Terremoto no Japão

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Após o desastre, serenidade surreal em Fukushima

Kumiko Makihara

Em Koriyama (Japão)

  • 26.jun.2012 - Kosuke Okahara / The New York Times

    Polvos são descarregados no porto que serve Soma, no Japão; a pesca já foi retomada perto da usina nuclear de Fukushima

    Polvos são descarregados no porto que serve Soma, no Japão; a pesca já foi retomada perto da usina nuclear de Fukushima

A pousada tradicional, aninhada no meio do interior montanhoso, oferecia todos os confortos luxuosos pelos quais esses hotéis ao estilo antigo são famosos. Um jantar com oito pratos, elegante e de agradar aos olhos, foi servido em nosso quarto. O banho nas termas ao ar livre apresentava uma vista da folhagem exuberante cobrindo a escarpa íngreme, iluminada para destacar os diversos tons de verde. Um som calmante emanava de um rio próximo. Eu poderia estar em qualquer lugar no Japão desfrutando de um tratamento digno da realeza.   Só que, desta vez, quando fiz o check-out, em vez de um presente de despedida como uma caixa de confeitos locais ou uma toalha de mão com o nome do hotel, o proprietário me deu uma sacola plástica contendo uma capa de chuva de vinil, luvas de algodão e uma máscara cirúrgica. “Caso você precise”, disse ele. “às vezes, quando chove, os números são elevados.” Ele se referia às medições de radiação.   Em uma recente visita à província de Fukushima, encontrei uma situação surreal, onde moradores viviam e trabalhavam com impressionante calma e normalidade em meio a circunstâncias assustadoras: uma luta constante para desativar as usinas nucleares danificadas no ano passado pelo terremoto e pelo tsunami, dúvidas sobre os efeitos para a saúde da exposição à radiação e o que parece como revelações intermináveis de negligência e erros de avaliação por parte do governo e da companhia elétrica que contribuíram para o desastre.   As plantações de arroz que pareciam ocupar todo trecho de terra plana em meio ao terreno montanhoso cintilavam com plantas bem cuidadas, apesar de os preços dos produtos locais permanecerem baixos e à mercê da percepção dos consumidores de contaminação por radiação. Os turistas admiravam as vistas da torre do castelo Tsurugajo, onde outdoors promoviam a área como cenário de uma futura série de TV. “Exceto próximo das usinas nucleares, nós estamos promovendo o turismo”, disse um amigo que serviu como meu guia.   Tamanho estoicismo tem sido elogiado por ajudar a manter a ordem durante a calamidade. Mas essa mesma qualidade foi recentemente criticada como sendo parcialmente responsável pela catástrofe.   Kiyoshi Kurokawa, presidente de uma comissão nomeada pelo Parlamento que divulgou seu relatório neste mês sobre o acidente nuclear, atribuiu a culpa à “nossa obediência por reflexo; nossa relutância em questionar a autoridade; nossa devoção a ‘continuar seguindo o programa’; nosso grupismo; e nosso isolamento”. Ele se referia a como essas características culturais permitiram à Tokyo Electric Power e aos reguladores do governo escaparem impunes com padrões de segurança negligentes, porque tanto dentro quanto fora as organizações relutavam em perturbar o status quo.   O relatório de Kurokawa é um dos quatro grandes resultados de investigação divulgados por órgãos diferentes no ano passado, cada um explorando o que saiu errado em Fukushima e revelando em graus diferentes os riscos da energia nuclear em um país propenso a terremotos. O Japão está investigando no momento a existência de falhas geológicas ativas sob ou próximas de usinas e realizando audiências públicas sobre o futuro da energia nuclear. Então eu fiquei surpresa quando, em meio ao debate, o governo aprovou a reativação neste mês da primeira das usinas nucleares do país.   Eu fiquei ainda mais surpresa com o fato de dezenas de milhares de japoneses terem tomado as ruas para protestar contra essa decisão. Desde março, as pessoas têm se reunido toda noite de sexta-feira diante da residência oficial do primeiro-ministro para fazer oposição à energia nuclear e à reativação. Em uma recente sexta-feira chuvosa, os manifestantes lotavam as calçadas no distrito do governo, gritando enquanto seguiam para a residência, o tempo todo tomando cuidado para que seus guarda-chuvas não espetassem ninguém. As pessoas eram educadas, mas não “obedientes por reflexo” ou “relutantes em questionar a autoridade”.   “A Cidade que Anuncia a Chegada da Primavera no Nordeste: Bem-Vindo”, diz o outdoor na entrada de Hirono, localizada logo ao sul do raio evacuado de 20 quilômetros em torno das usinas de Fukushima. As pessoas estão autorizadas a viver em Hirono, mas a maioria dos moradores se mudou para outros lugares e retorna apenas nos fins de semana, para ventilar e limpar suas casas. O imenso centro de treinamento de futebol J-Village foi convertido em uma parada com dormitórios para as pessoas que trabalham nas usinas. Placas como “Depósito Temporário de Lixo Contaminado” pontilham as ruas silenciosas.   Mas quando paramos em um posto de gasolina, dois frentistas em uniformes impecáveis se aproximam rapidamente e realizam o serviço completo de modo eficiente, como se fizéssemos parte de um fluxo constante de clientes. O escritório e os banheiros são impecáveis. Na igualmente reluzente loja de conveniência 7-Eleven, atendentes amistosos se maravilham com a qualidade da mais recente remessa de bolinhos de feijão. Um café próximo reabriu, oferecendo aos clientes cookies feitos na casa.   O desafio enfrentado por este país é como nutrir um ceticismo saudável com uma perseverança admirável.   (Kumiko Makihara é escritora e tradutora)

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