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Crise no mercado de arte: obras medianas alcançam preços altos em leilões

Souren Melikian

  • Matt Dunham / AP - 3.jun.2010

    Funcionária da Sotheby's observa quadro do britânico Turner vendido por valor recorde para obra do artista: US$ 45 milhões

    Funcionária da Sotheby's observa quadro do britânico Turner vendido por valor recorde para obra do artista: US$ 45 milhões

Políticos que tentam ansiosamente entender a gravidade das atuais dificuldades econômicas talvez gostassem de dar uma olhada no mercado de arte. A onda de otimismo que varreu o mundo dos leilões esta semana, enquanto as duas principais casas do ramo vendiam obras impressionistas e modernas, ofereceu um contraste marcante com o desânimo geral. Os números não podem deixar dúvidas sobre a disposição dos compradores a soltar o dinheiro. As casas de leilões Sotheby's e Christie's venderam quase US$ 500 milhões em pinturas, desenhos e esculturas. Três recordes mundiais surpreendentes foram definidos por duas pinturas e uma escultura que nunca teriam causado entusiasmo semelhante no passado. Na Sotheby's, onde uma venda desigual foi prolongada por muitas bobagens, a situação se salvou por um retrato de Modigliani de uma jovem nua, conhecido como "La belle Romaine". A modelo está sentada sorrindo, com uma sobrancelha levantada de modo supostamente sedutor. é um típico Modigliani de 1917, mas de modo algum sua realização suprema. No entanto, a extrema raridade muda a percepção. Modiglianis de grandes dimensões, de qualquer tipo, são difíceis de encontrar hoje em dia. Essa imagem característica foi suficiente para provocar uma das mais extraordinárias disputas de lances vistas em leilões na última década. O retrato atingiu US$ 69 milhões, superando em 50% a estimativa inicial que já parecia bastante generosa. Um indício ainda mais revelador da avidez para comprar imagens com nomes famosos foi dado por um segundo quadro atribuído a Modigliani, "Jeanne Hebuterne au chapeau". Também considerado de 1917, é um pouco estranho. Os olhos azuis da mulher são interpretados com uma precisão naturalista, em contraste com o olhar indecifrável que caracteriza as últimas obras do pintor. A mão rígida está mal feita. Não admira que a Jeanne de olhos azuis tenha causado pouco entusiasmo em um leilão anterior da Sotheby's em 1996. Esta semana, compradores inabalados por tais considerações menores elevaram "Jeanne Hebuterne au chapeau" a surpreendentes US$ 19,12 milhões. Esta não foi a única imagem de segunda linha com um nome famoso que disparou para a estratosfera. Os "Lírios aquáticos" de Monet estão entre as glórias da pintura ocidental no século 20. Infelizmente para bilionários que procuram obras de arte importantes, as maiores das cerca de 30 "Nymphéas" completadas por Monet hoje estão fora do mercado. Na terça-feira, a Sotheby's tinha uma visão de "Lírios aquáticos" estranhamente comprimida em um formato horizontal estreito. O mestre, supostamente sentindo que sua empreitada não ia dar certo, não terminou a composição, como mostra claramente o lado direito, e a abandonou em seu ateliê, como testemunha a assinatura feita por ordem dos herdeiros do artista. Esta semana, os caçadores de arte adotaram uma abordagem mais ampla e empurraram a inacabada "Bassin aux Nymphéas" para incríveis US$ 24,72 milhões. O poder das imagens enfeitadas por um nome famoso, independentemente de seu mérito, foi demonstrado novamente quando surgiu um retrato pintado por Matisse, de uma maneira que parecia seu estilo no início dos anos 1920. "Danseuse dans le fauteuil, sol en damier", produzido em agosto de 1942, alcançou US$ 20,8 milhões, atingindo contra as probabilidades a alta estimativa da Sotheby's, que pareceu extravagantemente generosa. Quando o Matisse surgiu pela primeira vez na Sotheby's de Londres, em junho de 2000, alcançou US$ 7,45 milhões. Em junho de 2007, de volta à casa londrina, a dançarina em uma poltrona valsou até prodigiosos US$ 21,75 milhões. O preço desta semana foi ligeiramente inferior, mas de todo modo estupendo - tendo voltado ao mercado tão rapidamente, poderia ter vacilado. Talvez as besteiras completas que eram vistas na sessão de terça-feira na Sotheby's tenham deixado os potenciais compradores mais vivamente conscientes de que os dias de abundância da grande arte do século 20 terminaram. Quando um leilão noturno supostamente reservado para a nata da sociedade inclui um quadro do surrealista francês Francis Picabia, que lutava no início dos anos 1930 