Exclusivo para assinantes UOL

Depois da abertura para a democracia, a "corrida do ouro" em Mianmar

Joshua Kurlantzick

  • Nyein Chan Naing/EFE

    A Nobel da Paz Aung San Suu Kyi

    A Nobel da Paz Aung San Suu Kyi

à medida que foi ficando claro que as sanções ocidentais a Mianmar seriam suspensas, a outrora sonolenta Yangon passou a lembrar uma cidade tomada por uma corrida do ouro. Os poucos hotéis de padrão mais elevado no centro da cidade, que no passado ficavam sempre tão vazios que podia-se caminhar por vários andares deles sem que se visse ninguém, estão agora fazendo reservas com meses de antecedência. Todos os dias, delegações visitam Yangon e Naypyidaw, a capital do país. As conferências, um fenômeno novo em Mianmar, estão se tornando comuns: conferências sobre a indústria do petróleo, o setor de auxílio humanitário, reformas da lei de imprensa e o setor financeiro. O povo de Mianmar está começando a adotar novos jargões e a falar de “capacidade de construção” e de “engajamento sustentável”. Nas ruas, vendedores ambulantes oferecem souvenires, lanches e jornais. Indivíduos que retornaram do exílio estão abrindo restaurantes para os visitantes, enquanto que os agentes de viagens, que no passado enfrentavam grandes dificuldades, estão cheios de clientes. A abertura em Mianmar teve início quando o regime militar deixou o poder, após as eleições fraudadas de novembro de 2010. Um novo governo, liderado por Thein Sein, um oficial do exército da reserva, permitiu que a oposicionista Liga Nacional pela Democracia, liderada por Aung San Suu Kyi, exigisse novas eleições após anos de repressão. Essas novas eleições, que foram dominadas pelo partido de Suu Kyi no início de abril, foram as primeiras eleições livres de Mianmar desde 1990, e com elas a oposição ingressou no parlamento. Suu Kyi aceitou com satisfação uma parceria com Thein Sein, e reservadamente disse aos seus correligionários que acredita que as motivações do presidente são genuínas. Em meados de abril, o primeiro-ministro britânico David Cameron fez a primeira visita de um líder ocidental importante ao país em décadas. Tudo isso fez com que os investidores passassem a ver em Mianmar um potencial mercado emergente. No inverno e no início da primavera do hemisfério norte, delegações de companhias europeias, norte-americanas, japonesas e cingapurianas viajaram a Mianmar, e poderosos investidores individuais e de risco têm planos para investir no país. Bancos como o Standard Chartered estão interessados em se estabelecer em Mianmar, da mesma forma que grandes companhias, como a Suzuki. Conforme disse recentemente à imprensa Mark Mobius, do grupo Templeton Emerging Markets, “Mianmar encontra-se provavelmente naquela posição em que a Tailândia se encontrava em 1970. Eles contam com diversos ingredientes que poderão conduzir a um altíssimo crescimento”. Até recentemente, a ideia de que bancos e corretores de investimentos se empenhassem em ingressar em Mianmar teria sido recebida com incredulidade. Vários abusos contra os direitos humanos perpetrados pelo governo mianmarense fizeram com que o Ocidente impusesse sanções ao país na década de 90. Isso só fez com que piorasse um clima que já era ruim para os investidores, que muitas vezes viram-se lidando com um governo imprevisível e frívolo, que tendia a nacionalizar projetos ou até mesmo a cancelá-los subitamente. Campanhas de grupos de defesa dos direitos humanos obrigaram companhias como a British American Tobacco a deixar o país. Ao contrário do Ocidente, outros países como Coreia do Sul, Cingapura, Tailândia, índia e China não impuseram sanções contra Mianmar. Assim, uma companhia de telecomunicações norte-americana, europeia ou japonesa com planos de expandir os seus negócios entrando no mercado de Mianmar teria que competir com a gigante coreana Samsung, que jamais deixou o país. Companhias petrolíferas ocidentais que desejavam contratos do governo mianmarense teriam que competir com a China National Petroleum Corporation. Apesar dos sentimentos anti-chineses de certos indivíduos em Mianmar, as companhias chinesas encontram-se tão enraizadas no país que teria sido difícil vencê-las. Mas agora o governo liberalizou as leis de investimento, liberou a moeda da sua anterior taxa de câmbio dupla, que era confusa e corrupta, criou planos para acabar com as várias guerras civis que afligem o país, convidou o Fundo Monetário Internacional e outras instituições financeiras internacionais a retornar, acabou com a censura à imprensa e encorajou investimentos estrangeiros diretos. O governo também anunciou que começará a permitir a entrada de bancos estrangeiros no país. Tudo isso é positivo. Entretanto, embora uma comparação com as reformas promovidas na China e no Vietnã possa ser tentadora, no curto prazo Mianmar não irá se parecer com nenhum desses dois países asiáticos. A China e o Vietnã sempre tiveram uma infraestrutura civil e política robusta. Já Mianmar pode ser atualmente comparado a uma nação africana arruinada, como Angola. Mianmar foi isolado do mundo externo por um golpe militar em 1962. Cinco décadas de regime militar resultaram em uma nação empobrecida e dotada de pouca infraestrutura. Nas duas últimas décadas o governo militar arrasou a força de trabalho do país, fechando a maioria das universidades a fim de prevenir as manifestações contrárias às forças armadas. Atualmente Mianmar conta com pouquíssimos indivíduos dotados de um alto nível educacional. O crescimento virá, mas de forma lenta, pelo menos fora do setor de recursos naturais. Nem Suu Kyi nem Thein Sein tem controle total sobre a situação em Mianmar. Nos círculos da oposição democrática, alguns ativistas temem que Suu Kyi já tenha se aproximado demais do governo, fazendo com que fique potencialmente difícil para ela criticar o que Thein Sein faz. Circulam no país até mesmo boatos de que ela em breve assumiria um cargo no gabinete de governo, embora ela negue. Enquanto isso, embora Than Shwe, o ex-governante militar, pareça ter se aposentado formalmente, ele deixou vários elementos de linha dura no governo, alguns dos quais estão obstruindo o progresso democrático, a fim de preservar o poder para as forças armadas. Mianmar já passou anteriormente por períodos de abertura, em meados da década de 90 e no início da primeira década deste século, embora nenhum desses períodos tivesse sido tão significativo quanto o atual. Em ambas as ocasiões, esses elementos de linha dura simplesmente decidiram interromper as reformas e o país retrocedeu rumo ao autoritarismo.

Veja também

UOL Cursos Online

Todos os cursos