Exclusivo para assinantes UOL

Análise: Primeiros socorros não são uma cura

Martin Wolf

  • Efe/Joerg Carstensen

    Chanceler Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy apertam as mãos após reunião realizada neste domingo (9), em Berlim

    Chanceler Angela Merkel e o presidente francês Nicolas Sarkozy apertam as mãos após reunião realizada neste domingo (9), em Berlim

David Cameron, o primeiro-ministro do Reino Unido, pediu aos líderes da zona do euro para que adotem uma abordagem estilo “grande bazuca” para seus problemas. Barack Obama, o presidente dos Estados Unidos, falou com Nicolas Sarkozy, o presidente da França, após a reunião deste no fim de semana com a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, para pressionar por ação. Herman Van Rompuy, o presidente do Conselho Europeu, prometeu que os líderes da União Europeia se encontrariam em 23 de outubro para “finalizar nossa estratégia abrangente”. Isso permitiria aos europeus apresentar um plano para restauração da confiança no encontro de cúpula do Grupo dos 20 países mais ricos, em novembro. Então devemos ficar confiantes de que a crise terminará em breve? Não. Pelo menos ninguém mais vê a crise da zona do euro como uma pequena dificuldade local. Ela se transformou no epicentro de um tremor secundário da crise financeira global, que poderia ser ainda mais destrutivo do que o terremoto inicial. Potencialmente, é um choque triplo: uma crise financeira; uma crise de dívidas públicas, incluindo a da Itália, o terceiro maior país devedor do mundo; e uma crise do projeto europeu, com consequências políticas desconhecidas. Não é de se estranhar que as pessoas estejam com medo. Elas precisam estar. Um sinal da crescente ansiedade é que os swaps de crédito (CDS) das dívidas públicas com melhor classificação de crédito da zona do euro, França e Alemanha, começaram a subir. Surpreendentemente, o spread da Alemanha é uma fração mais alto do que o do Reino Unido. Isso deve refletir a preocupação de que o resgate aos membros mais fracos da zona do euro pode vir a se tornar um fardo excessivo. Minha posição é de que a Alemanha fará tudo o que puder para manter a zona do euro funcionando, desde que não ameace sua própria solvência. Como Hans-Werner Sinn do instituto CESifo, em Munique, notou, essa ameaça parece estar mais próxima.* Tendo como fundo este cenário temível, o que a zona do euro deveria (e poderia) fazer? A parte mais importante da resposta, como argumentei na semana passada, é que ela deve lidar com a crise imediata de um modo que também ajude a resolver os desafios a longo prazo. O amplo consenso entre os autores de políticas e comentaristas de todo o mundo é que a zona do euro agora deve fazer o seguinte: dividir os países em dificuldades entre os insolventes e os sem liquidez; reestruturar as dívidas dos primeiros e fornecer apoio ilimitado, mas temporário, aos segundos; e recapitalizar os bancos, após testes de estresse que permitam prejuízos nas dívidas públicas, por meio dos tesouros nacionais ou da linha de estabilidade financeira europeia, de acordo com a flexibilidade dada pelas decisões tomadas em julho de 2011. Acertar este pacote esticará a tomada de decisão intergovernamental da zona do euro até o (possivelmente além do) ponto de ruptura. O governo francês, por exemplo, permanece não disposto a aceitar que seus bancos precisam de mais capital. Acima de tudo, a zona do euro não possui um banco central disposto a assegurar a liquidez no mercado da dívida pública doméstica o tempo todo. Isso se deve em parte porque fazê-lo entraria em conflito com a ideologia do Bundesbank. Mas também porque forneceria um cheque em branco para membros irresponsáveis, no final derrubando o euro, como ocorreu no colapso da zona do rublo nos anos 90. Minha preocupação é mais profunda: essas ideias, apesar de agora necessárias, lidam com os sintomas do que saiu errado, não com suas causas. Como argumento há muito tempo, no fundo isto é muito mais uma crise de balança de pagamentos, enraizada no comportamento ruim do setor financeiro e na divergência cumulativa de competitividade, do que uma crise fiscal. Os arquitetos da zona do euro achavam que crises de balança de pagamentos seriam impossíveis em uma união monetária. Eles estavam errados. Na ausência de um financiamento automático transnacional, um déficit externo não financiável surgirá como uma crise de crédito doméstica. Então, mesmo um risco monetário retornará se a união for entre Estados soberanos. Não se trata de os países em dificuldades terem adotado políticas fiscais irresponsáveis antes da crise. A Grécia sim. Supostamente a Itália, dado o tamanho de sua dívida. Mas a Irlanda e a Espanha apresentavam superávits fiscais e uma dívida pública líquida insignificante: a dívida pública da Irlanda era de 12% do produto interno bruto em 2006, enquanto a da Espanha era de 31%, bem abaixo dos 60% da França e 53% da Alemanha. Até mesmo a dívida líquida de Portugal era de 59% do PIB. O que os países vulneráveis compartilhavam era a dependência de tomada de dinheiro externo, para financiamento dos déficits públicos e privados. Quando o financiamento externo secou, as economias sofreram contração. Onde o setor privado se endividou (como na Irlanda e na Espanha), o estouro da bolha de ativos causou um aumento imenso dos déficits fiscais. Quando o setor público era o tomador de empréstimos (como na Grécia), o déficit fiscal cresceu ainda mais. O que poderia e, no projeto original da zona do euro, deveria ter acontecido era nenhum financiamento, uma depressão imensa, a queda dos salários nominais, calotes em massa e, após anos de devastação, a recuperação. Esse teria sido um ajuste sem financiamento. O que aconteceu foi financiamento com um verdadeiro ajuste bastante limitado, por meio de financiamento pelo Banco Central Europeu de bancos com solvência duvidosa e por meio de empréstimos de outros governos e do Fundo Monetário Internacional para a Grécia, Irlanda e Portugal. Dentre os países membros afetados pela crise, a Irlanda realizou um ajuste bem-sucedido, com uma enorme desvalorização dos custos da unidade de trabalho e com um enorme ajuste no balanço externo. Mas, no geral, como nota o professor Sinn, houve uma mistura de financiamento e recessão. O enorme desafio é tornar a gestão da crise compatível com o ajuste. Críticos como o professor Sinn se concentram no risco de que o financiamento excessivo minará, se não destruirá, os incentivos ao ajuste. Mas há outro risco oposto, o de que forçar o ajuste aos fracos fracassará, devido à falta do ajuste compensador nos fortes. Isso não seria um grande problema se os forçados a se ajustar fossem pequenos. Mas é um vasto problema quando são grandes. O risco é de um mergulho em parafuso, à medida que a austeridade é exportada e reexportada. Sem dúvida, uma forma deve ser encontrada para lidar com a crise imediata de modo a não permitir outro pânico. Mas isso não seria uma solução se apenas levasse ao financiamento indefinido das economias fundamentalmente não competitivas. Ao mesmo tempo, um ajuste unilateral e apressado exacerbaria as recessões na zona do euro e nas economias mundiais. O que é necessário é um financiamento e um ajuste. A menos e até que a combinação difícil seja atingida, nós estaremos fornecendo primeiros socorros, não uma cura. *Como Resgatar o Euro, 3 de outubro de 2011, www.voxeu.org

UOL Cursos Online

Todos os cursos