Bolsonaro usa aeroportos para "testar" popularidade em tempo real

Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília e Salvador

"Alguém pode me xingar de homofóbico, racista... mas, até agora, nada", avisou o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ) à reportagem do UOL, minutos depois de entrar na área de embarque do aeroporto de Brasília. De lá, ele viajaria até Salvador para cumprir mais um ato de sua pré-campanha à Presidência da República, na última quinta-feira (24).

Bolsonaro, 63, chegou no aeroporto da capital federal por volta das 8h20, a pouco mais de uma hora do voo para a Bahia. Mal havia saído do carro, deu início ao teste de popularidade em tempo real que tem realizado em diversas cidades brasileiras, entre embarques e desembarques. Desta vez, pelo menos, a previsão do presidenciável não vingou.

Desde o primeiro minuto, ele foi abordado por apoiadores com pedidos para tirar fotos --quase sempre selfies-- ou gravar vídeos. "Ele não consegue dar cinco passos sem ser parado", observou o presidente do diretório estadual do PSL no Ceará, Heitor Freire, que o acompanhou na viagem. Não é uma afirmação exagerada, pelo que pôde presenciar a reportagem. Há momentos em que Bolsonaro sequer consegue sair do lugar antes de atender a três, quatro ou cinco simpatizantes.

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As cenas de assédio ao deputado foram transmitidas ao vivo na página de Bolsonaro no Facebook durante mais de 25 minutos ininterruptos. Enquanto gravava o presidenciável pelo celular, Freire comemorou quando a audiência do vídeo chegou a 5.000 usuários. Quatro dias depois, as imagens já haviam sido assistidas 260 mil vezes pela rede social, onde o deputado tem mais de 5,4 milhões de seguidores.

Já a rejeição de aproximadamente 50% apontada por pesquisas eleitorais quase não se materializou durante a passagem do pré-candidato pelo aeroporto brasiliense. "Melhora, meu filho", sugeriu, de longe, uma passageira que se dirigia a outro portão de embarque. Bolsonaro não ouviu ou ignorou a manifestação solitária. Continuou recebendo cumprimentos dos possíveis eleitores.

Gustavo Maia 24.mai.2018 /UOL
Jair Bolsonaro é parado por eleitora para tirar selfie no aeroporto de Salvador

Outra mulher que passou por ele comentou baixinho com o companheiro que fingiria que nem conhece o presidenciável. Mais adiante, uma senhora que estava à frente do deputado na esteira rolante parou ao perceber sua presença e, sorridente, se apresentou como pré-candidata do PSDB –não informou seu nome ou o cargo que pretende disputar.

A tucana logo ofereceu um conselho ao presidenciável. "Você é uma pessoa muito aguerrida, mas bate mais leve", disse. "Em quem?", replicou Bolsonaro. Não houve resposta. Os dois sorriram e seguiram seus caminhos.

Com um cocar depositado no carrinho de mala do aeroporto, Jair Cineasta, 30, como se identificou, pediu para gravar um vídeo de Bolsonaro com o próprio celular. Com um sorriso no rosto, o presidenciável não hesitou e logo começou a responder perguntas do xará. Instado a comentar por que não gosta das populações indígenas, o presidenciável começou a resposta chamando o interlocutor de "nosso irmão".

"O que nós queremos é que os índios cheguem à situação que você está e muito mais e muito superior. Queremos é integrar o índio a nós, brasileiros", afirmou o pré-candidato. Em seguida, citou a experiência do pelotão de fronteira do Exército, do qual é capitão reformado, que permitiu a índios ter acesso a dentistas e médicos ou "ver televisão", segundo Bolsonaro.

Reprodução 24.mai.2018
Nos aeroportos, são poucos os que se aproximam de Bolsonaro para contestá-lo. Foi o que fez Jair Cineasta

Jair Cineasta insistiu na pergunta: "você é contra indígena?". O deputado federal, que já afirmou ser contrário à política de demarcação de terras para povos indígenas ou quilombolas, respondeu sorrindo que, "se fosse, estaria olhando feio" para ele. "Você quer voltar para dentro de uma reserva indígena e viver enclausurado lá?", rebateu. "O ser humano nasceu para sempre evoluir. Os que dizem que defendem querem vocês dentro de uma terra indígena como se fosse até animal de zoológico", acrescentou.

Ao UOL, o entrevistador de Bolsonaro contou que é da etnia kuikuro, da região do Alto Xingu (MT). "Ele fala um monte mal de povos originários do Brasil. Fica falando um monte de racismo contra todos. Fica falando um monte de merda", justificou, com sotaque carregado de quem não parece ter tido o português como primeira língua. "Por favor não escreva que eu apoio ele", pediu o xará indígena de Bolsonaro à reportagem.

A oposição a Bolsonaro nem sempre foi tão discreta. Em 2016, ele foi recebido no mesmo aeroporto por um grupo de opositores que o chamou de "racista", "fascista" e "estuprador", ofensa que fazia referência ao episódio em que ele disse à deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) que não a estupraria "porque ela não merece". Uma semana antes, ele se tornara réu no STF (Supremo Tribunal Federal) por conta da declaração, de 2014.

