Para ministro, racismo é um vício que o Brasil precisa tratar
O ministro Edson Santos (Igualdade Racial) afirma que o racismo é um vício que o Brasil precisa tratar. Para ele, o problema está escancarado no mercado de trabalho, que ainda discrimina candidatos negros e pobres.
Uma mudança pode vir do exemplo norte-americano, com a eleição de Barack Obama, e também de avanços nacionais, como a nomeação de nomes como o de Joaquim Barbosa para o STF (Supremo Tribunal Federal) e de Benedito Gonçalves, primeiro ministro negro do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O carioca Edson Santos assumiu a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em fevereiro deste ano, substituindo Matilde Ribeiro, depois que a ministra assumiu gastos irregulares com o cartão corporativo do governo.
A bandeira do ministro em sua gestão é tentar transformar a igualdade racial em uma política que sobreviva ao governo atual e seja implantada também por Estados e municípios. Veja os principais trechos da entrevista concedida ao UOL.
UOL - O sr. acha que a questão do negro é pouco debatida pela sociedade em geral?
Edson Santos - Acho que é uma caminhada que exige muito diálogo, convencimento dos poderes públicos, da sociedade civil. Tivemos avanços bastante significativos, mas há uma demanda reprimida desde a abolição da escravidão. A questão do negro manteve-se invisível e intocável, o negro ficou sem acesso à terra pra trabalhar, à educação para seus filhos. Essa questão exige investimentos cujos resultados a gente vai visualizar ao longo de algumas gerações. Investimentos no ensino básico, na ampliação do número de escolas técnicas no Brasil, adoção da política de cotas, do Prouni (programa de concessão de bolsas de estudo para universitários), tudo isso vai dar oportunidade para que uma massa de jovens negros e pobres cheguem à universidade e ao curso técnico mais qualificada, e isso vai impactar a renda do negro positivamente.
UOL - Para o senhor, a política de cotas para afrodescendentes em universidades públicas (em vigor há cinco anos) está consolidada?
Santos - A universidade pública tem que ser pública. As universidades também ganham com a diversidade. O jovem de classe média que sai da universidade e vai passear num shopping, vai ao clube, vai a uma boate, convive com o jovem que vai precisar de um subsídio do Estado pra comprar o seu livro, comprar merenda e garantir seu transporte. Isso vai ser um impacto muito positivo na universidade. Essa convivência vai contribuir pra que se formem profissionais no Brasil nas mais diferentes esferas - engenharia, direito, medicina - com sensibilidade cada vez maior.
UOL - Pode-se pensar em um momento em que cotas não seriam mais necessárias?
Santos - Sim. Mas é preciso ter também outra visão do setor que emprega. A questão da mobilidade dentro das empresas, baseada na boa aparência, que são as características, os fenótipos europeus, que não devem ser parâmetro para a contratação nem para a promoção de uma pessoa que tem qualificação para ascender em uma empresa. Infelizmente, isso no Brasil ainda ocorre.
UOL - Como o senhor vê a representação política dos negros no Congresso Nacional?
Santos - A representação ainda não condiz com o peso da população negra na sociedade brasileira. Segundo a última pesquisa (2006) do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população negra no Brasil chega a 49,5%, e a pesquisa aponta para que seja maioria em breve. No Congresso você não tem 10% de representantes negros, o que caracteriza uma sub-representação da população negra brasileira. Isso se deve a auto-estima baixa do nosso povo, que faz com que a população negra não vote no negro, não veja no seu irmão, no seu companheiro, uma pessoa capaz de representá-la no Congresso Nacional. Isso exige investimentos na área de educação, e ações como a adoção da Lei 10.639 (de 2003), que inclui aulas de história da cultura afro-brasileira nos currículos. Isso vai ajudar a acabar com o preconceito e mostrar que o negro é parte importante, fundamental, no processo de formação do Estado Brasileiro. Na medida em que estas idéias cheguem à cabeça das crianças, elas vão passar a se orgulhar de serem brasileiros, em primeiro lugar, e não vão ter vergonha da cor da sua pele.
UOL - Não seria necessário estabelecer o aumento desta representação por meio de "decreto", como, às vezes, se propõe?
Santos - Decreto não funciona, você tem que ganhar a cabeça das pessoas para que elas se sintam cidadãs no Brasil.
UOL - Que benefícios resultantes da eleição de Barack Obama nos Estados Unidos podem respingar no Brasil?
Santos - Um presidente negro nos Estados Unidos, que é a maior nação do mundo, chama a atenção de todos e tem impacto positivo, sim. Mostra que ao negro não está relegada a função apenas de ser o garçom, o porteiro, o gari, que há possibilidade de almejar uma qualificação maior na vida. Acho que é positivo até do ponto de vista da visibilidade do negro enquanto agente político.
UOL - Mas o contexto norte-americano não seria mais favorável a essa mudança, já que lá o preconceito é aberto? O fato de, no Brasil, o preconceito ser velado não atrasaria uma evolução sobre este tema?
