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O papel das mulheres na área de segurança mundial

Katrin Bennhold
Em Paris

  • Evan Vucc/AFP

    Graças ao que o jornal "The Washington Post" chamou de "efeito Hillary", 25 mulheres (um número recorde) assumiram a chefia de embaixadas em Washington, já que vários países, de Omã à Índia, apostaram na possibilidade de haver um vínculo feminino especial com a principal diplomata da superpotência

    Graças ao que o jornal "The Washington Post" chamou de "efeito Hillary", 25 mulheres (um número recorde) assumiram a chefia de embaixadas em Washington, já que vários países, de Omã à Índia, apostaram na possibilidade de haver um vínculo feminino especial com a principal diplomata da superpotência

Quando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) revelar a sua nova doutrina no final deste mês, esta incluirá uma política nuclear revisada, uma seção dedicada à guerra cibernética (ciberwar) e uma nova filosofia referente à interação com a Rússia. Mas será que a nova doutrina seguirá uma recomendação pouco percebida (de um grupo de especialistas liderado por Madeleine Albright, a ex-secretária de Estado dos Estados Unidos) no sentido de permitir que as mulheres tenham maior voz nas questões relativas a guerra e paz? Segundo um número cada vez maior de especialistas em segurança, as mulheres poderão ser tão importantes para a segurança do século 21 quanto os novos planos para um escudo europeu antimísseis. “O ponto de vista das mulheres poderá ser vital para que se procure prevenir ou mitigar danos provocados por conflitos, já que as mulheres são frequentemente umas das principais vítimas das guerras. Essa afirmação não deveria ser controversa; é uma questão de senso comum”, afirmou Albright. As mulheres representam a metade do universo de talentos –e mais da metade quando se trata de graduação acadêmica em áreas vinculadas a questões de segurança–, e os aliados ocidentais, que estão no limite operacional, necessitam de tropas em campo e mentes afiadas na mesa de negociações. Mas as mulheres também trazem diversidade para o mundo das forças armadas e da área de segurança, que é dominado pelo sexo masculino, em um momento em que as operações de paz transformaram-se em missões de construção de países e a guerra gira em torno tanto de corações e mentes quanto de territórios. Soldados do sexo feminino podem revistar respeitosamente mulheres muçulmanas em postos policiais e militares de controle. Elas têm mais chances de conquistar a confiança de mulheres das populações locais que são vítimas de abusos –frequentemente sexuais– por parte de homens armados. E muitos especialistas –mas não todos– afirmam que a presença delas têm um efeito civilizador nas suas unidades militares. “As mulheres soldados contam com a vantagem única de serem vistas como um terceiro sexo”, afirma Paula Broadwell, uma oficial militar da reserva que visitou em várias ocasiões unidades especiais femininas no Afeganistão e que atualmente está fazendo pesquisas acadêmicas. “Elas são tão respeitadas quanto os homens, mas, além disso, contam com um acesso que é reservado às mulheres.” Dez anos após o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) ter aprovado a Resolução 1.325, solicitando formalmente a governos de todo o mundo que deixassem que as mulheres se envolvessem mais com as questões de guerra e paz, houve um certo progresso. “Capacetes azuis” femininos fazem patrulhas na Libéria. Fuzileiras navais, que aprenderam o idioma e os costumes pashtuns, estão procurando interagir com as mulheres afegãs. “Assessoras de gênero” da Otan acompanham as tropas aliadas no Afeganistão. A chefe de políticas externas da União Europeia, Catherine Ashton, indicou que há planos para a instituição de quotas femininas no recém-criado serviço diplomático do bloco. Do outro lado do Atlântico, as mulheres comandam o Departamento de Segurança Interna, a missão dos Estados Unidos nas Nações Unidas e o Departamento de Estado. Graças àquilo que o jornal “The Washington Post” chamou de “efeito Hillary”, 25 mulheres –um número recorde– assumiram a chefia de embaixadas em Washington, já que vários países, de Omã à índia, apostaram na possibilidade de haver um vínculo feminino especial com a principal diplomata da superpotência. Sob a gestão de Hillary Rodham Clinton, a maior parte dos especialistas em armas nucleares que estão lidando com questões de desarmamento e proliferação é do sexo feminino. No Pentágono há atualmente