exportadora de capital. Além disso, a China está segurada de uma forma bem mais adequada. A adoção de políticas que transformariam a China em uma importadora líquida beneficiaria tanto sua população quanto o restante do mundo. Chegou o momento de ir além da retórica. Uma ação é urgente.  

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