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É preciso aproveitar a chance para uma reforma dos meios de comunicação

Martin Wolf

  • AFP

    Jornal britânico Daily Mail

    Jornal britânico Daily Mail

Crianças intimidadas cercando o valentão do playground –este é o espetáculo no Reino Unido desde o estouro do escândalo de grampos telefônicos do “News of the World”. Como alguém que há muito acredita que a influência de Rupert Murdoch na vida pública britânica é intolerável, eu fico satisfeito em ver essa mudança de sorte. Mas fúria não basta. O Reino Unido deve aproveitar esta chance para reconsiderar a estrutura e regulamentação da mídia. A mídia é um negócio. Mas não um negócio qualquer. Ela não apenas reflete, mas também molda a opinião pública, de modo que detém uma influência política imensa. é por isso que os ditadores buscam controlar os meios de comunicação e os políticos democráticos os utilizam. Uma pessoa com controle de uma porção substancial da imprensa escrita e da televisão exerce uma influência enorme sobre a vida pública. Essa é (ou ao menos era) a posição da News International de Murdoch. Alguns argumentariam que, mesmo assim, é melhor deixar a propriedade aos cuidados do mercado e o conteúdo aos direitos de liberdade de expressão, sujeito apenas à lei de calúnia e difamação e de invasão da vida privada. Mas a propriedade importa. A mídia tem um relacionamento íntimo com o funcionamento da democracia ou, em palavras diferentes, com a capacidade das pessoas de exercer a cidadania de modo eficaz. Nós somos ao mesmo tempo consumidores e cidadãos, indivíduos buscando nossas vidas privadas e participantes da vida pública. Os liberais clássicos, que começam assumindo que o papel do Estado deve ser estreitamente limitado, veem a mídia como não mais do que uma arena para gladiadores comerciais. Mas, nas palavras de Aristóteles, o homem é um “animal político”. Nós precisamos tomar muitas decisões juntos. No Ocidente, nós fazemos isso por meio de um Estado governado pela lei, que responde aos governados. Assim, trata-se de um governar por meio de discussão permanente. A mídia é o foro da política democrática. é por isso que importa. A diversidade da mídia exige diversidade de propriedade. Mas as forças econômicas podem gerar um grau de concentração incompatível com a diversidade desejada. Os políticos então se rebaixam diante dos proprietários que controlam sua comunicação com o público. Na pior das hipóteses, o proprietário pode distorcer essa comunicação necessária de modo a transformar a vida pública. Eu argumentaria que o populismo de direita da rede “Fox” faz exatamente isso nos Estados Unidos. Isso não deve acontecer no Reino Unido. Paradoxalmente, entretanto, um proprietário poderoso, como Murdoch, também pode promover a diversidade. “The Times”, um jornal decente, existe atualmente devido às subvenções da “News International”. Essa necessidade de apoio reflete em parte os aspectos econômicos do meio jornal, já que a Internet devastou o modelo tradicional de negócios baseado em anunciantes. Ver a mídia da mesma forma como veríamos uma atividade comercial é um erro grave, assim como ignorar os aspectos econômicos desse negócio. A mídia precisa ser financiada. Se os fundos não vierem do mercado, eles devem vir de outro lugar. Isso também cria riscos, como a dominação pelo Estado, por exemplo. Cada país deverá encontrar seu próprio equilíbrio, ciente dos dilemas, particularmente em uma era de profunda mudança tecnológica. O que é necessário é um reexame abrangente do papel e regulamentação da mídia no Reino Unido. Além disso, qualquer conclusão desse reexame deve incluir explicitamente um compromisso de nova revisão no futuro, para levar em consideração as mudanças em curso na tecnologia e no ambiente de negócios. Essa revisão abrangente analisaria: a lei de privacidade e de calúnia e difamação; regulamentação da imprensa; concentração de propriedade na mídia; o papel da radiodifusão de utilidade pública; e o financiamento público da mídia, de modo mais geral, e particularmente da imprensa. Meus pontos de vista preliminares são: a privacidade dos indefesos precisa de maior proteção e os erros dos poderosos de menos; a reparação de cobertura maliciosa precisa ser mais dura, preservando ao mesmo tempo a liberdade de expressão; as regras para múltiplas propriedades na mídia devem ser mais rígidas, com a posição da News International, tanto em jornais quanto na televisão, excluída, a priori; o país deve manter o apoio à “BBC” por meio de financiamento estável, porque ele define a noção de bem-estar público; e devemos considerar se o bem público do levantamento e análise de notícia de alta qualidade merece apoio público. Estes são tempos notáveis. Mas eles também são em grande parte uma explosão de fúria por parte daqueles que a imprensa de Murdoch humilhou. A investigação em duas partes do escândalo dos grampos e assuntos relacionados, planejada pelo primeiro-ministro. cobre grande parte, mas não todo o terreno necessário. Não basta um acerto de contas com o valentão do playground, apesar de seu comportamento impróprio ter sido tão grave. é essencial projetar uma estrutura de regulamentação que preserve a liberdade da mídia, coibindo ao mesmo tempo o abuso, incluindo as concentrações de poder impróprias. A mídia é importante demais para ficar à mercê de políticos ou juízes. Mas também é importante demais para ficar aos cuidados de proprietários dominantes. O Reino Unido tem uma oportunidade de ouro para estabelecer um novo equilíbrio. Se conseguir, este escândalo poderá produzir um rico fruto.

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