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Protestos impedirão abate de animais na Turquia?

*Andrew Finkel

Em Istambul (Turquia)

  • Bulent Kilic/AFP

    Turcos levam seus animais de estimação para participar da marcha pelos direitos dos animais em Istambul

    Turcos levam seus animais de estimação para participar da marcha pelos direitos dos animais em Istambul

Eu não sou fã de animais. Gatos me fazem espirrar. Quando minha filha deixou o ninho, nunca me ocorreu preencher o vazio com um cachorro. Mas com a Turquia agora considerando um projeto de lei que resultaria no abate dos estimados 150 mil cães e gatos de rua de Istambul, eu poderia mudar de ideia.   Não seria possível viver em um bairro tradicional daqui e ser contrário aos animais. Cães vira-latas andam pela rua principal e meu jardim é lar de muitos gatos bravos. Os animais são selvagens no sentido de que não pertencem a ninguém, mas fora isso são inofensivos. Eu me afeiçoei aos quatro ou cinco cães vira-latas que me recebem no ponto de ônibus à noite e me acompanham por duas quadras até a porta de casa.    Veja álbum de fotos Esses animais levam uma vida decente. Guardiões autonomeados dão comida no inverno e água no verão. A esposa do médico está sempre cuidando de um gato doente. Com frequência, ao lado do gel de cabelo na prateleira da barbearia, há um corvo se recuperando de uma asa machucada. A mulher responsável pela loja de eletrodomésticos cuida para que todos os cães locais sejam vacinados e castrados. Viva e deixe viver é o lema. Os cães latem à noite defendendo seu território e se tentássemos nos livrar deles, apenas teríamos uma matilha diferente em seu lugar.   Eu descobri que um dos meus vizinhos é um advogado e chefe da Federação dos Direitos dos Animais. Ele investe contra a venda não regulamentada de animais, zoológicos e aquários mal administrados e o fracasso em criminalizar a crueldade contra animais. Seu nome é Ahmet Senpolat, e ele lidera uma campanha local para fechar os buracos no que descreve como fiscalização ruim de uma legislação fraca. No início do ano passado, ele até mesmo teve uma reunião de duas horas com o primeiro-ministro, durante a qual fez lobby por leis mais duras.   Antes não tivesse feito nada, ele sente.   Recentemente, o Ministério do Meio Ambiente e Florestas apresentou um projeto de lei propondo tirar os animais das ruas e colocá-los em “parques de vida selvagem”. “Campos da morte” é como Senpolat os descreve, imaginando um mundo cão literal.   O esquema lembra a grande catástrofe animal de 1910, quando um novo governo modernizador deportou milhares de cães para uma pequena ilha próxima de Istambul. O vento trazia para a cidade os uivos assustadores dos animais passando fome.   Outras vozes se ergueram no domingo, quando milhares de pessoas de cidades por todo o país marcharam contra a nova lei. A primeira coisa que o Parlamento fez na manhã de segunda-feira (1°) foi retirar o projeto de lei.   Protestos civis não são incomuns na Turquia, mas é incomum o governo dar ouvidos.   O lobby dos direitos dos animais ainda não venceu: o governo pode muito bem apresentar outro projeto de lei. Logo, me diz Senpolat, haverá outra marcha neste domingo (7) em Ancara, para defender os direitos dos animais de rua de continuarem perambulando por bairros como o meu, onde são bem-vindos.   Há outro precedente esperançoso para pensar que outros protestos podem ser bem-sucedidos. Em meados dos anos 1860, Mark Twain escreveu sobre Constantinopla: “Assim que o sultão propôs matar todos os cães daqui, e deu início ao trabalho –a população se manifestou com tamanho horror a respeito que o massacre foi suspenso”. Que os protestos continuem por muito tempo.     *Andrew Finkel é correspondente estrangeiro em Istambul há mais de 20 anos, assim como colunista para jornais de língua turca. Ele é autor do livro “Turkey: What Everyone Needs to Know”.  

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