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Análise: Como manter o euro vivo

Martin Wolf

  • European Commission/AP

    "Vários países da zona do euro saíram da crise com imensa dívida privada e pública"

    "Vários países da zona do euro saíram da crise com imensa dívida privada e pública"

A zona do euro foi lançada nas asas da fé. Mas as asas caíram e as deidades não estão respondendo à fé. Todos estão concentrados em evitar a queda. Mas é igualmente vital perguntar como voar em segurança. Como a zona do euro caiu em tamanho apuro? Parte da resposta é que ela carecia de mecanismos para lidar com crises, que seus membros divergem demais e que ela foi atrapalhada pelo seu sucesso inicial. As condições de crédito fácil e baixas taxas de juros da primeira década provocaram bolhas imobiliárias e explosões de tomada de empréstimos privados na Irlanda e Espanha, endividamento público incontinente na Grécia, queda de competitividade externa na Grécia, Itália e Espanha e déficits externos imensos na Grécia, Portugal e Espanha. Quando os mercados financeiros entraram em pânico, os devedores sofreram uma “parada repentina”, que causou um efeito cascata de crises de falta de liquidez e insolvência entre Estados e bancos. A zona do euro tem corrido para compensar. Mas as crises são mais velozes. Quase metade das dívidas públicas já exibe risco de crédito acentuado. A zona do euro não possuía mecanismos para financiamentos transnacionais dos países endividados que perderam acesso aos fundos. Na teoria, um ajuste deveria ter ocorrido por meio de mecanismos clássicos: uma espiral de calotes de dívidas públicas, colapso de bancos, recessões, desemprego, queda salarial, arrocho fiscal e miséria por toda parte. Ninguém alertou o público de que tamanha brutalidade estava à espera. Os políticos também não entenderam isso. Quando chegou a hora, todos se acovardaram. E o que precisa ser feito? A resposta vem em dois pares: o primeiro é “papéis e fluxos”; o segundo é “financiamento e ajuste”. Os papéis se referem à limpeza do legado do passado. Os fluxos se referem à necessidade de um retorno ao crescimento econômico sustentável. Financiamento e ajuste se referem ao como e quando dos esforços de limpeza dos papéis e restauração da sustentabilidade dos fluxos. Vários países da zona do euro saíram da crise com imensa dívida privada e pública. Se esses papéis não puderem ser rolados, uma mistura de financiamento e reestruturação permanece. Ou o setor público fornece financiamento ou assegura uma reestruturação da dívida em termos de valor nominal, vencimento ou taxas de juros. No caso da Grécia, a decisão foi tomada de financiar indefinidamente o excesso de dívida, via setor público. Não existe nenhum financiamento privado voluntário. A reestruturação da dívida do setor privado que está sendo organizada agora não oferece nenhum alívio para a Grécia, mas alívio substancial para os credores outrora privados. Certamente no caso da Grécia (e possivelmente no de Portugal e da Irlanda), uma redução substancial do fardo do serviço da dívida é essencial. Este problema dos papéis também passa pelos bancos, onde o excesso de empréstimos ruins impede tanto a solvência quanto a liquidez. De novo, a solução é o financiamento –injeções de capital e apoio do banco central– e reestruturação –o cancelamento de ativos e de parte das obrigações. Enquanto o excesso de dívida ruim permanecer, o financiamento privado não retornará. Lidar com os papéis é relativamente simples. Um desafio muito maior é conseguir um fluxo sustentável de renda e gastos, em níveis elevados de atividade econômica. Isso significa muito mais do que a austeridade fiscal com que os europeus estão obcecados. Parafraseando o historiador romano Tácito, “eles criam uma depressão e a chamam de estabilidade”. Para que haja uma restauração da atividade, os déficits estruturais externos devem cair a níveis prontamente financiáveis por meio dos mercados privados. Grécia e Portugal possuem atualmente déficits externos imensos, apesar das recessões profundas, um indicador de falta severa de competitividade. Isso também é motivo de preocupação para Espanha e Itália, mas o desafio é menor. A Irlanda conta com um superávit externo, o que é encorajador para seu futuro. Ajustes desse tipo levam tempo: grandes mudanças tanto nos preços relativos quanto no investimento em novas atividades devem ocorrer. Em um artigo desolador para a Lombard Street Research, com sede em Londres, Christopher Smallwood argumenta que Grécia e Portugal –e talvez até mesmo a Itália e Espanha– descobrirão que a restauração da competitividade por meio da redução de salários e demissões em massa será extremamente dolorosa.* Além disso, isso aumentaria ainda mais o fardo da dívida. O esforço poderá até mesmo causar uma crise política. Para limitar o trauma, a zona do euro provavelmente oferecerá algum financiamento. Mas isso também poderá desacelerar o ritmo do ajuste necessário. O que torna o ajuste ainda mais difícil é que ele envolve dois lados. Para que os déficits externos caiam, o mesmo precisa acontecer aos superávits em outros lugares. Isso tem implicações óbvias para a Alemanha e outros países-chave. Mas a Alemanha não reconhece a necessidade de ajuste. Ela acredita que é possível bater palmas com apenas uma mão. A natureza de duas mãos do ajuste pode não importar muito para os pequenos países devedores. Mas importa muito mais para os grandes. Se o ajuste necessário provar ser impossível dentro da camisa de força da zona do euro, existem duas alternativas: saída, com os riscos que apontei duas semanas atrás, ou um financiamento permanente por meio de uma união fiscal, colocando as economias em dificuldade em suporte de vida. Esta segunda opção pode ser possível para uma ou duas economias pequenas. Mas seria impossível, econômica e politicamente, para as maiores. Este é o motivo para os spreads elevados atuais sobre a dívida italiana e espanhola serem tão perigosos para o futuro da zona do euro. São os fluxos, estúpido. Apenas reduzir o fardo da dívida não resolverá o problema. O temor deve ser de que economias profundamente não competitivas não serão financiadas, mas também não conseguirão se ajustar. Se for o caso, elas poderão simplesmente murchar. Este é o motivo para algumas pessoas já argumentarem que a saída poderá ser a inclusão de saídas. Nos casamentos desfeitos, argumenta Nouriel Roubini, da Stern School, em Nova York, “é melhor ter regras –leis de divórcio– que tornem a separação ordeira e menos onerosa para ambos os lados”. O mínimo que a zona do euro precisa para lidar com sua crise é de um mecanismo eficaz para cancelamento das dívidas dos devedores públicos e privados evidentemente insolventes, como a Grécia; fundos grandes o suficiente para lidar com os mercados de títulos sem liquidez dos governos potencialmente solventes; e formas de tornar de forma imediata o sistema financeiramente solvente de modo crível. As somas necessárias certamente serão muitas vezes maiores do que os 440 bilhões de euros do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira existente, como notei na semana passada. E a zona do euro ainda precisa de muito mais: precisa de um caminho de ajuste crível, onde no final poderemos ver a recuperação da saúde das economias mais fracas. Se esse caminho não for encontrado, a zona do euro, como é agora, se despedaçará. A pergunta não é se, mas quando. O desafio é assim grande. *“A zona do euro deve encolher”, www.lombardstreetresearch.com.

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