Terremoto no Japão

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Insegurança financeira é uma das grandes preocupações dos jovens japoneses

Andy Davis

  • Itsuo Inouye/AP

    Mulher carrega a bandeira do Japão em rua de Tóquio

    Mulher carrega a bandeira do Japão em rua de Tóquio

Foi um momento desconfortável quando o trem ao norte de Tóquio parou em Fukushima, uma cidade agora sinônimo de acidente nuclear catastrófico. Após a breve parada, nós seguimos para o norte, para a região atingida pelo tsunami em 11 de março de 2011, que deixou 16 mil mortos confirmados e quase 3.000 desaparecidos.   De onde eu estava na cidade de Otsuchi, não era possível ver o mar, mas os carros amassados pela onda de 10 metros de altura se encontravam empilhados, ao lado de um carro de bombeiro destruído. Do outro lado do vale se encontravam as bases de concreto de casas, lojas e escritórios, destruídos pela água e depois demolidos. Kazuyuki Usazawa, um guia de 28 anos que perdeu sua noiva naquele dia, explicou que alguns morreram porque ficaram para trás depois do terremoto inicial, tentando encontrar familiares e vizinhos. Usuzawa disse aos visitantes: “Quando voltarem, abracem as pessoas que amam e digam isso para elas”. Mas ele também passou uma mensagem diferente. Aqueles que sobreviveram, incluindo cerca de 200 crianças na escola, partiram a tempo porque seguiram uma instrução bem simples: fuja para um local elevado e esqueça de todo mundo ao seu redor. As autoridades concluíram que essa deve ser a prática padrão no futuro.  Veja álbum de fotos   Se o Japão se tornar uma sociedade onde todo mundo buscar primeiro salvar a si mesmo, isso representaria uma mudança profunda. Não há dúvida de que o tsunami e o acidente nuclear em Fukushima foram um choque para a nação, apesar de alguns argumentarem que também reacenderam a capacidade de recuperação do pós-guerra, que transformou o Japão em um gigante industrial do mundo. Mas muitos dizem que o choque mais profundo sofrido pelo Japão vem dos 20 anos de paralisia econômica, que abalaram a sociedade japonesa de um modo diferente; mudando os tipos de emprego das pessoas, a forma como trabalham e até mesmo alterando as relações dentro das famílias.   O Japão enfrenta três problemas ao mesmo tempo: crescimento econômico dolorosamente lento, aumento da dívida pública e envelhecimento da população. Há alertas claros aqui para o mundo desenvolvido, onde muitos países compartilham os mesmos problemas –para a Europa, obviamente, para os Estados Unidos até certo ponto e para os países asiáticos, incluindo China, Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Tailândia. E a incapacidade do Japão de escapar de sua estagnação econômica significa que uma crise ainda maior está por vir. “A situação não é sustentável”, muitos reconhecem, ou como coloca Kohei Otuska, do Partido Democrático do Japão da situação: “O déficit e a dívida se assemelham a um terremoto. Ele pode ocorrer amanhã ou daqui a 10 anos, mas ocorrerá”.   Apesar do Japão, com seus robôs, microchips e arranha-céus, há muito oferecer aos visitantes uma visão do amanhã, outro motivo para visitá-lo hoje é ter um vislumbre de um futuro mais sombrio. Nos anos 80, o Japão estava por cima, a segunda maior economia do mundo, tanto que as livrarias estavam repletas de previsões de que ele logo superaria os Estados Unidos. Mas quando a bolha estourou, fazendo com que o valor dos imóveis e do mercado de ações despencasse, o Japão mergulhou em uma situação difícil da qual seus líderes não conseguiram encontrar uma saída.   A dívida pública disparou de 60% do produto econômico anual no início dos anos 90 para atuais 230%. O número de pessoas em idade de trabalho está encolhendo e, consequentemente, a receita de impostos; simplesmente não haverá no futuro pessoas em idade de trabalho suficientes para apoiar os idosos com pensões nos valores atuais. Há a crescente conscientização entre as pessoas mais jovens no Japão de que elas não desfrutarão da mesma segurança e apoio que seus pais desfrutaram.   Munetomo Ando, um professor associado de economia da Universidade Nihon, diz que, no momento, aproximadamente dois terços da força de trabalho estão empregados de modo permanente e seguro; são os funcionários clássicos de empresas japonesas, que trabalham toda sua carreira na mesma empresa, subindo a escada de senioridade na direção de uma boa aposentadoria. Os 35% que são trabalhadores temporários têm segurança mínima de emprego e pensões bem inferiores. Mas eles virtualmente não têm nenhuma perspectiva de mudar para o outro grupo. O fim da universidade é de longe o melhor momento para conseguir um emprego permanente, seguro. Fracasse em ser contratado e suas chances de sucesso posterior são extremamente pequenas.   Os números de Ando sugerem que aproximadamente daqui uma década, o número de trabalhadores temporários será tão grande quanto o de permanentes –um crescente contingente de japoneses excluídos na prática de um emprego seguro pelo resto da vida.   