para reviver seu estilo anterior à Primeira Guerra Mundial, você sabe que as principais casas internacionais de leilões estão raspando o fundo do tacho. O Picabia não foi vendido, nem um triste e inacabado pastel de Dégas, assinado postumamente. A Christie's teve mais sorte, ou foi mais habilidosa. Ao suceder a Sotheby's na quarta-feira, um número maior de pinturas razoavelmente boas teve um efeito mágico. Na vasta sala do segundo andar sentia-se um clima de tranquila satisfação, ao contrário da tensão que era perceptível na concorrente, na véspera. Como na Sotheby's, recordes mundiais surpreendentes foram estabelecidos para obras que foram vistas através de óculos cor-de-rosa nesta era de seca de arte. Os compradores pareciam mais ansiosos que nunca para pôr as mãos em pinturas ou esculturas consideradas importantes. O preço recorde mais surpreendente alcançado esta semana foi para um bronze monumental concebido por Matisse na década de 1930: "Nu de dos, 4 état (Back IV)". O modelo nunca foi fundido enquanto Matisse viveu. Uma edição de 12 bronzes foi produzida em 1978, 24 anos depois de sua morte. Estas esculturas foram portanto acabadas e patinadas por outros, e não pelo artista. A obra oferecida na Christie's, assim, apenas incorpora a ideia de Matisse. Falando de modo estrito, não se pode dizer que é de Matisse, assim como uma cópia conscienciosa de uma pintura de Matisse não poderia ser considerada legitimamente sua obra. A diferença, em termos comerciais, é que os detentores dos direitos autorais dos modelos de gesso de um artista morto se intitulam legalmente a descrever as fundições em bronze póstumas como obras autênticas. Em uma era de abundância anterior, conhecedores agudamente conscientes das diferenças estéticas substanciais entre um bronze acabado e patinado sob o controle do artista e um que não o é, teriam mantido a distinção, levando a enormes discrepâncias de preços. Esses detalhes foram por água abaixo. Na quarta-feira, "Back IV" alcançou US$ 48,8 milhões, por cortesia do negociante Larry Gagosian, que por esse preço evidentemente agia como representante de um comprador anônimo. O recorde mundial de US$ 28,6 milhões pagos no mesmo leilão por uma natureza-morta cubista pintada por Juan Gris em 1913 foi outra surpresa, embora de outro tipo. Críticos de arte há muito tempo viam Gris como um pequeno mestre que se comprazia em uma interpretação colorida e decorativa do cubismo. O vento mudou recentemente, ajudado ainda mais recentemente por um apreço renovado pelas cores. Juntamente com a rarefação de grandes obras cubistas anteriores à Primeira Guerra, isto explica o enorme preço que atingiu esta semana um quadro considerado pelo próprio Gris como o seu maior. O retorno à cor é, em si mesmo, parte de uma tendência geral que se amplia para o ecletismo. Isso foi percebido pela equipe da Christie's quando montava seu leilão e apareceu fortemente na quarta-feira. Léger foi tirado da geladeira nos últimos anos. O favor renovado deve algo à nova busca por formas bem construídas e cores vivas. "Femme sur fond rouge, femme assise", de 1927 foi comprado pelo conhecido colecionador Max Palevsky na Christie's de Nova York em maio de 1993 por US$ 937.500. Foi vendido esta semana por US$ 6,35 milhões. Outro Léger, "La Tasse de thé", feito em 1921 em um estilo que retém ecos do "período mecânico" anterior do artista e do falecido colecionador de Nova York, não conseguiu alcançar o baixo valor inicial e foi vendido contra reserva por US$ 8,14 milhões. Ao definir a estimativa ambiciosa, a Christie's havia-se negado a levar em conta o esquema de cores pálidas em que predomina o branco. A mais eloquente expressão do relativismo artístico que prevaleceu esta semana em um mercado ainda mais rarefeito foi o retorno ao impressionismo, anteriormente muitas vezes desprezado. Uma vista de jardim de 1892 de Pissarro, feita em uma maneira influenciada pelo divisionismo, alcançou US$ 3,44 milhões. é verdade que na venda de terça-feira na Sotheby's uma obra-prima pura de Seurat, um pequeno estudo ao ar livre em óleo, foi comprado por comparativamente modesto US$ 1,93 milhão, por um único candidato que deu o golpe artístico da temporada. Mas na quarta-feira na Christie's um de três ou quatro grandes desenhos à maneira preta de Seurat não passaram despercebidos. O esboço de uma mulher de pé, de costas para o espectador, subiu muito acima da estimativa e chegou a US$ 3,33 milhões. Se eu tivesse dinheiro, o teria comprado na hora.

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