Nos últimos anos, aeroportos e aviões de carreira têm se tornado palco de demonstrações de hostilidade contra políticos. Os alvos são democráticos e variaram desde o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) e seu correligionário Romero Jucá (RR) ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ). Recentemente, a Polícia Federal foi acionada para escoltar o ministro Gilmar Mendes, do STF, na saída de um avião.

Desarmado

Apesar de se mostrar quase sempre radiante em aeroportos, Bolsonaro admite um desconforto que enfrenta em suas andanças pelo país, intensificadas há pelo menos três anos, quando manifestou pela primeira vez a intenção de chegar ao Palácio do Planalto.

"Desarmado, eu me sinto pelado", contou o deputado, abrindo o paletó para expor a cintura, onde ficaria guardado o utensílio. Ele explicou à reportagem que não anda armado nessas situações para evitar que, no meio da aglomeração que geralmente o espera em viagens como essa, alguém possa pegar sua arma.

Durante seu desfile pelo aeroporto, no entanto, o presidenciável não demonstra qualquer resistência às abordagens, embora esteja sempre acompanhado por um segurança. A reportagem presenciou, por exemplo, ele atender ao pedido de um apoiador e gravar um vídeo citando o nome de um vereador de uma cidade do interior do Piauí.

Em um gesto de cortesia, Bolsonaro ofereceu um dos salgados comprados em uma lanchonete do saguão de embarque à reportagem do UOL, que recusou, informando que já havia tomado café da manhã. "Já comido?", indagou o presidenciável, em tom de humor.

Ao ser fotografado com um apoiador aparentemente sexagenário, na horizontal e na vertical, o deputado brincou com o interlocutor perguntando se ele pretendia exibir sua barriga avantajada. "Antes era dos carecas que elas gostavam mais, agora é dos barrigudos", comentou, acrescentando que a protuberância estomacal hoje é sinal de riqueza.

Ao entrar no avião, Bolsonaro não era o único famoso no recinto que viajou da capital federal à baiana. Sentado perto da janela, na poltrona 4A, logo na entrada da aeronave, o cantor Bell Marques, ex-vocalista da banda Chiclete com Banana, chamava atenção com sua bandana sobre a cabeça.

Ele também não era o único parlamentar a bordo. Bolsonaro teve que passar pela deputada federal Alice Portugal (PCdoB-BA), que estava sentada na poltrona 2D, no corredor. No ano passado, ela liderou a bancada do partido comunista na Câmara.

A entrada do presidenciável no avião transcorreu sem sobressaltos até que ele chegasse à penúltima fileira do avião e se sentasse na poltrona 32C --no corredor. Foi interrompido poucas vezes, mas o percurso foi acompanhado pelas câmeras –frontal e traseira—de celulares de outros passageiros.

Ao fim do trajeto, ele foi cumprimentado pelo comandante da aeronave. Segundo integrantes de sua equipe, isso costuma ocorrer em todos os voos que ele pega. Na saída da aeronave, em Salvador, ele era esperado por uma equipe do aeroporto e por servidores da Polícia Federal. Fez questão de falar com cada um deles.

Apoteose

Como já havia acontecido em outros aeroportos do país, em Salvador havia uma multidão a sua espera. "Mito, mito", repetiam aos gritos os militantes que foram recebê-lo. No meio das centenas de apoiadores --a Polícia Militar da Bahia não divulga estimativas de público-- Bolsonaro foi carregado nos ombros de um deles.

"O capitão chegou", bradavam. O presidenciável então ficou de pé sobre um carro, empolgou-se e chutou um "pixuleco", boneco inflável que representa o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vestido de presidiário. Aos seus, falou em um megafone. Cada movimento era registrado pelas câmeras dos smartphones erguidos pelos apoiadores.

Gustavo Maia/UOL - 24.mai.2018
Bolsonaro é segurado no topo de um carro para falar à militância
Como tem feito em toda a pré-campanha, Bolsonaro e sua equipe prezam pela imagem de espontaneidade e de improviso em seus atos. Nada é programado com muita antecedência. Os vídeos que registram suas viagens pelo Brasil passam por pouca ou nenhuma edição e geralmente são distribuídos pelas redes sociais ou via WhatsApp.

Apesar de já ser suficiente para muito de seus apoiadores tirar selfies com ele, a cúpula do PSL na Bahia tentou organizar uma espécie de palanque no aeroporto. Segundo a presidente estadual do partido, Dayane Pimentel, três microfones queimaram antes da chegada do presidenciável, que fez então um breve discurso em um megafone, do topo do carro da dirigente partidária.

O deputado deixou o local depois que um funcionário do aeroporto fez um apelo para que o ato fosse encerrado. "Por favor, a gente já tá com o aeroporto todo parado", disse ele a lideranças do PSL.

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