Bolsonaro vendia bolsa feita de paraquedas para completar renda de militar

Eduardo Militão

do UOL, em Brasília

  • Arquivo pessoal

    Em foto de arquivo, Bolsonaro joga basquete com amigos da brigada paraquedista

    Em foto de arquivo, Bolsonaro joga basquete com amigos da brigada paraquedista

O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), deputado federal e capitão reformado do Exército, vendia aproximadamente de 20 a 30 bolsas por semana usando paraquedas do quartel. A matéria-prima era arrematada por ele nos anos 1980. Em entrevista ao UOL, o deputado disse que se tratava de uma "venda informal" em que eram vendidas de "20 a 30 bolsas por semana".

O hoje candidato a presidente contou que ganhava "menos de US$ 1 mil" por mês como militar à época, o equivalente a R$ 3.682 hoje, e que a venda servia para complementar a renda.

Bolsonaro chegou a ser advertido por isso, fato que foi registrado em um processo no Superior Tribunal Militar (STM) a que ele respondeu. De acordo com o presidenciável, ele comprava os paraquedas arrematando-os no quartel. Em depoimento prestado em 14 de dezembro de 1987, o então capitão disse que o lucro foi "mínimo".

A empreitada aconteceu em sociedade com um alfaiate do quartel, não identificado no processo e não localizado pela reportagem do UOL. Um ano antes, em 21 de março de 1985, o militar foi designado como orientador de permissionários que atuavam na cantina e na alfaiataria do quartel. "No ano de 1986, em entendimento com o alfaiate do 8º GAC Pqdt [Grupo de Artilharia de Campanha Paraquedista, da Brigada de Infantaria Paraquedista], foram confeccionadas bolsas de nylon (tira colo)", afirmou Bolsonaro, em depoimento em 14 de dezembro de 1987.

"Resolveu cortar três pára-quedas [sic] T-10, arrematados em alienação realizada na Bda Inf Pqdt [Brigada de Infantaria Paraquedista] e fornecidos ao alfaiate para que o mesmo confeccionasse as referidas bolsas e as vendesse", continuou o presidenciável.

Bolsonaro deu 44 saltos de paraquedas durante seu período no Exército, segundo os registros de sua "Folha de Alterações", o diário que o Exército mantinha a respeito dos militares na caserna.

O UOL conversou com o candidato em frente ao seu gabinete, um corredor no anexo III da Câmara, em 3 de outubro do ano passado, ocasião em que ele ordenou que um de seus assessores filmasse o repórter enquanto a entrevista acontecia.

Se eu estou vendendo 20 a 30 bolsas por semana fora do quartel, eu não vejo ilegalidade nisso."

Jair Bolsonaro (PSL), candidato a presidente da República

"Eu ganhava menos de US$ 1 mil por mês e tinha três filhos", disse o presidenciável. "Eu não ia fazer besteira. Dentro do quartel, depois do expediente, o comandante me viu, certa vez, cortando paraquedas lá dentro, e falou para nem aquilo fazer mais, mesmo sendo fora do expediente. Isso foi cumprido."

Na entrevista, ele garantiu que "não tinha comércio dentro do quartel". A informação contraria o que o próprio Bolsonaro disse ao Conselho de Justificação em 1987: "Perguntado se a venda das bolsas foi realizada dentro do quartel, respondeu que a de algumas sim". Veja a íntegra do depoimento. A reportagem alertou o deputado da mudança nas declarações dele, mas o parlamentar insistiu: "Houve algum equívoco aí."

O UOL procurou a assessoria de Bolsonaro novamente durante os últimos dias. Foram deixados recados em seu gabinete, por correio eletrônico e mensagem de texto, a três assessores do deputado e do PSL. No entanto, não houve resposta.

Advertência contra "transação comercial"

O superior de Bolsonaro, coronel de artilharia Ary Schittini Mesquita, não gostou quando descobriu a "transação comercial" do subordinado. "Soube de uma transação comercial com paraquedas adquiridos pelo Justificante [Bolsonaro] e transformados em bolsas pelo alfaiate da unidade", lembrou ele, em depoimento em 22 de dezembro de 1987, perante o Conselho de Justificação do Exército.

Schittini, hoje falecido, foi reclamar. "Tão logo tomou conhecimento, advertiu o oficial para que cessasse tal comércio, no que foi prontamente atendido", relatou. Veja a íntegra do depoimento aqui

O presidente do Conselho, à época, era o coronel Marcus Bechara Couto. Ele não quis detalhar ao UOL os motivos que levaram o órgão a questionar o hoje presidenciável sobre a venda das bolsas com tecido de paraquedas. "Eu não vou conversar mais a respeito disso", afirmou o militar reformado à reportagem, num primeiro contato. "Está tudo lá [no processo], escrito. Eu não estou conversando com ninguém."

Exército costuma vender equipamentos

Bolsonaro disse à reportagem que o paraquedas, conhecido como periquito, era feito em verde, amarelo, azul e branco, "em cores muito bonitas". "Fazia bolsa daquilo. Era como se fosse uma marca da brigada paraquedista."

"Hoje em dia, em qualquer lugar, você compra essa bolsa lá, na brigada paraquedista. Muita gente faz, militar mesmo faz, tem pequenos comércios. E era novidade, naquela época, você ter uma bolsa de paraquedas", disse o candidato. Questionado se ainda hoje os militares vendem bolsas, Bolsonaro recuou e disse que não poderia confirmar: "Não sei."

As vendas de produtos e equipamentos sem utilização no Exército são comuns pelo menos desde os anos 1960, segundo militares ouvidos pela reportagem. Tudo que não tem mais serventia -- à exceção de armamentos e uniformes -- pode ser vendido em leilões, dos quais os próprios militares podem participar, o que inclui itens como paraquedas, veículos, móveis e materiais de escritório.

No entanto, desde 1980, a lei 6.880 proíbe militares de terem atividades comerciais, à exceção de serem sócios de empresas nas quais não sejam administradores. Em nota, o Exército informou à reportagem que as missões dos militares "exigem" duas características: "disponibilidade permanente" e "dedicação exclusiva".

A lei proíbe ao militar "comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade, ou dela ser sócio ou participar". Dependendo da infração à regra, pode ser aberto um inquérito policial militar, se houver indício de crime, ou um procedimento para apurar transgressão disciplinar, cujas punições variam de advertência até prisão ou exclusão da Força.

Antes de ingressar na política e virar líder das pesquisas para o Planalto, o deputado federal do PSL era capitão de artilharia e paraquedista do Exército. Em 21 de julho de 1977, deu o primeiro pulo de um avião em direção aos céus, no curso básico de paraquedista, que iniciara 16 dias antes.

O paraquedista número 29.949 somou 44 saltos até 9 de fevereiro de 1987. Ao receber as declarações sobre realização de salto, passou a ter direito à chamada "indenização de compensação orgânica". Depois de pular de diversas aeronaves -- como o C-115 Buffalo e o C-95 Bandeirante -- virou Mestre de Salto Paraquedista em 1983.

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