uma general de quatro estrelas, Ann E. Dunwoody. A vice-subsecretária de Defesa, Kathleen Hicks, que durante grande parte da sua carreira foi a única mulher às mesas de reuniões, contou durante uma conferência na Fundação Friedrich Ebert, em Berlim, no mês passado, como entrou em uma reunião do Pentágono na qual não havia um só homem. “Eu fiquei espantada. Só havia mulheres na sala –incluindo a oficial militar”, disse. Hoje em dia pouca gente expressa dúvidas em relação à delegação de maiores poderes às mulheres nas questões de segurança. “Eu acredito firmemente que as mulheres podem desempenhar um papel muito importante na prevenção de conflitos e na construção da paz”, afirmou na semana passada o secretário geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, em uma entrevista ao jornal “The New York Times”, insistindo que a aliança estava implementando a Resolução 1.325. No entanto, durante o período em que Rasmussen está à frente da organização, a parcela de funcionárias civis da Otan permaneceu estagnada em 29%. Somente três dos 19 cargos mais graduados da instituição são ocupados por mulheres, e apenas uma delas tem o título de secretária geral assistente –Stefanie Babst, que, em Berlim, lamentou a “monocultura” masculina da aliança. As mulheres representam cerca de 15% dos quadros das forças armadas dos Estados Unidos, 14% da França, um pouco menos de 10% do Reino Unido e 9% da Alemanha. As unidades femininas nas missões de paz da ONU dobraram nos últimos cinco anos, chegando a 6%, mas ainda permanecem bastante abaixo da meta internacional de 20%. O mais importante é que as mulheres continuam sendo uma minoria no universo de tomadores de decisões e líderes de opinião na área de segurança: mesmo nos Estados Unidos, onde três das quatro últimas secretárias de Estado foram mulheres, nenhuma mulher foi ainda secretária de Defesa ou chefe do Estado Maior, e tampouco diretora da Agência Central de Inteligência (CIA). “Com apenas 19 almirantes e duas generais no corpo de fuzileiros navais, 28 na Força Aérea e 20 no Exército, nós temos pouquíssimas mulheres capazes de chegar até mesmo ao grupo de potenciais candidatos a chefe do Estado Maior”, afirma Judith Hicks-Stiehm, professora visitante da Academia da Força Aérea dos Estados Unidos. Ela acrescenta que as mulheres redigiram apenas três dos 48 artigos publicados nas duas últimas edições de “Foreign Affairs”, um periódico que é leitura indispensável para os indivíduos envolvidos com a área de segurança internacional. Na revisão estratégica anual do Instituto Internacional para Estudos de Segurança, em Genebra, em setembro último, um evento frequentado por especialistas em defesa e oficiais de inteligência aposentados, somente dois dos 21 palestrantes eram do sexo feminino. “Nos dias de hoje as mulheres têm que fazer algumas perguntas”, diz Catherine M. Kelleher, especialista em energia nuclear e uma das seis mulheres que se reuniram para conversar no segundo dia da conferência, exasperadas devido à falta de participantes do sexo feminino. Kelleher recorda-se de uma conferência sobre segurança ocorrida alguns anos atrás na Alemanha na qual pediram a ela que não usasse a piscina do hotel das 6h às 8h, porque neste período os homens desejavam nadar nus. Algumas delas, como Hicks, do Pentágono, argumentam que as regras de exclusão de combate que proíbem as mulheres de passarem por aquele tipo de experiência em campos de batalha, que é necessária para a ascensão nas forças armadas, ainda se constituem em um importante fator de limitação para as mulheres. Broadwell diz que os fatos estão forçando a implementação de mudanças: a guerra assimétrica, caracterizada por artefatos explosivos instalados em ruas e estradas, tornou menos distintas as regras ao fazer com as mulheres que desempenham papeis tradicionais de não combatentes se tornassem mais vulneráveis. Um novo memorial de guerra no cemitério de Arlington, em Virgínia, homenageia 140 soldados do sexo feminino que morreram no Iraque e no Afeganistão. O memorial evidencia outra barreira para as mulheres. “As duas guerras atuais deixaram claro que há pais e mães lutando”, diz Broadwell, que passou para a reserva após ter dois filhos. “Uma das prioridades é descobrir como conjugar carreira militar e família.” Seria essa uma prioridade estratégica suficiente para que a Otan a incluísse na sua nova doutrina? Na semana passada, Rasmussen recusou-se a responder a essa pergunta.  

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