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Rússia acha que iniciativa de Abraham Lincoln vincula-se à libertação de servos
Sophia Kishkovsky
Moscou (Rússia)
O tsar Alexandre 2º e o presidente Abraham Lincoln eram oriundos de conjunturas completamente diferentes, mas eles tiveram vidas estranhamente paralelas no que se refere às suas maiores façanhas – a libertação de milhões de seres humanos e a morte provocada por assassinos. Essas similaridades foram exploradas em uma nova exposição em Moscou que está sendo apresentada como um fórum para a comparação das histórias russa e estadunidense, e para o encontro de bases para futura cooperação entre os dois países. A exposição de mais de 200 objetos de coleções russas e norte-americanas, que foi inaugurada na última terça-feira (22/02), com membros de uma banda militar do Kremlin, em uniformes tsaristas, tocando no Arquivo de Estado da Federação Russa, representa a mais recente tentativa por parte da Rússia de identificar lições positivas no seu passado. A mostra coincide com o 150º aniversário da abolição da servidão. Algumas das pessoas que foram à exposição disseram que ela é um reflexo da “reformulação” das relações entre russos e norte-americanos iniciada pelo presidente Barack Obama. “A história decretou que quase simultaneamente, em dois dos maiores países do mundo, o Império Russo e os Estados Unidos da América, ocorressem fatos que pessoas da época já tinham classificado de fantásticos”, diz Andrei N. Artizov, diretor da agência dos Arquivos Federais Russos, na cerimônia de inauguração. “Em São Petersburgo, o tsar Alexandre 2º assinou o famoso manifesto de 19 de fevereiro de 1861, a lei de libertação dos camponeses. Dois anos depois, no auge da Guerra Civil dos Estados Unidos, o presidente Lincoln, no dia 1º de janeiro de 1863, em Washington, assinou a não menos famosa Proclamação de Emancipação, libertando os escravos”. A exposição de Moscou, chamada “O Tsar e o Presidente, Alexandre 2º e Abraham Lincoln: Liberador e Emancipador”, teve origem em uma exposição similar nos Estados Unidos, em 2008 e 2009, para comemorar o 200º aniversário de Lincoln. A exposição inclui uma série de objetos que jamais foram exibidos na Rússia e que serão mostrados no final deste ano em Tsarskoye Selo, a residência de verão dos tsares, perto de São Petersburgo. A caneta com a qual Lincoln assinou a Proclamação de Emancipação foi emprestada pela Sociedade Histórica de Massachusetts e é mostrada em frente à pena com a qual Alexandre 2º assinou o seu manifesto. O Museu Hermitage, em São Petersburgo, emprestou o uniforme militar e o sabre usados pelo tsar quando uma bomba terrorista o matou em 1881. O financiamento para a exposição do arquivo russo foi feito pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos, pelo governo russo e pelo escritório na Rússia da Novo Nordisk, uma companhia dinamarquesa de seguros de saúde. O centro de conferência interno da Nordisk fica na costa, perto de Copenhague, em Hvidovre, uma propriedade rural no qual a imperatriz Maria Feodorovna, a viúva dinamarquesa que era nora de Alexandre 2º, foi morar após a Revolução Bolchevique. Entretanto, mais do que os artefatos, o que mais se exibiu foram objetos comuns pouco conhecidos na história russa e norte-americana. “Talvez pelo fato de nós nos lembrarmos muito bem da época da Guerra Fria, às vezes achamos erradamente que o espírito ideológico de confrontação entre Rússia e Estados Unidos seja uma característica das nossas relações. Mas isso é um erro”, afirmou John R. Beyrle, o embaixador dos Estados Unidos na Rússia, na abertura da exposição. Sergei V. Mironenko, diretor do Arquivo de Estado da Federação Russa, mencionou uma carta de 1867 de um grupo de visitantes norte-americanos que desembarcaram na Crimeia e pediram uma audiência não agendada com o tsar. Para surpresa geral, o pedido foi concedido. Eles elogiaram Alexandre pelo seu exemplo de libertação dos servos: “Uma das páginas mais brilhantes da história mundial desde o nascimento da história foi escrita pela mão de vossa majestade, ao romper os grilhões que prendiam 20 milhões de servos; e os norte-americanos só podem estimar como um privilégio o fato de homenagearem um governante responsável por uma façanha tão grandiosa”. Um dos signatários da carta é “Sam L. Clemens”, conhecido, também na Rússia, como Mark Twain.