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Ajuda para os acusados de bruxaria na África

Chi Mgbako

Nova York (Estados Unidos)

  • Vanessa Vick/The New York Times - 2005

    Uness Nyambi segura seu filho ao lado de seu marido de 70 anos, em Wiliro (Maláui). Muitas meninas na África são obrigadas a passar diretamente da infância para o casamento diante de acordos feitos pelos seus pais

    Uness Nyambi segura seu filho ao lado de seu marido de 70 anos, em Wiliro (Maláui). Muitas meninas na África são obrigadas a passar diretamente da infância para o casamento diante de acordos feitos pelos seus pais

Acusações de bruxaria na áfrica ganharam uma atenção cada vez maior devido ao grave impacto que elas podem ter nas vidas dos acusados, incluindo prisão, confisco de propriedade, banimento de vilas e, em alguns casos, violência física. O programa de direitos humanos que eu dirijo recentemente estabeleceu uma parceria com uma organização não governamental em Maláui para criar e administrar uma clínica de auxílio jurídico voltada para os casos de bruxaria em duas comunidades rurais. Homens, mulheres e crianças compareceram em grande quantidade à clínica em busca de assistência jurídica. Os casos eram difíceis e fizeram vir à tona a questão de como enfrentar as acusações de bruxaria, especialmente quando são as crianças e as mulheres idosas que arcam com uma porcentagem desproporcional de tais acusações. A perseguição de pessoas acusadas da prática de bruxaria não se limita historicamente à áfrica. Caças às bruxas ocorreram na Europa, na América, na Roma antiga, no México asteca, na Rússia, na China e na índia. Mas a prática persiste em regiões pobres em parte porque a bruxaria pode ser usada em comunidades que não têm acesso à medicina e à ciência modernas para explicar situações aparentemente inexplicáveis referentes a mortes e infortúnios. Em Maláui, um país de enorme pobreza e baixa expectativa de vida, um dos nossos clientes alegou que membros descontentes da comunidade em anos anteriores amaldiçoaram a sua vila, proclamando que as chuvas desapareceriam. Quando as chuvas não vieram conforme se antecipava, a conclusão dele foi: “Isso só pode ser um resultado de bruxaria”. Em tais casos, nós tentamos explicar aquilo que acreditamos que sejam as verdadeiras causas dos infortúnios. Maláui tem sofrido uma série de secas, portanto, neste caso, nós discutimos a ciência climática para explicar a falta de chuvas. Pessoas economicamente oprimidas que carecem de canais políticos para expressar a sua frustração podem também recorrer às acusações de bruxaria. Conflitos, deslocamentos internos forçados, falta de desenvolvimento e o peso da Aids sobre as famílias são todos fatores que contribuíram para o crescimento das acusações de bruxaria na áfrica. Para exacerbar o problema existem várias seitas religiosas, que crescem sem parar, e que oferecem falsos serviços de exorcismo, bem como curandeiros locais que alegam “caçar” bruxas e cobram preços exorbitantes por poções para anular os “feitiços”. Uma cliente chegou à nossa clínica de auxílio legal desesperada para curar a sua filha, que estaria sendo vítima de um feitiço. Ela nos confidenciou que havia despendido uma grande quantidade de dinheiro e bens com uma série de curandeiros, sem nenhum resultado. Nós a encorajamos a parar de usar as suas economias tão duramente ganhas com curandeiros, e ela logo percebeu que a maioria deles não passava de charlatães. Embora os homens sejam às vezes acusados, as mulheres idosas e as crianças são frequentemente as vítimas principais das acusações de bruxaria. As mulheres idosas correm risco porque a sua remoção pode facilitar o acesso dos acusadores às suas propriedades. Nós soubemos de um caso no qual um homem havia espancado severamente a mãe idosa da nossa cliente e a acusado de bruxaria na tentativa de apoderar-se da sua terra. As crianças são também alvos fáceis. Em um caso que ouvi, alguém acusou uma menina de 12 anos de ser uma bruxa e ameaçou enterrar a criança. Embora isso não ocorra em Malaui, em países como Angola, Nigéria e Congo, “crianças feiticeiras” são frequentemente vítimas de abusos, sendo depois abandonadas pelos seus familiares. Muitos clientes vêm até à nossa clínica ansiosos por saberem o que a lei de Maláui diz a respeito da bruxaria. Segundo a lei, atualmente sob revisão da comissão de reforma legislativa de Malawi, é ilegal acusar alguém de praticar bruxaria ou contratar um curandeiro para identificar uma suposta bruxa. Alguns clientes resistiram à ideia de proporcionar alguma proteção às acusadas de bruxaria, mas outros ficaram aliviados. A chefe de uma aldeia, que não conhecia a lei, vinha fazendo reuniões na localidade a fim de encorajar os membros da comunidade a pararem de fazer acusações de bruxaria. Após participar da nossa clínica, ela ficou feliz ao saber que a lei apoiava a sua posição. Nós tivemos vários outros casos nos quais indivíduos buscaram aconselhamento legal para determinar se poderiam seguir em frente e acusar determinada pessoa de praticar bruxaria. Nós recebemos bem esses casos porque eles nos deram uma oportunidade para intervir antes que a crença na bruxaria se transformasse em acusações públicas e potencial violência. Uma jovem com um azar crônico na sua vida amorosa acreditava que os seus relacionamentos românticos fracassados eram o resultado de feitiços feitos pelo seu tio. Depois que informamos a ela que a lei de Maláui a proíbe de acusar o tio de praticar bruxaria, ela prometeu que não faria isso. Nós também dissuadimos outra mulher de acusar uma criança da sua comunidade de ser uma bruxa. Ela deixou a clínica determinada a dissuadir outros potenciais acusadores. Muitos malauianos acreditam em bruxaria. Essa crença, por si só, não se constitui em nenhum problema. O problema é a transformação da crença em acusação e nas subsequentes ações nocivas. Assim, embora a lei não toque na questão da existência ou não da bruxaria – os indivíduos têm a liberdade de acreditar ou desacreditar nisso – ela deveria continuar criminalizando as acusações de relativas a esta suposta prática. A legislação por si só não impedirá os ataques contra as supostas bruxas. Maláui e outras nações africanas que enfrentam esse problema deveriam aumentar a consciência pública por meio de campanhas de âmbito nacional que contassem com a participação de grupos religiosos oficiais, da polícia, do sistema judiciário, das organizações não governamentais e dos curandeiros tradicionais para encorajar o povo a parar de fazer acusações de bruxaria contra vizinhos e parentes, enfatizando especialmente os prejuízos frequentemente irreparáveis que essas acusações provocam para as crianças e as mulheres idosas. (Chi Mgbako é professor de direito e diretor da Clínica Internacional de Direitos Humanos Walter Leitner na Faculdade de Direito Fordham, na cidade de Nova York).

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