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Apesar do desenvolvimento econômico, Índia continua mergulhada na pobreza

Akash Kapur

Pondicherry (Índia)

  • Saurabh Das/AP

    O presidente dos EUA Barack Obama estende a mão para o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh nesta segunda-feira em Nova Déli, na Índia

    O presidente dos EUA Barack Obama estende a mão para o primeiro-ministro indiano Manmohan Singh nesta segunda-feira em Nova Déli, na Índia

Rahul Gandhi, o secretário-geral do Partido do Congresso da índia, costuma dizer que há “duas índias” – uma dos ricos e outra dos pobres. Essas duas índias estiveram em evidência há poucas semanas, quando eventos em lados opostos do planeta expuseram as profundas divisões que, de muitas formas, dividem este país. Em Mumbai, em 7 de novembro, o presidente Barack Obama disse a um grupo de estudantes que a índia não era mais uma “potência em ascensão”, mas sim uma potência que “já ascendeu”. Ele celebrou uma economia que “tem crescido a uma taxa de tirar o fôlego”. Três dias depois em Nova York, a Organização das Nações Unidas divulgou a 20ª edição de seu Relatório de Desenvolvimento Humano, uma publicação que, de muitas formas, se transformou em uma medida com autoridade da pobreza e privação. A índia ficou em 119º lugar entre 169 países. Os oito Estados mais pobres do país contêm tantos pobres quanto os 26 países mais pobres da áfrica somados. Em termos de expectativa de vida e desigualdade de gênero, a índia está abaixo de seus vizinhos, Bangladesh e Paquistão. Nenhum desses números nega os avanços notáveis obtidos pela índia nos últimos anos. Mas se a índia é de fato uma potência que já ascendeu, então ela ascendeu apesar de sua terrível pobreza –apesar da desigualdade persistente e apesar da privação disseminada que deixam milhões em condições que são quase medievais. Após quase duas décadas de mudanças econômicas que promoveram uma era de prosperidade, está claro que de algumas formas o país tem sido ingênuo: taxas de crescimento elevadas por si só não curam a pobreza. O problema, como colocou para mim Anirudh Krishna, um cientista político da Universidade Duke, na Carolina do Norte, e autor de um novo estudo notável sobre a pobreza, é que a “pobreza na índia se tornou muito resistente. Os números não cedem”. De fato, apesar das estimativas oficiais sugerirem que a pobreza diminuiu desde o advento das reformas, outros estudos sugerem que ela na verdade está mais disseminada do que se imaginava. Pelo menos três comitês de governo foram formados para contar os pobres na índia. A variação nos resultados –de 37,2% a 77%– sugere não apenas a prevalência da pobreza, mas também que sua própria natureza não é compreendida. Apesar de toda a atenção dada ao assunto, a pobreza continua sendo um mistério. O estudo de Krishna, publicado em setembro como “One Illness Away: Why People Become Poor and How They Escape Poverty”, é em grande parte um esforço para descascar as camadas desse mistério. Resultado de uma década de trabalho em cinco países e de conversa e pesquisa com mais de 35 mil famílias, uma de suas principais metas –e realizações– é aumentar nosso entendimento da privação econômica. Há várias observações neste livro, mas um dos mais importantes de Krishna é que, como ele escreve, “a pobreza não uma massa indistinta vivendo abaixo de uma linha teórica ou estatística”. Ela é um pool de privação em constante movimento, com aqueles que escapam dela sendo substituídos por uma nova população que caiu de uma relativa prosperidade. Em um estudo de 25 anos que ele conduziu no Estado de Andhra Pradesh, por exemplo, Krishna descobriu que enquanto 14% dos lares escaparam da pobreza, outros 12% se tornaram pobres. No geral, ocorreu uma redução de 2% na taxa de pobreza, mas 26% dos lares viram uma mudança em seu status. Esse entendimento da pobreza como não estática, sempre em fluxo, tem implicações para as políticas. Ele sugere que os programas de bem-estar social precisam ser planejados não apenas para tirar as pessoas da pobreza, mas também para impedir que aqueles que não são pobres –e portanto fora do radar desses programas– caiam na pobreza. Em particular, a pesquisa de Krishna destaca o importante papel exercido pela doença em levar as pessoas à pobreza. Ele escreve sob “cadeias de eventos negativos” que levam, por meio de contas hospitalares caras, desemprego e endividamento, à dificuldade econômica. “Eu estou plenamente convencido de que não podemos reduzir a pobreza na índia sem primeiro fazer algo em relação ao atendimento de saúde”, ele disse. As ideias de Krishna para redução da pobreza são em geral convincentes. Mas o que é mais persuasivo no seu livro não são as prescrição de políticas, mas sim o retrato rico e cheio de nuances da pobreza que informa as prescrições. No início de sua carreira, Krishna trabalhou como funcionário do Serviço Administrativo Indiano, passando grande parte de seu tempo na índia rural. Essa experiência pessoal claramente guia sua pesquisa –seu entendimento de que a pobreza não é um fenômeno uniforme, que varia de acordo com as comunidades e que significa coisas diferentes para pessoas diferentes. Enquanto trabalhava como funcionário do governo, disse Krishna, ele frequentemente via que vilarejos próximos, que se beneficiavam dos mesmos programas de bem-estar social, ainda assim exibiam níveis altamente divergentes de desenvolvimento. Isso o levou a concluir que “não é apenas uma questão de acertar o programa; há algo a respeito do vilarejo que importa”. Em outras palavras, a pobreza e suas curas são altamente sensíveis ao contexto. Os esquemas de bem-estar social só terão sucesso se levarem em consideração as condições locais. Na prática, Krishna sugere que isso significa que os programas de governo precisam incluir um alto grau de controle local. Eles devem ser amplos o suficiente para funcionarem em vários países e regiões, mas flexíveis o bastante para permitirem uma variação local. Como exemplo, ele aponta para a Lei Nacional Mahatma Gandhi de Garantia de Emprego Rural, um programa de obras públicas que permite que as aldeias estabeleçam suas próprias prioridades ao escolherem que projetos receberão fundos do governo. Há poucas semanas, eu escrevi sobre os riscos de abordagens muito amplas de desenvolvimento, argumentando que era essencial permanecer próximo do local e se concentrar nos detalhes. Esse argumento é reforçado pela obra de Krishna, que sugere a multiplicidade das condições incluídas sob a rubrica geral de pobreza. Como o câncer, a pobreza não é uma doença simples. é um flagelo com muitos sintomas e causas. E é por esse motivo que, assim como o câncer, ela é tão difícil de erradicar.

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