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Julgamento de ex-premiê ameaça laços da Ucrânia com a União Europeia

Roman Olearchyk e Neil Buckley

Em Kiev (Ucrânia) e Londres (Inglaterra)

  • Sergei Supinsky/AFP

    A ex-premiê ucraniana Yulia Tymoshenko, durante entrevista, em Kiev, capital do país

    A ex-premiê ucraniana Yulia Tymoshenko, durante entrevista, em Kiev, capital do país

Há sete anos, Yulia Tymoshenko mobilizou centenas de milhares de pessoas na Praça Maidan de Kiev, como co-líder da “Revolução Laranja” da Ucrânia. Agora, ela passa seus dias em um tribunal apertado em Kiev, e suas noites em uma cela na prisão. A política agitadora de 50 anos está sendo julgada por supostamente exceder sua autoridade como primeira-ministra em 2009, ao assinar um acordo de compra de gás com Vladimir Putin, o atual primeiro-ministro da Rússia, a um preço ruinoso para a Ucrânia. Em alguns dias, um juiz deverá dar um veredicto que poderá chegar a 10 anos de prisão. Isso quase certamente provocaria condenação ocidental e colocaria em risco os esforços da Ucrânia de se integrar mais estreitamente com a União Europeia (UE) em um momento crucial. Muitos observadores dentro e fora da Ucrânia veem o caso contra Tymoshenko como uma tentativa politicamente motivada do presidente Viktor Yanukovich de tirar de jogo uma arqui-inimiga. Yanukovich foi o candidato apoiado pela Rússia cuja vitória nas eleições manipuladas de 2004 provocou protestos que se transformaram na Revolução Laranja pró-democracia. Após a Revolução Laranja ter fracassado em cumprir sua promessa –devido em grande parte às disputas internas entre Tymoshenko, como primeira-ministra, e o presidente laranja Viktor Yushchenko– Yanukovich derrotou Tymoshenko nas eleições presidenciais do ano passado, que foram consideradas justas. Mas mesmo na cadeira dos réus, Tymoshenko mantém um papel-chave. A Ucrânia está mais perto do que nunca de concluir as negociações de um acordo de livre comércio com a UE e um acordo de associação, que aumentariam enormemente a cooperação. Um veredicto de culpada e uma pena de prisão para a ex-primeira-ministra poderiam dificultar a ratificação do acordo pelos 27 países membros da UE e pelo Parlamento europeu. O caso contra ela também parece, ao menos em parte, uma tática das tentativas de Kiev de reduzir o que paga pelo gás russo, vital para sua economia de indústria pesada. Se a Justiça declarar que o acordo de Tymoshenko de 2009 foi ilegal, isso reforçaria as tentativas da Ucrânia de cancelar o contrato. O acordo colocou um fim ao mais recente impasse de inverno entre a Rússia e a Ucrânia, que interrompeu o fluxo de gás para a Europa Ocidental. O Ocidente apreciou o acordo por colocar a Ucrânia em termos semelhantes aos clientes europeus ocidentais do gás da Rússia, mas as autoridades de Yanukovich insistem que ele é cheio de falhas –e fantasticamente lucrativo para a Gazprom da Rússia. Ironicamente, Moscou, que satanizava Tymoshenko por seu papel na derrota de seu candidato favorito em 2004, várias vezes durante o julgamento expressou seu apoio a ela e ao acordo de gás que ela assinou. Em casa, os críticos de Yanukovich dizem que o caso de Tymoshenko é simbólico de um recuo maior nas liberdades democráticas, às vezes comparado às táticas usadas por Putin para consolidar o poder na Rússia. “Yanukovich está caindo na mesma armadilha que feriu os presidentes anteriores da Ucrânia: ele está concentrado em batalhas políticas tentando destruir seus oponentes, em vez de realizar as reformas para a população”, diz Oleh Rybachuk, um ex-assessor presidencial. As autoridades do governo insistem que a Justiça da Ucrânia é independente de interferência política. Eles acrescentam privativamente que o governo Yanukovich adotou planos ambiciosos de reforma no ano passado, mas a populista Tymoshenko, em suas tentativas de minar o governo, colocou em risco sua implantação. Tymoshenko não estava sob custódia quando o caso teve início em junho. Mas ela foi colocada na prisão no mês passado, aumentando as preocupações da UE, por desacato ao tribunal, incluindo não se levantar perante o juiz. Autoridades da UE e algumas do governo Yanukovich temem que o caso possa colocar em risco a melhor chance, desde o colapso da União Soviética, de colocar a Ucrânia definitivamente em uma rota pró-europeia. Pessoas de dentro do governo insistem que o presidente ucraniano, antes acusado de ser um “fantoche” pró-Rússia –e dos oligarcas que a apoiam– passou a ser favorável à integração com a UE, após se cansar do que sentia ser uma abordagem exploradora por parte de Moscou em relação aos seus vizinhos. Eles temem que um fracasso em fechar um acordo com a UE possa devolver a Ucrânia aos braços de Moscou. Putin tentou atrair a Ucrânia para um mercado comum que a Rússia está criando com a vizinha Belarus e o Cazaquistão, em troca de gás mais barato. Mas publicamente, os líderes europeus alertam que afastar uma importante figura da oposição um ano antes das eleições parlamentares representaria um grande rompimento com os valores centrais da UE, a ponto de ameaçar relações mais estreitas. “Se continuarem com julgamentos desse tipo, e não apenas no caso de Yulia Tymoshenko, eu acho que as chances de um acordo (com a UE) ser ratificado são muito pequenas”, alertou na semana passada Carl Bildt, o ministro das Relações Exteriores da Suécia.

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