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Discretamente, a China ocupa áreas de fronteira no norte do Paquistão

Selig S. Harrison

  • Dar Yasin / AP

    Moradores da Caxemira protestam contra a polícia na vizinhança de Srinagar, na Índia

    Moradores da Caxemira protestam contra a polícia na vizinhança de Srinagar, na Índia

Enquanto o mundo dirige as suas atenções para o vale do Rio Indus, devastado por inundações, uma silenciosa crise política está se desenrolando na zona de fronteira do norte do Paquistão, nos Himalaias, onde Islamabad está cedendo para a China o controle real sobre a estratégica região de Gilgit-Baltistan, na extremidade noroeste da disputada Caxemira. Toda a porção ocidental da Caxemira ocupada pelo Paquistão, desde Gilgit, ao norte, a Azad Caxemira, no sul, está fechada para o mundo exterior, em uma situação que contrasta com o acesso à mídia concedido pela índia na sua fronteira oriental, onde os indianos combatem uma insurgência que é apoiada pelos paquistaneses. Mas relatos de várias fontes de inteligência estrangeiras, de jornalistas e de funcionários de grupos de direitos humanos paquistaneses revelam dois novos fatos importantes que ocorrem em Gilgit-Baltistan: uma rebelião contra o domínio paquistanês e a chegada de um contingente de 7.000 a 11 mil soldados do Exército Popular de Libertação da China. A China deseja exercer controle na região a fim de garantir o acesso desimpedido por estrada e ferrovia até o Golfo Pérsico através do Paquistão. São necessários de 16 a 25 dias para que os petroleiros chineses cheguem ao Golfo Pérsico. Porém, quando ligações ferroviárias e rodoviárias de alta velocidade através de Gilgit e Baltistan estiverem concluídas, a China terá condições de transportar em 48 horas cargas do leste da China até as novas bases navais paquistanesas construídas pelos chineses em Gwadar, Pasni e Ormara, uma área situada só um pouco a leste do Golfo Pérsico. Muitos soldados do Exército Popular de Libertação que estão chegando a Gilgit-Baltistan deverão trabalhar na ferrovia. Alguns trabalham na ampliação da Estrada Karakoram, construída para ligar a província de Sinkiang, na China, ao Paquistão. Outros estão trabalhando na construção de barragens, vias expressas e outros projetos. Mas uma cortina de mistério envolve a construção de 22 túneis em locais secretos aos quais os paquistaneses não têm acesso. Túneis serão necessários para a construção de um projetado gasoduto do Irã à China, que cortará os Himalaias através de Gilgit. Mas esses túneis poderiam também ser utilizados para o armazenamento de mísseis. Até recentemente, as equipes de construção do Exército Popular de Libertação moravam em acampamentos temporários e voltavam para casa após concluírem as suas tarefas. Agora, entretanto, elas estão construindo grandes conjuntos residenciais que foram claramente projetados para uma presença chinesa de longo prazo. O que está acontecendo na região tem importância para Washington por duas razões. Aliada ao apoio ao Taleban, a atitude de Islamabad ao facilitar o acesso da China ao Golfo Pérsico deixa claro que o Paquistão não é um “aliado” dos Estados Unidos. E, igualmente importante, a revolta incipiente na região de Gilgit-Baltistan é um lembrete de que as demandas por autonomia por parte dos habitantes da Caxemira dos dois lados da linha de cessar fogo terão que ser resolvidas por meio de um acordo. A atenção da mídia expôs a repressão da insurgência no Vale da Caxemira, governado pela índia. Mas se os repórteres pudessem ter acesso às regiões de Gilgit-Baltistan e Azad Caxemira, eles encontrariam movimentos locais disseminados e brutalmente suprimidos que lutam por direitos democráticos e pela autonomia regional. Quando os britânicos repartiram o sul da ásia em 1947, o marajá que governava a Caxemira, incluindo Gilgit e Baltistan, cedeu às exigências da índia. Isso gerou um conflito intermitente que culminou com o controle indiano sobre o Vale da Caxemira, a criação do grupo Caxemira Livre, patrocinado pelo Paquistão, no oeste da Caxemira, e a ocupação paquistanesa de Gilgit e Baltistan, onde grupos sunitas jihadistas aliados ao exército paquistanês aterrorizam sistematicamente os muçulmanos xiitas locais. Gilgit e Baltistan encontram-se de fato sob regime militar. Ativistas democratas dessas regiões desejam uma legislatura e outras instituições que funcionem sem restrições como aquelas que foram impostas ao Caxemira Livre, segundo às quais o parlamento eleito controla apenas quatro dos 56 tópicos cobertos pela constituição estadual. O restante encontra-se sob a jurisdição do “Conselho da Caxemira”, designado pelo presidente do Paquistão. A índia concede mais poder ao governo estadual em Srinagar. Lá as eleições são consideradas justas, e permitem-se discussões abertas sobre as demandas de autonomia. Mas a insurgência apoiada pelo Paquistão no Vale da Caxemira veio somar-se a problemas como as tensões entre as forças indianas de ocupação e uma população revoltada que deseja autonomia local. Os Estados Unidos encontram-se em uma posição única para desempenhar um papel moderador na Caxemira, tendo em vista os seus crescentes laços econômicos e militares com a índia e a dependência paquistanesa da ajuda financeira de Washington. Tal papel deveria se limitar a uma diplomacia discreta. Washington deveria pressionar Islamabad por concessões comparáveis na Caxemira Livre e em Gilgit-Baltistan. No Paquistão, Washington deveria concentrar-se em fazer com que Islamabad deixasse de prestar auxílio à insurgência no Vale da Caxemira e desse a Nova Déli uma garantia formal de que não anexará Gilgit e Baltistan. Precisamente pelo fato de a região de Gilgit-Baltistan ser tão importante para a China, os Estados Unidos, a índia e o Paquistão deveriam trabalhar juntos no sentido de que esta área não fosse engolida, como o Tibete, pelo colosso chinês.

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