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Nós devemos ouvir o que os mercados de títulos estão nos dizendo

Martin Wolf

O que deve ser feito? Para encontrar uma resposta, escute os mercados. Eles estão dizendo: tome emprestado e gaste, por favor. Mas aqueles que professam fé na magia dos mercados são os mais determinados a ignorar o apelo. Os céus fiscais estão caindo, eles insistem. O HSBC prevê que as economias dos países ricos crescerão neste ano 1,3% e 1,6% em 2012. Os mercados de títulos estão pelo menos igualmente pessimistas: os títulos de 10 anos do Tesouro americano estavam rendendo 1,98% na segunda-feira, o valor mais baixo em 60 anos; os títulos alemães estavam rendendo 1,85%; até mesmo o Reino Unido é capaz de tomar empréstimos a 2,5%. Estes rendimentos estão caindo rapidamente aos níveis japoneses. Incrivelmente, os rendimentos de títulos indexados estavam próximos de zero nos Estados Unidos, 0,12% na Alemanha e 0,27% no Reino Unido. Os mercados estão loucos? Sim, insistem os sábios: o maior risco não é recessão, como temem os mercados, mas o calote. Mas se os mercados estão determinando tão equivocadamente os preços dos títulos dos governos, alguém não deveria levá-los a sério? Os imensos déficits fiscais atuais, particularmente em países onde ocorreram crises financeiras imensas, não são resultado dos estímulos keynesianos deliberados: mesmo nos Estados Unidos, o estímulo inadequado e mal direcionado representou menos de 6% do produto interno bruto ou, no máximo, um quinto dos déficits de fato ao longo de três anos. Os déficits foram em grande parte resultado da crise: os governos deixaram os déficits fiscais aumentarem, enquanto o setor privado recuava agressivamente. Impedir isso teria causado uma catástrofe. Como argumentou Richard Koo, da Nomura Research, os déficits fiscais ajudam na desalavancagem do setor privado. Isto é precisamente o que está acontecendo nos Estados Unidos e no Reino Unido. Nos Estados Unidos, os lares passaram para um superávit financeiro após os preços dos imóveis residenciais começarem a cair, enquanto as empresas passaram ao superávit com a crise. Os estrangeiros são fornecedores persistentes de capital. Isso deixa o governo como tomador de empréstimos de último recurso. O quadro britânico não é muito diferente, exceto que o setor privado está em superávit persistente. Enquanto os setores privado e estrangeiro incorrem em enormes superávits (apesar das taxas de juros ultrabaixas), alguns governos consideram fácil tomar emprestado. A única pergunta é: que governos? Os investidores parecem escolher um refúgio por área de moeda: o governo federal americano na área do dólar; o governo britânico na área da libra; o governo alemão na zona do euro. Enquanto isso, entre as áreas de moedas, o ajuste ocorre mais por meio das taxas cambiais do que por meio das taxas de juros sobre as dívidas dos refúgios. Quanto maiores os superávits dos setores privados (e, portanto, maiores os déficits fiscais compensadores), mais rápido os primeiros podem pagar suas dívidas. Déficits fiscais são de ajuda, portanto, em uma contração do balancete, não por devolverem rapidamente a economia à saúde, mas sim por promoverem a cura dolorosamente lenta. Uma objeção –apresentada por Kenneth Rogoff, de Harvard, no “FT” em agosto– é que as pessoas temerão taxas maiores no futuro e economizarão ainda mais. Eu não sou persuadido: a poupança dos lares caiu no Japão. Mas há uma boa resposta: o uso de fundos baratos para aumentar a riqueza futura e assim melhorar a posição fiscal a longo prazo. é inconcebível que governos que contam com crédito sejam incapazes de obter um retorno bem acima dos custos insignificantes de tomada de empréstimo, ao investirem em ativos físicos e humanos, ou por conta própria ou por meio do setor privado. Igualmente, é inconcebível que os empréstimos tomados pelos governos, visando acelerar uma redução do excesso da dívida privada, recapitalizar os bancos e adiar um colapso imediato nos gastos, não consigam obter um retorno bem acima dos custos. Outra objeção digna de nota –baseada no trabalho seminal do prof. Rogoff e de Carmen Reinhart, do Instituto Peterson para Economia Internacional, em Washington– é que o crescimento diminui acentuadamente assim que a dívida pública ultrapassa 90% do PIB. Mas este é um relacionamento estatístico, não uma lei inflexível. Em 1815, a dívida pública do Reino Unido era de 260% do PIB. O que ocorreu em seguida? A revolução industrial. O que importa é como o empréstimo é usado. Neste caso, mais do que nunca, nós precisamos considerar as alternativas. Se o déficit fiscal precisa ser reduzido acentuadamente, os superávits no restante da economia também precisam cair. A pergunta é como isso pode ser compatível com a rápida desalavancagem e um aumento de gastos. No meu entender, não pode. Um resultado mais provável, nas atuais circunstâncias, é um calote em massa, encolhimento dos lucros, bancos quebrados e uma nova recessão. Isso é o que aconteceria se a depressão atualmente contida deixasse de ser contida. O risco é particularmente iminente na zona do euro. Muito pode ser argumentado em resposta à coluna no “FT” de Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão. Mas dois pontos se destacam. Primeiro, é impossível ambos, tanto o governo quanto o setor privado dos países deficitários, pagarem suas dívidas –e não darem calote– sem apresentarem superávits externos. O que a Alemanha está fazendo para acomodar esse deslocamento externo? Quase nada. Segundo, dentro da união monetária, um grande país com um superávit estrutural em conta corrente é quase compelido a financiar os déficits de seus pares. Se o setor privado se recusar a fazê-lo, então o setor público deve fazê-lo. Caso contrário, seus parceiros darão o calote e suas economias entrarão em colapso, prejudicando a economia de exportação. No momento, o Banco Central Europeu está oferecendo grande parte do financiamento necessário. Schäuble realmente quer que isso pare? Diferente do pensamento convencional, a política fiscal ainda não foi esgotada. Isso é o que Christine Lagarde, a nova diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, argumentou na conferência monetária de Jackson Hole no mês passado. A necessidade é de combinar a tomada de empréstimos de fundos baratos com contenções críveis de gastos a longo prazo. A necessidade é igualmente de que os países com superávit, com capacidade de expandir a demanda, o façam. Está ficando cada vez mais claro que o mundo desenvolvido está cometendo o erro do Japão de contenção prematura durante uma depressão, mas em uma escala mais perigosa, bem mais global. O pensamento convencional é de que a contenção de gastos levará a um aumento do investimento e crescimento. Um pensamento alternativo é de que o sofrimento é bom. O primeiro é tolice. O segundo é imoral. Reconsiderar a política fiscal não é tudo o que é necessário. A política monetária ainda tem um papel importante. Assim como reformas no lado da oferta, particularmente taxações que promovam o investimento. E também um reequilíbrio global. Mas agora, em um mundo de poupança em excesso, a última coisa que precisamos é de governos com crédito reduzindo sua tomada de empréstimos. Os mercados estão dizendo exatamente isso bem alto. Então escute.

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