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O movimento "Occupy" está ficando vazio?

Stephanie Flanders

  • Saul Loeb/AFP

    Integrante do Occupy Wall Street protesta contra a Cúpula da Otan em Chicago (EUA), no último dia 18

    Integrante do Occupy Wall Street protesta contra a Cúpula da Otan em Chicago (EUA), no último dia 18

Dizem que aceitar que temos um problema é o primeiro passo no sentido de resolvê-lo. Isso pode ser verdade no que se refere a alcoólatras. Mas eu não sei se a afirmação se aplica a sociedades inteiras. Pergunte a qualquer pessoa o que ela acha do Occupy Wall Street, e ela provavelmente dirá que concorda com o movimento. Mas, a seguir, essa pessoa lhe dirá também que não sabe exatamente qual é o objetivo dele. Bem-vindo ao mundo dos 99%. Quando alguém diz que defende os interesses de quase todo mundo, é de se esperar que quase todos simpatizem com a causa. O que não se pode esperar é que haja muito acordo quanto ao que fazer. O livro “The Occupy Handbook” (“Manual do Movimento Occupy”) não é, estritamente, um guia para os protestos espontâneos que surgiram em mais de mil cidades em todo o mundo no outono setentrional de 2011 (e alguns desses protestos retornaram agora com o sol). Eu apostaria que a maioria dos mais de 50 intelectuais que contribuíram para esta coletânea --entre eles economistas e pensadores famosos como o colunista do “New York Times”, Paul Krugman, o jornalista britânico Martin Wolf e o ex-presidente do Federal Reserve dos Estados Unidos, Paul Vocker-- passou pouco ou nenhum tempo na Catedral de Saint Paul ou no parque Zuccotti. Mas, apreciados em conjunto, os artigos desse livro denso e de abordagem ampla ajudam a explicar por que, para citar a sua introdução, o movimento “Occupy Wall Street “tem a rara distinção de ser um movimento de protestos que até mesmo os alvos dos ataques encontram dificuldade para criticar”. O Spectrem Group, uma firma de consultoria para indivíduos ricos, alega que 68% dos milionários são favoráveis ao aumento de impostos para a sua própria classe. No entanto, é possível que isso se deva simplesmente ao fato de eles terem cometido um erro de cálculo. Outra pesquisa sugere que a metade dos 1% mais ricos acredita erroneamente pertencer aos 99%. O escritor Michael Lewis se divertiu um pouco com isso em um “memorando estratégico”, uma contribuição tipicamente sarcástica, dirigida aos 1%. “O fato de um ser humano ser capaz de ganhar US$ 344 mil por ano sem ter a capacidade de identificar a que lado pertence em uma guerra de classe na qual ele está engajado indica que nós deveríamos restringir a participação nesse clube aos indivíduos realmente ricos”. Ao se depararem com uma campanha por mudanças, os defensores do status quo geralmente recorrem àquele arrazoado padrão: as propostas são ou demasiado modestas para fazer qualquer diferença ou excessivamente ambiciosas para que sejam factíveis. O movimento Occupy Wall Street escapou até o momento dessa crítica, mas apenas porque ele não foi capaz de produzir nenhuma proposta concreta. Seria isso um problema? Muitos analistas tendem a achar que sim. Mas os escritores que contribuíram para essa coletânea oferecem dois tipos de argumentos para defender a ausência de especificidade nas demandas dos manifestantes. Um deles é a resposta anarquista dada por David Graeber, que tem um envolvimento profundo com o movimento (ele teria sido o criador da frase “Nós somos os 99%”). Ele sugere que a falta de demandas concretas é por si só uma parte do protesto. Não se pede nada às autoridades, já que isso sugeriria que o “sistema” é legítimo. Muitos dos indivíduos que se reuniram no parque Zuccotti poderão acreditar nisso. Mas aqueles que só se encontram dentro da tenda do Occupy Wall Street de forma metafórica não aceitarão essa explicação. Wolf não tem nada a ver com o anarquismo. E tampouco Volcker. E muito menos o economista Nouriel Roubini (ser simplesmente do contra não vale). Outra defesa é de natureza histórica. Vários autores apontam para várias campanhas sociais populares --como os movimentos