Exclusivo para assinantes UOL

Classe média se incomoda com situação vulnerável na Indonésia

Anthony Deutsch

Em Jacarta (Indonésia)

  • Achmad Ibrahim/AP

    Noivos cochilam durante casamento coletivo em Jacarta, capital da Indonésia. Mais de 4.500 casais de baixa renda participaram da cerimônia no estádio de Senayan, na qual obtiveram a certidão de casamento

    Noivos cochilam durante casamento coletivo em Jacarta, capital da Indonésia. Mais de 4.500 casais de baixa renda participaram da cerimônia no estádio de Senayan, na qual obtiveram a certidão de casamento

O marido de Rini Hartati morreu de tifo há quatro anos, deixando-a como única provedora para seus dois filhos pequenos. Metade de sua renda modesta como assistente de vendas agora vai para pagamento da escola. Hartati, 35 anos, também vendeu o carro da família. O crescimento econômico constante da Indonésia ergueu milhões de pessoas da pobreza para a classe média juntamente com Hartati. Mas em vez de se sentirem seguros, muitos permanecem financeiramente vulneráveis e estão cada vez mais desiludidos com o governo, visto como incapaz de fornecer serviços públicos básicos por todo o vasto país de 240 milhões de habitantes. Sem qualquer segurança social real, a família de Hartati corre o risco de voltar à pobreza se enfrentar outro revés econômico sério, como o adoecimento de algum deles. Isso não é o que dezenas de milhões de eleitores tinham em mente em 2009, quando reelegeram o presidente Susilo Bambang Yudhoyono. Em sua campanha, o general reformado prometeu tornar o ensino e o atendimento de saúde disponível para todos os indonésios, assim como combater a corrupção entrincheirada. Passados dois anos de seu segundo mandato de cinco anos, a percepção de fracasso no cumprimento de suas promessas fez com que o índice de aprovação de Yudhoyono atingisse uma baixa recorde. Algumas pessoas têm abertamente saudades dos tempos do falecido presidente autoritário Suharto, cujo regime brutal construía clínicas e escolas, além de fornecer alimentos básicos e combustíveis, até mesmo nas aldeias. “O governo não cumpriu suas promessas. Os serviços de saúde e o ensino são caros demais para nós”, disse Hartati. Quando seus filhos precisam de tratamento médico, ela não pode levá-los a hospitais bem equipados, optando por clínicas locais baratas. Os valores cobrados pelos hospitais podem chegar a centenas de dólares por dia, ou mais do que um salário mensal, e frequentemente não são cobertos pelo seguro-saúde público. Essa desilusão representa um problema político para o governo e também pode prejudicar os esforços para aumento da receita do Estado. Aproximadamente 9 milhões de indonésios apresentaram declaração de imposto de renda em 2010, dentre 20 milhões de contribuintes registrados, como mostram números oficiais. A tentativa do ministro das Finanças de aumentar a base de contribuintes enfrentará uma oposição feroz caso as autoridades não sejam vistas como fornecendo serviços decentes. A estabilidade política desde a queda do regime de 32 anos de Suharto ajudou a criar uma das economias que mais crescem no mundo. Sob Yudhoyono, a expansão foi estimulada pelo boom nos preços das commodities e pelo consumo. O crescimento do produto interno bruto deverá chegar a 6% neste ano, dois terços dele impulsionados domesticamente. Aproximadamente 131 milhões de indonésios, ou 55% da população, agora ganham pelo menos US$ 2 por dia –quase 50 milhões a mais do que em 2003– uma renda que os torna membros da classe média, segundo o Banco Mundial e o Banco Asiático de Desenvolvimento. Mas alguns especialistas em desenvolvimento questionam se US$ 2 por dia realmente pode ser considerado como classe média. “Aqueles que foram retirados da pobreza não podem ser rotulados como classe média. Eles estão continuamente em risco de voltarem à pobreza”, disse Monique Kremer, uma socióloga do Conselho Científico Holandês de Política Governamental. A verdadeira classe média conta aproximadamente com 40 milhões, ela diz, um número baseado em renda de mais de US$ 4 por pessoa. Enquanto isso, os críticos dizem que a infraestrutura do país está décadas atrasada em relação às esperanças e aspirações de sua população. “Comprar um carro novo é muito fácil. As concessionárias nos oferecem baixas taxas de juros com prestações mensais baixas”, disse Hartati. “Isso contribui para o crescimento econômico, mas o governo fracassou em fornecer uma infraestrutura melhor. Nós não podemos dirigir nossos carros confortavelmente por causa dos congestionamentos, e o transporte público é um pesadelo.” Observadores reconhecem o desafio enfrentado pelos líderes da Indonésia. “No futuro, essa crescente classe média consumirá mais, exigirá melhores empregos, serviços de saúde de melhor qualidade e ensino superior”, disse Stefan Koeberle, diretor para a Indonésia do Banco Mundial, em um recente relatório. “A médio prazo, os autores de políticas precisarão atender essas novas exigências.” Aproximadamente 20% do orçamento anual da Indonésia são gastos em subsídios aos pobres, em itens como combustíveis, arroz, fertilizante e eletricidade. Os críticos argumentam que o governo devia estar gastando em portos, usinas elétricas, pontes, saneamento e serviços públicos. O governo estima que mais de US$ 150 bilhões devem ser gastos em infraestrutura básica durante o mandato de Yudhoyono até 2014, mas ele alocou apenas um terço desse valor. “O governo tem uma política bem-sucedida para obter o crescimento econômico, mas está fracassando em saúde, educação e infraestrutura”, disse Kremer. “Se a Indonésia quiser se desenvolver mais, ela deve desenvolver sua classe média. Não é possível o desenvolvimento apenas com a redução da pobreza.”

UOL Cursos Online

Todos os cursos