Autor da Ficha Limpa critica foro privilegiado e vê Lula fora da eleição
Wellington Ramalhoso
Do UOL, em São Paulo
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Sérgio Lima - 6.set.2012/Folhapress
Márlon Reis é pré-candidato ao governo do Tocantins pela Rede, partido de Marina Silva
O juiz inativo Márlon Reis, um dos autores da Lei da Ficha Limpa, resolveu se lançar na política. Filiado à Rede e pré-candidato ao governo do Tocantins, o advogado e jurista se diz contra o foro privilegiado para cargos como o que pretende ocupar e declara não temer o risco de ele mesmo se tornar um político ficha-suja no futuro. Ele diz ver pouca chance de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguir disputar a eleição deste ano.
Reis deixou a magistratura em 2016 e vinha trabalhando como advogado da Rede. Ele é integrante do movimento Agora!, que propõe uma renovação política no país e do qual também faz parte o apresentador Luciano Huck. Segundo as regras eleitorais, as convenções partidárias que vão confirmar as candidaturas devem ocorrer entre 20 de julho e 5 de agosto.
Apesar do otimismo com Marina Silva, líder de seu partido, e com a própria pré-candidatura no Tocantins, ele diz que não há condições para uma grande renovação no pleito deste ano. "O nosso sistema [eleitoral] inibe a velocidade de uma mudança."
Segundo ele, os candidatos da Rede vão contornar o problema do pouco tempo de propaganda no rádio e na TV de duas formas: fazendo alianças com outros partidos e investindo em campanha via redes sociais. Reis afirma, no entanto, que não fará alianças com candidatos enquadrados na Lei da Ficha Limpa.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista concedida por Márlon Reis ao UOL por telefone.
Foro privilegiado para cargos como o de governador
Sou contra o foro privilegiado e já, como advogado da Rede, propus no Supremo Tribunal Federal a limitação do foro. Enquanto não é extinto, pelo menos ele deveria ser limitado. Sou abertamente contra o foro privilegiado e continuarei sendo. Eu tinha foro privilegiado como juiz e isso não pesou em nada no sentido de me manter no Judiciário. Não tenho apego nenhum a esse tipo de situação.
Lula como candidato
A situação do ex-presidente Lula é hoje de inelegibilidade. A participação dele nas eleições de 2018 depende de duas possíveis circunstâncias. A primeira é que ele tenha prazo hábil para ver o recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça julgado com a conclusão pela reforma do acórdão do Tribunal Regional Federal e sendo definida sua absolvição. Essa é uma hipótese pouco provável, especialmente em virtude dos prazos.
A segunda hipótese é que ele obtenha uma medida liminar, que tem previsão expressa na Lei da Ficha Limpa para casos remotos em que se reconhece grave risco de privação da elegibilidade em situações em que houve uma aparente decisão injusta. Então, ou ele tem a reforma da decisão ou ele obtém essa medida liminar. Só disso depende a participação da candidatura. Se, por exemplo, ele obtiver essa liminar e por algum motivo for ordenada sua prisão, tecnicamente ele poderia participar das eleições mesmo preso. É uma hipótese na qual eu não acredito porque é a própria Justiça criminal e não a Justiça eleitoral quem decidirá sobre a concessão dessa liminar para a participação nas eleições. É possível tecnicamente, mas acredito que inviável na realidade do Judiciário.
Chances de Marina Silva na corrida presidencial
Não tenho a menor dúvida de que o pouco tempo de propaganda no rádio e na TV não é um problema que afetará a Rede por causa da possibilidade das coligações. Não acredito que uma candidata que está sempre figurando entre os primeiros colocados da corrida presidencial terá dificuldade de formar coligações e superar eventuais limitações de tempo da Rede.
Ela é uma candidata que não tem qualquer tipo de envolvimento em atos de corrupção. É uma pessoa ponderada, com uma postura mais ao centro, que é capaz de dialogar com os diversos segmentos. Contra uma polarização entre setores extremos, ela se apresenta bem como alternativa de mediação, de moderação e equilíbrio.
Chances de renovação e de quebra da polarização na política
Não acho que se deva ter tanta expectativa com relação a 2018 nos mais diversos planos. Nos estados, observo que em poucos lugares há realmente nomes novos disputando. No Legislativo, sim, vejo crescer o número de pessoas que participarão da disputa eleitoral. Mesmo assim há uma tendência de que o sistema não facilite a eleição dessas pessoas, mas elas fazem muito bem em participar e em trabalhar pelos mandatos.
