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Lutando contra a grande contração

Martin Wolf

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    Até o segundo trimestre de 2011, nenhuma das seis maiores economias ricas ultrapassou os níveis de produto atingidos antes da crise, em 2008

    Até o segundo trimestre de 2011, nenhuma das seis maiores economias ricas ultrapassou os níveis de produto atingidos antes da crise, em 2008

O que a turbulência nos mercados em agosto está nos dizendo? A resposta, eu sugiro, é três grandes coisas: primeiro, as economias altamente endividadas dos países ricos permanecem extremamente frágeis; segundo, os investidores não têm quase nenhuma confiança na capacidade dos autores de políticas de resolver as dificuldades; e, terceiro, em um momento de grande ansiedade, os investidores preferem o que consideram os ativos de menor risco, os títulos da dívida dos governos com classificação de risco mais baixa, independente de seus defeitos, assim como o ouro. Aqueles que temem a deflação compram títulos; aqueles que temem a inflação compram ouro; os indecisos compram ambos. Mas poucos investidores ou administradores corporativos desejam assumir investimentos de risco de longo prazo. Bem-vindo, então, ao que Carmen Reinhart, uma integrante sênior do Instituto Peterson para a Economia Internacional, em Washington, e Kenneth Rogoff, de Harvard, chamam de “a segunda grande contração” (a Grande Depressão dos anos 30 foi a primeira). Aqueles menos apocalípticos poderiam chamar de “doença japonesa”. Muitos perguntam se os países ricos correm o risco de uma recessão de “duplo mergulho”. Minha resposta é: não, porque a primeira não acabou. A pergunta é, na verdade, quão profunda e longa esta recessão ou “contração” será. O fato é que, até o segundo trimestre de 2011, nenhuma das seis maiores economias ricas ultrapassou os níveis de produto atingidos antes da crise, em 2008. Os Estados Unidos e a Alemanha estão próximos de seus pontos de partida, com a França um pouco para trás. Reino Unido, Itália e Japão estão bastante para trás. O respeitado Birô Nacional de Pesquisa Econômica dos Estados Unidos define uma recessão como “um declínio significativo na atividade econômica disseminado por toda a economia, durando mais do que alguns poucos meses”. Isso visa focar na mudança do produto, em vez de seu nível. Normalmente, isso faz sentido. Mas esta recessão não é normal. Quando as economias sofrem colapsos tão acentuados, como ocorreu durante o pior da crise (a queda do pico ao vale no produto interno bruto variou entre 3,9% na França e 9,9% no Japão), uma expansão que não consegue devolver o produto ao ponto de partida não será sentida como uma recuperação. Isso é especialmente verdadeiro quando o desemprego permanece elevado, o nível de emprego é baixo e a capacidade ociosa é alta. Nos Estados Unidos, o desemprego permanece no dobro das taxas pré-crise. A profundidade da contração e a fraqueza da recuperação são ambas resultado e causa da fragilidade econômica persistente. Elas são resultado porque a dívida excessiva do setor privado interage com os preços baixos dos ativos, particularmente os imóveis residenciais, deprimindo a demanda. E são causa, porque quanto menor é a expectativa de crescimento da demanda, menor é o desejo das empresas de investir e mais contido é o impulso de emprestar. Assim, esta é uma economia que não consegue atingir “velocidade de escape” e corre o risco de cair de volta à terra. Agora considere, tendo como cenário a continuidade da fragilidade, como as pessoas veem a cena política. Nem nos Estados Unidos e nem na zona do euro os políticos supostamente encarregados –Barack Obama, o presidente americano, e Angela Merkel, a chanceler alemã– parecem ser mais do que meros espectadores dos eventos que se desdobram, como notou recentemente meu colega, Phil Stephens. Ambos são observadores externos –e de certo modo atuam como se fossem. Obama deseja ser o presidente de um país que não existe. Em seus Estados Unidos de fantasia, os políticos deixam suas diferenças de lado em prol da harmonia bipartidária. Na verdade, ele enfrenta uma oposição que preferiria ver o país quebrar do que o sucesso de seu presidente. Merkel, igualmente, busca um meio-termo inexistente entre o desejo alemão de que seus parceiros sigam sua disciplina e a incapacidade deles de fazer isso. A compreensão de que nem os Estados Unidos e nem a zona do euro podem criar as condições para uma restauração rápida do crescimento –devido aos desacordos paralisantes em torno de quais seriam essas condições– é assustadora. Isso nos leva ao terceiro ponto: as consequências nefastas da elevação da aversão ao risco, tendo como fundo essa fragilidade econômica. Na longa jornada para se tornarem mais parecidos com o Japão, os rendimentos dos títulos de 10 anos do Tesouro americano e alemão agora caíram para onde o Japão tinha caído em outubro de 1997, para próximo de 2%. Esses países também enfrentarão uma deflação? Uma grande recessão certamente causaria isso. Esse me parece um risco mais plausível do que a hiperinflação que aqueles fixados nos déficits fiscais e no balancete do banco central consideram tão assustadora. Um choque causado pela disputa imensa em torno da política fiscal –o debate em torno dos termos para elevação do teto da dívida– causou uma corrida aos títulos do Tesouro americano, não uma fuga. Isso não causa surpresa por dois motivos: primeiro, eles sempre são o primeiro porto em uma tempestade; segundo, o resultado será um forte endurecimento da política fiscal. Os investidores imaginam que o resultado será uma economia ainda mais fraca, diante do estado débil do setor privado. De novo, em uma zona do euro ainda mais fraca, os investidores buscam refúgio nos títulos do Tesouro alemão. Enquanto isso, o mercado de ações despenca. Mas é difícil argumentar que eles atingiram um ponto de capitulação. Segundo Robert Shiller de Yale, o índice preço/lucro corrigido ciclicamente para os Estados Unidos (com base no S&P 500) está quase um quarto acima de sua média a longo prazo. Em 1982, a valorização foi de um terço dos níveis atuais. Os mercados evitarão esse colapso? Isso dependerá de quando e como a grande contração terminar. Nouriel Roubini, também conhecido como “Dr. Apocalipse”, prevê uma deterioração. “Um relógio parado”, alguns sussurrariam. Mas ele está certo quando diz que as defesas em grande parte desapareceram: as taxas de juros estão baixas, os déficits fiscais estão imensos e a zona do euro está estressada. Os riscos de uma queda em parafuso de fundamentos ruins a políticas equivocadas, pânico e uma volta aos fundamentos ruins são grandes, resultando em uma contração econômica ainda maior. Mas nem tudo está perdido. Em particular, os governos americano e alemão mantêm espaço substancial para manobra fiscal –e devem usá-lo. Mas os governos que podem gastar mais não vão, e aqueles que querem gastar mais não podem. De novo, os bancos centrais não usaram toda sua munição. Eles também deveriam ousar usá-la. Muito mais poderia ser feito para acelerar a desalavancagem do setor privado e o fortalecimento do sistema financeiro. Outra recessão agora certamente seria um desastre. A chave, certamente, não é abordar uma situação tão perigosa como esta dentro das fronteiras do pensamento convencional. O que ser mais ousado pode significar e o que deveria ser feito serão os temas da coluna da próxima semana.

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