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Venda desigual de obras impressionistas dá lição para os investidores

Souren Melikian

Londres (Inglaterra)

  • Reprodução/ www.christies.com - 18.dez.2010

    Pintura de Salvador Dalí que a "Playboy" colocou em leilão na Christie's em 2010

    Pintura de Salvador Dalí que a "Playboy" colocou em leilão na Christie's em 2010

A Christie’s deu na quarta-feira uma rara demonstração dos riscos inerentes de investir em arte, quando Jussi Pylkkanen realizou sua sessão noturna de arte impressionista e moderna.   Do ponto de vista da casa de leilão, a sessão, que transcorreu razoavelmente bem, foi lucrativa. Os 67 lotes que encontraram compradores renderam quase 84,9 milhões de libras, ou US$ 136,3 milhões.   Dois recordes mundiais foram estabelecidos. “Terrasse a Vernon” de Pierre Bonnard foi comprado por 7,2 milhões de libras, superando a estimativa mais alta em mais da metade. A vista profunda retratada pelo artista, a partir do terraço de sua casa na Normandia, foi pintada em 1923. Ela foi executava no rastro do movimento pós-impressionista do início dos anos 1900, ao qual o pintor deve o modo borrado de tratar a vegetação.   Visto pela última vez em público na exposição Bonnard, realizada em 1984 no Le Centre Pompidou em Paris, o quadro está longe de ser considerado uma obra-prima do artista multifacetado. Mas múltiplas publicações de livros sobre o artista o glamourizaram, e na atual escassez de arte, os compradores ocasionalmente se sentem inclinados a ser extremamente generosos.   O outro recorde foi estabelecido por Salvador Dalí com seu “Etude pour 'Le miel est plus doux que le sang’”. A paisagem imaginária com escombros humanos e artefatos estranhos espalhados, em uma visão perfeitamente surrealista, foi comprada por 4,07 milhões de libras. Datada de 1926, ela é um marco na obra do artista catalão.   O quadro final, “Mel é Mais Doce que Sangue”, é uma das duas obras que Dalí enviou para o Salão de Outono de 1927 em Barcelona, para ilustrar uma nova fase de sua arte. O escândalo que causou fez com que o artista se justificasse em um longo artigo publicado na revista de arte catalã “L’Amic de les Arts”, o que contribuiu em grande parte para os milhões que custou na quarta-feira.   Outros quadros também custaram caro. “Bateaux à Collioure” de André Derain, pintado em 1905 pelo mestre fovista durante sua estadia no pequeno porto mediterrâneo de pescadores, custou mais de 5,86 milhões de libras. Pendendo para o abstrato, a vista à beira-mar prenuncia o caminho que Wassily Kandinsky seguiria três anos depois em Murnau, na Alemanha. Com seus vermelhos vivos e impacto instantâneo, o Derain tem tudo o que apela ao olhar moderno.   Motivos semelhantes justificam os 4,85 milhões de libras pagos por “Sur l’impériale traversant la Seine”, um quadro extraordinário pintado por Picasso em 1901. Esta vista dos passageiros sentados no piso superior de um ônibus de dois andares, atravessando o rio, foi exibida muitas vezes e reproduzida em vários livros e artigos. Como o Instituto de Arte de Chicago, para o qual foi deixado com herança em 1933 pela sra. Lewis Larned Coburn, pôde descartar esta obra-prima rara desafia a compreensão.   Bem diferente do modo que prenunciava o fovismo que Picasso desenvolveu por volta de 1901, como em seu famoso autorretrato “Io Picasso”, “Sur l’impériale en traversant la Seine” tem uma qualidade expressionista e um vigor explosivo no sentimento e nas pinceladas que faz com que se destaque entre os primeiros trabalhos do mestre. Quem quer que tenha comprado esta obra de museu tem motivos para celebrar, mesmo que o preço final tenha sido quase 50% acima da estimativa mais alta.   Nesse contexto, seria possível esperar que todas as escolas se beneficiariam de uma alta.   Mas aconteceu o oposto em relação ao impressionismo. Sua queda de preço foi notável. Imediatamente após o quadro de Bonnard, influenciado pelo pós-impressionismo, ter atingido seu valor recorde de 7,2 milhões de libras, uma paisagem de autoria de Camile Pissarro em 1893, não atingiu a o valor estimado mais baixo e foi vendido por apenas 1,1 milhão de libras. Quando oferecido na Christie’s de Nova York em 6 de maio de 2008, ele atingiu US$ 1,32 milhão. Em 13 de maio de 1992, o mesmo Pissarro atingiu US$ 1,59 milhão –muito mais do que nesta semana, quando levada em consideração a depreciação do poder de compra de todas as moedas.   Imediatamente após, outro Picasso datado de 1878, um ano vintage na fase inicial do impressionismo, não foi comprado.   Em seguida, “La berge du Petit-Gennevilliers” de Claude Monet, pintado em 1875, conseguiu um valor comparativamente modesto de 3,73 milhões de libras. Em poder de compra, é menos do que os 3,19 milhões de libras que custou ao seu dono na Sotheby’s de Londres em 28 de novembro de 1989. Desconte o chamado “ágio”, ou a taxa cobrada do comprador, então desconte dos 3,3 milhões de libras do preço da batida do martelo o valor não revelado ao consignador, provavelmente na faixa de 10%, e você acaba com um prejuízo substancial.   Agora compare essas perdas com alguns dos saltos financeiros conseguidos por pinturas de outras escolas.   “Die Werbung” (A Proposta) de Lyonel Feininger é um dos primeiros trabalhos do artista em 1907, em um estilo altamente idiossincrático. O contraste das cores chapadas e a simplificação das figuras, tratadas em um estilo semicartunesco, chamam a atenção de quem o vê. Quando visto na Sotheby’s de Nova York em 11 de maio de 1994, o Feininger foi comprado por US$ 387.500. Na venda de quarta-feira na Christie’s, seu valor subiu para US$ 1,27 milhão. Alguns explicarão a diferença entre a mudança do impressionismo para o expressionismo invocando a progressão das tendências modernistas.   Mas um salto impressionante foi obtido na mesma noite por um quadro que é qualificado como kitsch, com apenas um leve quê de modernismo. Kees Van Dongen, um dos grandes mestres fovistas até 1909-1910, acabou dando as costas para a grande arte que não o tornou rico. Em vez disso, ele passou a cunhar ouro ao produzir retratos insípidos de personagens da sociedade. Seu retrato de uma atriz chamada “Lili Damita”, feito entre meados e o final dos anos 20, é um deles. Comprado na Christie’s de Londres em 27 de novembro de 1989 por apenas 682 mil libras, o Van Dongen superficial saltou na quarta-feira para impressionantes 3,06 milhões de libras.   Tudo isso tem a ver com mudança de gosto e percepção. Mas se existe algo que desafia a previsão a longo prazo é isto. Muito poucos marchands demonstram excelência em antecipar essas mudanças na estética, graças a uma mistura de experiência e instinto inspirado –os nomes dos irmãos Nehmad vêm à mente.   Mas esse tipo de adivinhação é o oposto dos cálculos frios, baseados em ativos tangíveis e fatores mensuráveis, por trás dos investimentos. Isso deixa apenas um motivo sério para compra de arte –o desejo de viver com uma pintura ou um objeto visando observá-lo à vontade.

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