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Timor Leste vive momento especial

José Ramos-Horta

  • Antonio Dasiparu/Efe

    Mulher mostra o dedo marcado após votar no Timor Leste. Foto de 16/04/2012

    Mulher mostra o dedo marcado após votar no Timor Leste. Foto de 16/04/2012

Há quatro semanas, os cidadãos do Timor Leste foram às urnas para eleger um presidente. éramos 12 homens e mulheres disputando um cargo em grande parte cerimonial, mas potencialmente influente. Na segunda-feira (16), os eleitores voltaram para escolher entre os dois candidatos mais votados.   Após o primeiro turno, comentaristas políticos realizaram uma análise simplista das eleições e de como eu “perdi”. Eles não entenderam o ponto.   Há pouco mais de uma década, nossa pequena ilha ainda estava ocupada pelos militares indonésios. Centenas de milhares de nossos cidadãos pereceram sob a ocupação, seja por execução, falta de atendimento médico mais básico ou fome provocada pelas relocações forçadas. Com um pequeno grupo maltrapilho e dedicado de combatentes pela independência, nós enfrentamos um enorme exército equipado e treinado pelos Estados Unidos. Nós éramos o povo esquecido.   Quando conseguimos a independência em 1999, por meio de um referendo patrocinado pela ONU, nossa ilha foi devastada por milícias apoiadas pelos militares indonésios. Mais de 300 mil pessoas foram removidas à força para a Indonésia e 85% de nossos prédios foram incendiados.   Em 2006 e 2007, o Timor Leste explodiu novamente em violência, desta vez um conflito civil. Era o tipo de levante historicamente não incomum em uma nova democracia, mas um que fez muitos temerem que o país estivesse correndo na direção de um precipício.   Eu me orgulho e me sinto honrado por ter servido o Timor Leste, primeiro no exílio, durante a ocupação, e depois como ministro das Relações Exteriores, primeiro-ministro e presidente da mais jovem democracia do mundo. Eu me orgulho por durante minha presidência nós termos conseguimos, pela primeira vez em mais de 35 anos, uma paz estável, que permitiu novos níveis de desenvolvimento.   Mas tendo servido como primeiro-ministro e presidente, eu hesitei em concorrer de novo à presidência neste ano. Devido a um pedido assinado de mais de 100 mil cidadãos timorenses, eu entrei na disputa. Mas eu declarei que não faria campanha, já que tinha respeito demais por pelo menos dois dos outros 11 candidatos.   Nas poucas ocasiões em que fiz declarações públicas, eu tranquilizei os eleitores a respeito dos outros dois principais candidatos, que são de fato heróis nacionais. Um, Taur Matan Ruak, foi comandante das forças de resistência do Timor Leste durante os 24 anos de ocupação e depois da independência comandou nossas forças de defesa. O outro, Francisco Guterres, popularmente conhecido como Lú-Olo, também foi líder da resistência e serviu como presidente do Parlamento e presidente do maior e mais antigo partido político.   Eu não posso me comparar com eles. Apesar de termos travado a mesma batalha para libertar nosso país da ocupação durante 24 anos sombrios, nós lutamos em trincheiras diferentes. Eu estava na trincheira diplomática, uma mais visível internacionalmente. Mas isso não se iguala aos desafios e riscos diários da resistência armada ou da rede política secreta, cujas perdas foram de milhares de vidas. Eles adquiriram o direito de liderar tanto quanto eu.   Durante as últimas semanas do primeiro turno da campanha, eu assisti uma democracia vibrante em funcionamento. A capital, Dili, estava coberta de cartazes de candidatos sorridentes, estava barulhenta com paradas e comícios.   Naturalmente houve tensões, e temores se espalharam entre as pessoas traumatizadas pela violência do passado. Mas a violência não aconteceu.   Na semana passada, eu convidei os dois candidatos para uma conversa pessoal e implorei para que baixassem o tom de sua linguagem, amenizassem a retórica de campanha, demonstrassem tolerância e moderação. Eles concordaram. Eles até mesmo apareceram juntos na mídia. As tensões diminuíram. A atmosfera política permaneceu muito mais calma desde então.    A verdadeira pergunta é se o Timor Leste conseguirá sair plenamente de um passado repleto de violência e opressão, e se conseguirá desfrutar de uma transição pacífica de poder. Em outras palavras, será que aprendemos a levar nossas batalhas para as urnas em vez das ruas?   Até o momento a resposta é sim. Nós estamos na metade do caminho –após o segundo turno presidencial, nós teremos eleições parlamentares em julho. Mas parece que nossa democracia está saindo fortalecida do processo –ainda imperfeita, mas em pé e funcionando.   O Timor Leste é um país diferente hoje do que era 10 anos ou mesmo cinco anos atrás. Seu crescimento de dois dígitos por quatro anos consecutivos a transformou em uma das economias mais fortes da ásia. Ao final de 2012, todo o país contará com fornecimento de energia elétrica por 24 horas pela primeira vez e, em poucos anos, deveremos ter a conectividade do século 21.   Ainda há muitos desafios à frente. O Timor Leste ainda não venceu problemas de corrupção e desperdício. O número de pessoas vivendo na pobreza extrema está em queda, mas não o bastante.   Mas de volta a 1999, Dili estava devastada. Hoje, ela está reconstruída e agitada com uma nova geração de jovens em carros e motos, todos seguindo para o trabalho.   Eu vejo o fato de nossas eleições serem competitivas com um senso de contentamento. Elas são um sinal de que o país está amadurecendo. Novos candidatos estão desfrutando de um momento merecido ao sol, e uma geração mais jovem está saindo em apoio a eles. Em breve, novos líderes jovens despontarão, ávidos e prontos para pegar as rédeas do país das mãos dos vitoriosos deste ano. Esse é o sinal mais claro de que nosso país encerrou um capítulo muito difícil de sua história e que um novo capítulo teve início.   A violência do passado foi substituída por paradas de motos e comícios políticos. Nenhum de nós que lutou pela liberdade para a realização destas eleições, que viram tantos de nossos irmãos e irmãs darem suas vidas por este dia, pode sentir uma derrota ao ver isso ocorrer.   é a minha esperança termos enviado uma mensagem para outros que estão saindo de um conflito de que isso pode ser feito.   (José Ramos-Horta,  ganhador do Prêmio Nobel da Paz, é o atual presidente do Timor Leste.)    

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