As listas [de candidatos a deputado] são compostas pelos chefes partidários que definem praticamente de antemão quem será eleito. Sobra pouca oportunidade para os eleitores, uma vez que o financiamento de campanha já vai dividido para quem se quer que seja eleito. E as candidaturas de pessoas com capacidade de derrotar os preferidos das cúpulas partidárias não são aceitas. O nosso sistema inibe a velocidade de uma mudança.
No plano nacional, observamos que os "players" continuam sendo os que já estavam de alguma forma no cenário, o que não invalida a possibilidade de a população promover inovação votando em quem ainda não teve a oportunidade de administrar o país, como é o caso da Marina Silva.
O motivo da candidatura ao governo do Tocantins
Deixei a magistratura para advogar. Não havia um plano de ser candidato. A minha candidatura não nasce do Judiciário, não vem de posições minhas como juiz, não tem a ver com decisões que tomei ou com a repercussão de condenações ou outras decisões judiciais que eu tenha proferido. Ela está relacionada a movimentos sociais anticorrupção e de luta por transparência. Faço questão de separar completamente as duas coisas [a magistratura e a política].
A candidatura ao governo do estado do Tocantins surgiu em virtude de uma série de convites e de análises de pessoas dos mais variados perfis que foram se somando até eu começar a observar isso como uma necessidade e um projeto viável.
Critérios para fazer alianças eleitorais
Buscaremos alianças, sim. Só que nós temos critérios rigorosos que foram definidos sobre com quem não podemos nos aliar. Fixamos dois pontos de partida. Primeiro, é que não teremos proximidade com pessoas que estejam submetidas aos critérios da Lei da Ficha Limpa, dirigentes partidários ou gestores enquadrados em qualquer dos aspectos da lei. O outro elemento é que não nos aliaremos aos que já governaram o estado. Entendemos que o quadro é grave e reclama uma mudança profunda. Por isso não haverá aliança com aqueles que já governaram o Tocantins [o estado é governado atualmente por Marcelo Miranda (MDB)].
Estamos visitando partidos e passando a mensagem de que buscaremos o diálogo. Ainda estamos longe do momento das convenções. O momento é de apresentação da nossa pré-candidatura.
Risco de se tornar um ficha-suja no futuro
Não temo, de maneira nenhuma. O que tem acontecido é gestão irresponsável e mesmo má-fé, desvios públicos que estão gerando condenações. E não pretendo praticá-los. Pelo contrário. Um dos meus principais objetivos é transformar Tocantins num modelo de transparência, de controle de contas públicas. A sociedade será chamada a participar do controle, efetivamente. Então, em lugar de ter medo em relação a isso, tenho um projeto de transformar Tocantins numa referência de transparência e controle.
Os governantes brasileiros precisam aprender que não são ordenadores de despesas. [O governante] Não pode se envolver com decisões relacionadas à gestão do dinheiro, mas sim com a gestão política, com tomadas de decisões de governo. Essa confusão entre a conduta como gestor financeiro e econômico e como gestor político é que fragiliza e coloca em risco até a liberdade de muitos governantes.
Campanha nas redes sociais
A base da minha campanha será composta pelas redes sociais e por visita diretas às comunidades. Nossa militância será toda voluntária. Os pagamentos que faremos serão para serviços profissionais que não podem ser substituídos pelo voluntariado, como empresas de comunicação, e serão feitos na dimensão daquilo que nós viermos a ser capazes de captar voluntariamente com pessoas físicas, como determina a lei.
Nós temos mais de 1.500 voluntários no Tocantins e esse número vem se ampliando. Nossas reuniões com as comunidades já vêm sendo organizadas e realizadas totalmente por força do voluntariado local.
Planos para o Tocantins
O estado sofre com um nível alarmante de queda de investimento. Isso gera uma situação de penúria nas contas públicas pela carência de arrecadação e um quadro de desemprego e falta de oportunidade, especialmente para os mais jovens. Então o primeiro ponto no estado do Tocantins é recuperar a capacidade de investimento, tanto no setor público como na atração de investimentos privados. Sem isso não será possível equilibrar as contas públicas e voltar a aplicar recursos efetivamente em áreas chave como saúde, educação e segurança pública.
Não tenho a menor dúvida do imenso potencial do Tocantins para uma expansão econômica num prazo relativamente curto, eu diria sem nenhum tipo de populismo. O estado do Tocantins tem vocações econômicas evidentes que não estão sendo minimamente aproveitadas: no campo da geração de energia, no campo da economia rural, em que não há quase nenhum tipo de agregação de valor por parte da agroindústria.
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