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Como a China poderia falhar como o Japão

Martin Wolf

Colunista do Financial Times

  • Andy Wong/AP

    Em Pequim, chinesas cantam em homenagem ao aniversário de 90 anos da fundação do partido comunista, que será celebrado no dia 1º de julho

    Em Pequim, chinesas cantam em homenagem ao aniversário de 90 anos da fundação do partido comunista, que será celebrado no dia 1º de julho

Até 1990, o Japão era a grande economia mais bem-sucedida do mundo. Quase ninguém previu o que aconteceu a ela nas décadas que se seguiram. Hoje, as pessoas estão ainda mais impressionadas com os feitos da China. é concebível que este colosso possa vir a aprender que o sucesso espetacular é um precursor de um fracasso surpresa? A resposta é sim.   O produto doméstico bruto per capita do Japão (em paridade de poder aquisitivo) saltou de um quinto dos níveis americanos em 1950 para 90% em 1990. Mas essa convergência espetacular entrou em reversão: em 2010, o PIB per capita do Japão caiu para 76% dos níveis americanos. O PIB per capita da China saltou de 3% dos níveis americanos em 1978, quando teve início a “reforma e abertura” de Deng Xiaoping, para um quinto dos níveis americanos atuais. Isso prosseguirá de forma espetacular ao longo das próximas décadas ou será que a China, também, surpreenderá com uma queda?   é fácil defender uma posição otimista. Primeiro, a China tem um retrospecto comprovado de sucesso, com uma taxa média de crescimento econômico de 10% entre 1979 e 2010. Segundo, a China está muito distante dos padrões de vida dos países ricos. Em relação aos Estados Unidos, seu PIB per capita equivale ao do Japão em 1950, antes de um quarto de século de rápido crescimento. Se a China igualasse o desempenho do Japão, seu PIB per capita seria de 70% dos níveis americanos em 2035 e sua economia seria maior do que a dos Estados Unidos e a da União Europeia combinadas.   Mas existem contra-argumentos. Um é que o tamanho da China é uma desvantagem: em particular, ele faz seu crescimento se tornar bem mais dramático para a demanda de recursos do que qualquer outra coisa que tenha ocorrido antes. Outra é que os efeitos políticos dessa transformação seriam perturbadores para um país dirigido por um partido comunista. Mas também é possível apresentar argumentos puramente econômicos para a ideia de que o crescimento poderia desacelerar mais abruptamente do que a maioria presume.   Esses argumentos se apoiam em duas características da situação da China. A primeira é que se trata de um país de renda média. Os economistas cada vez mais reconhecem uma “armadilha da renda média”. Logo, sustentar rápidos aumentos na produtividade e administrar grandes mudanças estruturais à medida que a economia se torna mais sofisticada é difícil. Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura são praticamente as únicas economias que conseguiram esse feito nos últimos 60 anos.   Felizmente, a China tem semelhanças culturais e econômicas estreitas com esses sucessos do Leste Asiático. Infelizmente, a China compartilha com essas economias um modelo de crescimento liderado pelo investimento, que é tanto uma força quanto uma fraqueza. Além disso, a versão da China desse modelo é extrema. Por este motivo, seria possível argumentar que o modelo causará dificuldades até mesmo antes do que causou no caso supostamente menos distorcido do Japão.   O próprio primeiro-ministro Wen Jiabao descreveu a economia como “instável, desequilibrada, descoordenada e, no final, insustentável”. A natureza do desafio ficou evidente para mim durante as discussões do 12º plano de cinco anos no Fórum de Desenvolvimento da China, em 2011, realizado em Pequim em março. Este novo plano pede por uma mudança acentuada no ritmo e estrutura do crescimento econômico. Em particular, a previsão é de que o crescimento diminua para apenas 7% ao ano. Mais importante, a economia deverá se reequilibrar, passando do investimento para o consumo e, parcialmente como resultado, da manufatura para os serviços.   A pergunta é se essas mudanças podem ser administradas de modo suave. Michael Pettis, de Escola Guanghua de Administração da Universidade de Pequim, argumenta que não podem. Seu argumento se apoia na visão de que no modelo de crescimento liderado pelo investimento, a repressão das rendas domésticas exerce um papel central no subsídio ao investimento. A remoção dessa repressão –uma condição necessária para um crescimento mais rápido do consumo– causa o risco de uma desaceleração acentuada do produto e uma desaceleração ainda maior no investimento. O crescimento é provocado tanto pela expansão subsidiada da capacidade quanto pela lucrativa combinação de oferta com demanda final. Isso terminará com uma queda.   O investimento de fato tem crescido mais rápido do que o PIB. De 2000 a 2010, o crescimento do investimento fixo foi em média de 13,3%, enquanto o crescimento do consumo privado foi em média de 7,8%. Ao longo do mesmo período, a parcela de consumo privado no PIB caiu de 46% para meros 34%, enquanto a parcela de investimento fixo cresceu de 34% para 46%.   O professor Pettis argumenta que a supressão de salários, a enorme expansão de crédito barato e uma taxa de câmbio reprimida são todas formas de transferir renda dos lares para as empresas e, assim, do consumo para o investimento. Dwight Perkins, de Harvard, argumentou no Fórum de Desenvolvimento da China que a “relação incremental capital/produto” –a quantidade de capital necessária para uma unidade extra do PIB– subiu de 3,7 para um nos anos 90 para 4,25 para um nos anos 2000. Isso também sugere que o retorno tem caído nas margens.   Para que este padrão de crescimento seja revertido, como deseja o governo, o crescimento do investimento deve cair bem abaixo do crescimento do PIB. Isso é o que aconteceu no Japão nos anos 90, com péssimos resultados. A tese defendida pelo professor Pettis é que uma estratégia de investimento forçado normalmente acaba em queda. A pergunta é quando. Na China, poderia acontecer mais cedo no processo de crescimento do que no Japão, porque o investimento está alto demais. Grande parte do investimento realizado agora não seria lucrativo sem o apoio artificial fornecido, ele argumenta. Um indicador, ele sugere, é o rápido crescimento do crédito. George Magnus, do UBS, também notou no “FT” de 3 de maio de 2011 que a intensidade de crédito no crescimento chinês aumentou acentuadamente. Isso também lembra o Japão no final dos anos 80, quando a tentativa de sustentar o crescimento da demanda doméstica levou a uma expansão de crédito ruinosa.   Com a diminuição do crescimento, a demanda por investimento certamente encolherá. A um crescimento de 7%, a taxa de investimento necessária poderia cair para até 15% do PIB. Mas a tentativa e transferir renda para os lares poderia forçar um declínio ainda maior. De motor do crescimento, o investimento poderia se tornar fonte de estagnação.   A visão otimista é de que o crescimento potencial da China é tão grande que o país pode administrar a transição planejada com facilidade. A visão pessimista é de que é difícil para um país investir metade do PIB para desacelerar suavemente. Eu acho que a transição para um crescimento econômico mais lento e uma maior dependência do consumo será atribulada. O governo chinês é hábil. Mas não é capaz de caminhar sobre as águas. As águas sobre as quais terá que caminhar na próxima década serão agitadas. Cuidado com as ondas.   martin.wolf@ft.com

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