populistas e progressistas ocorridos nos Estados Unidos mais ou menos no início do século 20. No que se refere aos programas, esses movimentos foram também uma bagunça. Mas isso não importa. O que tem importância é a ideia que os animava: indignação com a maneira como a concentração de poder econômico por parte dos chamados “barões ladrões” também se traduzia em uma concentração de poder político. Os autores argumentam que, com o passar do tempo, essa indignação infiltrou-se na estrutura política. O movimento progressista diluiu-se, mas os Estados Unidos acabaram obtendo uma lei contra os monopólios, um sistema tributário progressivo e outras reformas que ajudaram a conter a desigualdade durante várias décadas. Deveria o movimento Occupy Wall Street se concentrar nessas questões? Quebrar o poder dos monopólios e taxar os ricos até que estes guinchem de desespero? Muita gente deseja impedir que o sistema financeiro seja capaz de fazer o resto da economia refém. E quase todos são também favoráveis à imposição de impostos muito mais elevados para os ricos. Mas quem levar a sério as queixas compiladas nesse livro de mais de 500 páginas verá que isso é apenas o começo. Krugman fala basicamente por todos nesse livro ao dizer: “Nós só teremos boas políticas econômicas quando reduzirmos a desigualdade.” Mas ele sabe, mais do que a maioria das pessoas, que as causas do aumento da desigualdade são múltiplas e complexas. Isso não é algo que possa ser consertado apenas por regulamentações financeiras, tampouco por alguns impostos progressivos a mais. Conforme observaram vários colaboradores dessa coletânea, os sistemas de saúde e de educação desempenham um grande papel na consolidação das desigualdades --especialmente nos Estados Unidos. E outro fator que também contribui para a desigualdade social é a interdependência entre o dinheiro e a política. Segundo as palavras de Wolf, se o limite entre dinheiro e política não for bem fiscalizado, “o bazar (ou seja, a esfera do mercado) consumirá o fórum (a esfera da política). Para vários desses autores, uma reforma das regras para financiamento de campanhas políticas nos Estados Unidos seria o fator fundamental para possibilitar outras mudanças que já deveriam ter ocorrido há muito tempo. Talvez. Mas poderia tal reforma modificar a estrutura da economia global de forma a aumentar a demanda por trabalhadores não qualificados no Ocidente? Poderia ela fazer com que fosse mais difícil para os gerentes de uma grande empresa --ou de um grande banco-- capturar todos os rendimentos econômicos? Ou fazer com que os governos tivessem mais facilidade para extrair tributos de companhias como o Google? Poderia ela fazer com que uma esmagada classe média (e média alta) se dispusesse a pagar mais impostos para ajudar os mais desfavorecidos? Tenho minhas dúvidas. Eu entrevistei recentemente Ron Paul, o congressista libertarianista que disputa a vaga de candidato presidencial republicano. Eu acho que ele poderia concordar com muita coisa que se lê nos artigos desse livro --especialmente aqueles que afirmam que os Estados Unidos de hoje são uma costura gigantesca de governo e grandes corporações. Outro que poderia concordar com o conteúdo da obra é o pensador conservador Ferdinand Mount, que acaba de escrever um livro sobre a desigualdade. Aliás, Karl Marx também poderia concordar. Mas a concordância entre eles provavelmente acabaria aí. Nos próximos anos, é possível que nós venhamos a afirmar que o movimento Occupy Wall Street foi um catalizador para uma mudança radical nas políticas dos Estados Unidos, assim como os progressistas abriram caminho para várias das reformas instituídas por Roosevelt na década de trinta. Ou então nós poderemos ver o “The Occupy Handbook” como um reflexo de um período bastante peculiar na nossa cultura política, quando todos os que tinham alguma importância ficaram irremediavelmente deprimidos com os rumos que o mundo estava seguindo e adotaram uma posição estranhamente utópica no que se refere à disposição para mudá-lo.

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