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Crise financeira na Espanha afeta o principal jornal do país

Raphael Minder e Eric Pfanner

Em Madri (Espanha) e Paris (França)

O “El País” se estabeleceu como o principal jornal da Espanha no final dos anos 70, servindo como testemunha na linha de frente do período formativo em que a Espanha voltou à democracia, após a morte do ditador Francisco Franco. Agora o jornal passa por seus próprios tempos turbulentos.   Na terça-feira (23), a redação do jornal realizou uma paralisação de duas horas, com líderes trabalhistas alertando para uma greve mais prolongada, depois que a direção anunciou os planos de corte de um terço do pessoal para compensar a queda da receita.   “Não se demite um terço do pessoal simplesmente assim”, disse um jornalista do jornal sob a condição de anonimato, por causa da sensibilidade da situação. “é uma contradição na história da empresa, que sempre buscou o bem-estar de seus funcionários.” Veja álbum de fotos   Até este ano, o “El País” conseguiu evitar as perdas que atingiram o setor de jornais em todo mundo, à medida que enfrenta a transição para a publicação digital. Na primeira metade deste ano, ele teve um lucro líquido de 1,8 milhão de euros.     LEIA MAIS "El País" é lucrativo, diz sindicato dos jornalistas Dívida espanhola aumentará por causa da recapitalização dos bancos  Mas o fato de “El País” ter sucumbido reflete a profundidade da recessão na Espanha –na terça-feira, o Banco da Espanha disse que a economia contraiu em 0,4% no terceiro trimestre– assim como alguns fatores particulares do jornal.   A direção alertou que o “El País” teria prejuízos ao final do ano a menos que realizasse cortes drásticos. Além das demissões, o “El País” reduziria o salário dos funcionários não demitidos em 15%.   Desde o início da crise, dezenas de jornais fecharam por toda a Espanha, e 8.000 jornalistas perderam seus empregos, segundo a Federação das Associações Espanholas de Jornalistas. Um jornal nacional, o esquerdista “Público”, encerrou sua edição impressa neste ano e passou a ser apenas online. Enquanto isso, três importantes jornais de direita –“El Mundo”, “ABC” e “La Razón”– estão sob pressão para consolidação, visando conter os crescentes prejuízos.   Apesar de jornais em quase toda parte estarem promovendo cortes enquanto lidam com a transição para a publicação digital, a recessão da Espanha provocou uma queda muito forte na receita publicitária. A Magna Global, a agência de compra de mídia, previu que os gastos em propaganda cairiam 8,4% na Espanha neste ano, o quarto declínio em cinco anos, o que significa que o mercado publicitário espanhol ficaria neste ano 37% abaixo do nível de 2007. Outra agência, a ZenithOptimedia, espera que a queda neste ano na Espanha seja ainda maior, 12,2%, em comparação ao declínio de 0,7% para a Europa Ocidental como um todo. Veja álbum de fotos   Em uma disputa cada vez mais profunda no “El País”, os funcionários pediram pela renúncia do diretor Javier Moreno, argumentando que ele tentou usar táticas duras para impedir os jornalistas de deixarem de assinarem seus artigos em protesto pelos cortes e que ele exacerbou as tensões na redação.   Mas em uma entrevista, Moreno insistiu que apenas pediu aos funcionários que respeitassem os termos do estatuto editorial acertado em 1980, que limita o direito de remover a assinatura. Moreno acusou alguns funcionários de colocarem em risco a reputação do jornal, ao disseminarem comentários depreciativos online sobre sua direção. Isso, ele alertou, poderia causar mais danos ao “El País” do que a greve planejada.   “Há o direito legal de greve, mas é irresponsabilidade permitir que ações trabalhistas prejudiquem seriamente a imagem do jornal”, ele disse.   As demissões no “El País” ocorrem enquanto sua proprietária, a Prisa, continua a enfrentar dificuldades com sua enorme dívida, dois anos após uma injeção de 900 milhões de euros por parte da Liberty Acquisition Holdings, uma empresa de investimento com sede em Nova York, que por sua vez assumiu o controle majoritário da Prisa em lugar dos familiares do cofundador da empresa, Jesús de Polanco.   A tomada pela Liberty transformou a Prisa de uma empresa de propriedade familiar em uma controlada por um grupo de financistas, fundos hedge e bancos de investimento. Mas a mudança de propriedade deixou Juan Luis Cebrián como presidente-executivo da Prisa. Cebrián iniciou a empresa ao lado de Polanco e então editou o “El País” por mais de uma década. A morte de Polanco em 2007 deixou Cebrián praticamente sozinho no comando enquanto a crise financeira mundial se desenrolava.   A Prisa acumulou um volume significativo de dívida, após aquisições caras e inoportunas, particularmente no mercado espanhol de televisão. Desde outubro de 2008, as ações da Prisa caíram 90%, de mais de 3 euros para 0,325 euro, deixando a empresa com um valor de mercado de 326 milhões de euros. Sua dívida é de 3,5 bilhões de euros.   Desde o anúncio das demissões, funcionários descontentes também se voltaram contra Cebrián, que acusam de ter afundado o “El País”. Cebrián conta com um dos maiores salários no setor de mídia, e funcionários descontentes distribuíram adesivos mostrando um Cebrián sorridente ao lado do slogan “149 demissões e 13 milhões de euros”, que é quanto o sindicato alega que Cebrián ganhou no ano passado.   “Cebrián já conseguiu destruir a Prisa e agora está fazendo o mesmo com seu principal jornal, recebendo um alto salário para isso”, disse Manuel González, presidente do sindicato dos funcionários do “El País”. “Ele considera o ‘El País’ como sendo uma criatura sua e que agora pode fazer o que bem quiser, até mesmo comê-lo vivo como em uma das pinturas de Goya.”   Cebrián não retornou o pedido de comentário enviado por e-mail na semana passada. Moreno, entretanto, defendeu Cebrián e argumentou que foi “um espanto” o “El País” ter conseguido permanecer lucrativo até este ano, além de ganhar uma maior fatia de mercado.   “Os problemas do ‘El País’ são os mesmos que os da ‘Newsweek’, ‘The New York Times’, ‘The Guardian’ ou ‘Le Monde’”, ele disse, “aos quais precisamos acrescentar, é claro, as dificuldades enfrentadas por qualquer empresa operando atualmente na Espanha”.   Moreno reconheceu que limitações econômicas forçaram recentemente o jornal a aceitar algumas viagens pagas e outros convites, mas não a ponto de comprometer os padrões de jornalismo do jornal. Ainda assim, ele disse, as demissões planejadas são essenciais para assegurar que o “El País” permaneça financeiramente viável.   “A independência deste jornal é baseada em sua solidez financeira, de modo que se for permitido que o jornal passe a ter prejuízos, essa independência estará ameaçada”, ele disse. Veja álbum de fotos  

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