Uma consequência disso é que o Japão será em breve uma sociedade na qual um número significativo de pessoas se aposentará sem ter deixado a casa de seus pais. A proporção de pessoas com 35 anos a 44 anos vivendo com seus pais quase triplicou desde 1990 para 16% e continua subindo. Segundo Yamada Masahiro, um professor de sociologia da Universidade Chuo, algumas pessoas se retiram totalmente do mundo do trabalho e dependem da renda ou pensão de seus pais para sustento do lar.   Outras ganham o suficiente com os empregos temporários para financiar seu estilo de vida, mas não ganham o suficiente para casar, dado que as expectativas tradicionais de casamento não cederam à pressão econômica. Masahiro, que cunhou o termo “solteiros parasitas” para os japoneses em idade de trabalho que não são casados e vivem com os pais, diz que quase 70% das mulheres japonesas insistem que seu futuro marido ganhe pelo menos 4 milhões de ienes ( mais de US$ 48 mil) por ano. Apenas um quarto dos homens não casados supera esse obstáculo.  ONU quer monitorar os efeitos da radiação nuclear de pessoas em Fukushima TEPCO vai retirar combustível de parte da central de Fukushima  Mas as pesquisas mostram que um número crescente de pessoas aspira ter uma vida familiar tradicional e as alternativas permanecem socialmente à margem: apenas 1 entre 50 crianças nasce fora de um casamento e as taxas de pessoas que apenas vivem juntas são igualmente baixas.   Olhando para as “duas décadas perdidas”, o que o Japão poderia ter feito diferente é, sem causar surpresa, um tema muito debatido. Talvez o banco central devesse ter tentado ser mais agressivo no alívio monetário. E se o Japão tivesse feito mais para encorajar famílias maiores ou imigração em grande escala de trabalhadores estrangeiros? Mas essas opções produziriam mudanças sociais significativas, e a imigração continua sendo politicamente tóxica.   Por toda a crise, o sistema político japonês pareceu incapaz de produzir um governo capaz de fornecer uma solução. Desde 2006, houve seis primeiros-ministros. Outra eleição geral deverá ser realizada antes de meados de 2013; muitos acham que ela resultará em uma coalizão tripla entre o Partido Democrático do Japão, o Partido Democrático Liberal que dominou a política japonesa durante suas longas décadas de crescimento, e o Novo Partido Popular, o parceiro menor da atual coalizão liderada pelo PDJ. Toru Hashimoto, o prefeito carismático e populista de Osaka, anunciou recentemente o lançamento do Partido da Restauração do Japão, que está provocando tanto interesse quanto ansiedade. Mas poucos parecem achar que faria alguma diferença.   Certamente não há como o Japão superar seus problemas por meio de crescimento. Mesmo se a taxa de natalidade aumentasse, ter mais filhos estaria longe de ser uma solução fácil; pelos primeiros 20 anos de vida, aproximadamente, as crianças simplesmente inchariam o número de pessoas que dependem dos impostos pagos pela população em idade de trabalho. Assim, um momento de crise parece inevitável –um ponto em que o Japão será incapaz de cumprir suas obrigações de pagamento das pensões públicas ou junto aos detentores de papéis da dívida, que emprestaram demais.   Os países europeus, com o envelhecimento de suas populações, alto endividamento e, agora, recessão, enfrentam os mesmos desafios. A Alemanha enfrenta um declínio dramático na população em idade de trabalho entre agora e 2050 –e isso em um momento em que o país está assumindo crescentes passivos para ajudar a garantir o futuro do projeto do euro.   De modo menos óbvio, o exemplo do Japão é um alerta para grande parte da ásia; para a China e Cingapura acima de tudo, já que esses superastros da economia mundial podem repentinamente acordar e descobrir que seus trabalhadores se transformaram em aposentados.   Uma lição do Japão é que o agravamento intratável das finanças do país não é um evento, mas sim um processo. O progresso na direção de um calote financeiro acontece de modo tão lento que é quase impossível de ver, mas ele produz, ao longo de uma década ou duas, enorme mudança social.   Uma segunda lição é que a política democrática pode, no final, ser incapaz de promover a escala de mudanças necessária para enfrentar o problema. Governos sucessivos chegam e partem, seguros no conhecimento de que o momento da crise não ocorreu em seu mandato, enquanto o país caminha de modo constante na direção do precipício.   Terceiro, quando o momento finalmente chegar e o Japão não puder mais pagar suas dívidas, o senso poderoso de coesão social do país pode permitir que ele tolere a imensa redistribuição de riqueza que ocorreria, à medida que os padrões de vida da geração mais velha sofram uma pressão intolerável e sejam forçados a cair. Mas ninguém deve subestimar as tensões impostas por isso a uma sociedade, principalmente em toda a Europa, onde as imensas pressões sociais já estão se acumulando.   O Japão nos força a perguntar se nossas sociedades são fortes e flexíveis o suficiente para lidar com as imensas mudanças pelas quais estamos passando –acima de tudo com uma crise. Quando a dor precisa ser compartilhada por toda a Europa, seus cidadãos poderão descobrir que esse tipo de coesão social e solidariedade, ainda evidentes no Japão, estão perigosamente escassas.  

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