Alimentação

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?Você não sente falta de cozinhar? Não, eu não sinto?

Francine Prose (*)

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    "Ninguém na minha família me ensinou a cozinhar"

    "Ninguém na minha família me ensinou a cozinhar"

Já se passaram quase 15 anos desde que eu ouvi um amigo do meu filho, que veio passar o fim de semana em casa, perguntar se eles poderiam comer ovos mexidos. Meu filho disse: “Claro, eu vou pedir para a minha mãe”. Em seguida, o amigo perguntou se eles poderiam comer ovos mexidos com cebola. Houve uma longa pausa. Finalmente, eu ouvi meu filho dizer: “Na verdade, talvez seja melhor esperar até meu pai chegar em casa para isso”. Isso deve ter sido na fase em que eu ainda cozinhava, mas estabeleci o limite de qualquer coisa com no máximo dois ingredientes, fora sal e pimenta. Isso foi a três quartos do caminho culinário que me levou de ser uma cozinheira ambiciosa para uma pessoa cujas (raras) incursões na cozinha agora são como uma subchefe iniciante. Ao longo do caminho, eu fiz uma berinjela à parmegiana para 40 pessoas e molho pesto de manjericão suficiente para alimentar os convidados no casamento de uma amiga. Quando meus filhos eram pequenos, eu podia fazer alguns poucos pratos populares confiáveis. Mas como não consegui progredir à medida que as modas culinárias mudavam, algumas das coisas que eu costumava fazer agora possuem um aspecto kitsch, histórico, para eles. Hoje em dia, especialmente quando ninguém está por perto, eu busco a fonte de nutrição e satisfação mais simples possível: tortilhas de milho, cobertas com queijo derretido no micro-ondas, então enroladas em um levemente encharcado, mas ainda assim delicioso taco. Qualquer coisa mais complicada parece estressante e me enche de indecisão e aborrecimento comigo mesma por geralmente perder a noção do que estou fazendo ou por não ser capaz de fazer alguns aparelhos domésticos funcionarem. Porém ainda sou obcecada por comida. Boa comida me deixa feliz – comida que é preparada em casa ou em restaurantes caseiros. Meu restaurante ideal é uma trattoria de cidade pequena, digamos, no sul da Itália, onde a vovó chega e lhe diz que as ervilhas e os espargos são frescos, e que tudo no cardápio é uma variação desses ingredientes. Mas eu me canso rapidamente de restaurantes. Felizmente, meu marido é o tipo de chef doméstico que faz pratos complicados parecerem fáceis de preparar. Ele é inspirado na combinação de condimentos, em descobrir instintivamente a textura perfeita e grau de crocância. à medida que ele foi ficando mais confiante e inventivo, eu gradualmente deixei todo o preparo da comida para ele. Ele é bom nisso e ele adora. Por que não? Ele também é um fanático por equipamentos, que reúne e faz a curadoria das ferramentas que atualmente estão penduradas como estalactites no teto de nossa cozinha. Eu aprendi a não perguntar quantas vezes ele vai usar o fatiador, a pedra para pizza, a peneira chinesa. Se ele tem, ele vai usar, e depois de um tempo nós vamos concordar: como é que nós pudemos pensar que poderíamos viver sem um fatiador, uma pedra para pizza e uma peneira chinesa? Muito antes de Mario Batali, Jamie Oliver e dos reality shows de gladiadores culinários nos lembrarem de que a maioria dos chefs é do sexo masculino, nós costumávamos brincar sobre meu marido escrever um livro de culinária intitulado “Cozinhar pode ser Coisa de Macho”. Ele supostamente começaria com uma frase, murmurada com a voz de Marlon Brando no início de carreira, cheia de testosterona: “Eu chutei minha esposa para fora da cozinha!” Era mais irônico do que verdadeiro. Em nossa casa não houve uma tomada hostil, mas algo como um movimento tectônico não registrado. Lentamente, meu marido e eu passamos a fazer o que gostávamos e fazíamos melhor. Eu prefiro comprar comida e ajudar a pensar no que poderíamos querer comer – e escrever no meu estúdio sob a luz serena do fim de tarde. Não sei se minha mãe alguma vez gostou de cozinhar. Ela gostava de provar que uma mulher podia trabalhar em tempo integral e ainda ser uma dona de casa perfeita dos anos 50. Ela acordava de madrugada e fazia tortas de pera e amêndoas antes de ir para a clínica. Se ninguém na minha família me ensinou a cozinhar, também é verdade, para crédito deles, que meus pais nunca me fizeram sentir como se cozinhar fosse algo que eu tinha que fazer para ser uma menina. Eles queriam que eu fosse uma médica, como eles. Não muito tempo atrás, uma amiga estava nos servindo uma deliciosa torta caseira de morango e ruibarbo que ela tinha comprado na mercearia local – uma torta feita por uma mulher que morava nas proximidades. Enquanto ela a comprava, um senhor idoso atrás dela na fila do caixa disse: “A garota está fugindo de seu assado esta noite”. Seu assado? Quando ela nos contou a história, eu silenciosamente agradeci à minha família – e a época em que eu cresci– por não me fazer sentir que cozinhar era algo que eu, como mulher, deveria fazer e, consequentemente, tinha que fugir. Quando meu marido e eu estamos trabalhando em casa, nós frequentemente estruturamos o nosso dia em torno do jantar: a conversa sobre a refeição da noite começa durante nosso café da manhã. O que está na geladeira, o que está na estação, o que comemos na noite passada, o que estamos com vontade de comer, o que não vai custar uma fortuna. Como alternativa, eu saio e escolho o que parece melhor no mercado dos produtores ou no supermercado, e meu marido decide qual será o jantar com base no que eu comprei. Um benefício acidental do homem da casa cuidar da cozinha é que nunca os nossos dois filhos imaginaram que cozinhar era “trabalho de mulher”. Aquele que disse ao seu amigo para esperar até que seu pai chegasse em casa para os ovos mexidos extravagantes não apenas cozinha, como agora está casado com uma mulher que cozinha tão bem quanto seu pai. às vezes uma pessoa me pergunta: “Você não sente falta de cozinhar? O seu marido nunca se cansa de cozinhar o tempo todo?” Não, eu não sinto falta, e quanto à segunda pergunta, eu não sabia, mas achava que não. Só para ter certeza, eu perguntei como ele realmente se sente sobre ser o único cozinheiro da casa. Ele disse: “Para você, não cozinhar é como ter seu personal chef. E você começa a tomar um monte de decisões. Funciona, porque a outra pessoa, eu ...meio que... insiste em cozinhar. Além disso, eu amo os equipamentos e você não. Se eu tiver que usar seis panelas eu vou, e você não vai querer lavar seis panelas”. Eu não podia discutir com o que ele disse. Então ele perguntou o que eu comprei na barraca de peixe do mercado dos produtores. Amêijoas e mexilhões, eu respondi. Talvez devêssemos cozinhá-los no vapor e mergulhá-los na manteiga de salsa. Manteiga de coentro, ele disse. Tudo bem, eu disse. Ele sugeriu fazer as amêijoas com manteiga derretida e os mexilhões com molho curry verde tailandês. Ele teria que cozinhar os mexilhões e as amêijoas em duas panelas separadas de qualquer maneira, então por que não fazer o curry? Excelente, eu disse.

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