Santos - Quando um cidadão se acomete de uma doença como depressão ou dependência química, ele só será tratado na medida em que tome consciência de que está doente. O Brasil tem o vício do racismo. Só trataremos deste vício na medida em que a sociedade assuma a existência do racismo e a necessidade de tratá-lo de forma adequada. Daí, a empresa vê que, se o cara é negro, mas é um bom profissional e é o mais adequado para desempenhar determinada função, por que não promovê-lo? Por que manter uma aversão à contratação de jovens negros e jovens que moram em comunidades carentes? Esses preconceitos precisam ser abolidos pra que nos tratemos efetivamente o racismo no Brasil.
Nos EUA, o preconceito era mais aberto; negro não podia andar em ônibus, entrar num bar (junto com o branco). No Brasil sempre, em tese, pôde, mas nunca pôde de verdade porque não tinha condição de fazê-lo. Este ano foi nomeado o primeiro ministro negro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), Benedito Gonçalves. Temos também o ministro Joaquim Barbosa no STF (Supremo Tribunal Federal). Eles seriam símbolos brasileiros negros em cargos de destaque. O presidente Lula teve ousadia de, entre várias pessoas qualificadas para estarem no STJ, no Supremo Tribunal Federal, escolher dois negros para isso. E são figuras que vem desempenhando a contento suas funções. Isso mostra que, quando há boa vontade e não se discrimina por ser negro, a gente consegue extrair pérolas como o ministro Benedito Gonçalves, o Joaquim Barbosa, e tantos outros que poderiam estar ocupando funções qualificadas, seja no ambiente público, seja no ambiente privado.
UOL - Qual a expectativa de votação do Estatuto da Igualdade Racial?
Santos - Estamos dialogando com os deputados. Acho que existem alguns pontos que são negociáveis e que não vão impactar negativamente a causa da igualdade social. Por exemplo, a questão dos quilombos, que já está no artigo 68 das disposições transitórias da Constituição, que estabelece a obrigação do Estado na titulação de terras e assistência às comunidades remanescentes de quilombo. Há ainda o decreto 4.887 que regulamenta esse dispositivo constitucional. A questão da territorialidade e da definição e caracterização do que é quilombo já é tratada de uma forma bastante profunda tanto no decreto como no artigo, além da disposição normativa do Incra (responsável pela demarcação das terras). Não tem porque tratarmos desse tema em uma legislação infraconstitucional que é o Estatuto.
Estamos defendendo que a questão quilombola entre transversalmente nas diretrizes estabelecidas no Estatuto, ou seja, na questão da cultura, da educação, do esporte, da saúde, do lazer, para que se toque na atenção especial que deve ser dada às comunidades remanescentes de quilombo nestas áreas. Isso vai viabilizar a aprovação do Estatuto. Este ano ainda.
UOL - Que futuro o senhor vê para a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial? Quais as chances de ela sobreviver à troca de governo, em 2010?
Santos - Nosso desafio aqui é exatamente consolidar a política de igualdade racial como uma política de Estado e não de governo. Isso vai se dar a partir das ações desenvolvidas pela secretaria junto aos governos estaduais e municipais. Porque a política da igualdade racial exige capilaridade, precisa ser descentralizada. Essa não é uma questão que será resolvida apenas pelo governo federal. O futuro da secretaria vai se dar também em função de termos uma legislação que fixe as obrigações do Estado e os direitos dos negros na sociedade brasileira, que é o Estatuto da Igualdade Racial. Ele transforma a questão racial em política de Estado.
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O ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Edson Santos
O carioca Edson Santos assumiu a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial em fevereiro deste ano, substituindo Matilde Ribeiro, depois que a ministra assumiu gastos irregulares com o cartão corporativo do governo.
A bandeira do ministro em sua gestão é tentar transformar a igualdade racial em uma política que sobreviva ao governo atual e seja implantada também por Estados e municípios. Veja os principais trechos da entrevista concedida ao UOL.
UOL - O sr. acha que a questão do negro é pouco debatida pela sociedade em geral?
Edson Santos - Acho que é uma caminhada que exige muito diálogo, convencimento dos poderes públicos, da sociedade civil. Tivemos avanços bastante significativos, mas há uma demanda reprimida desde a abolição da escravidão. A questão do negro manteve-se invisível e intocável, o negro ficou sem acesso à terra pra trabalhar, à educação para seus filhos. Essa questão exige investimentos cujos resultados a gente vai visualizar ao longo de algumas gerações. Investimentos no ensino básico, na ampliação do número de escolas técnicas no Brasil, adoção da política de cotas, do Prouni (programa de concessão de bolsas de estudo para universitários), tudo isso vai dar oportunidade para que uma massa de jovens negros e pobres cheguem à universidade e ao curso técnico mais qualificada, e isso vai impactar a renda do negro positivamente.
O RACISMO NO MUNDO
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Martin Luther King, um dos principais nomes da luta contra o preconceito racial nos EUA
Santos - A universidade pública tem que ser pública. As universidades também ganham com a diversidade. O jovem de classe média que sai da universidade e vai passear num shopping, vai ao clube, vai a uma boate, convive com o jovem que vai precisar de um subsídio do Estado pra comprar o seu livro, comprar merenda e garantir seu transporte. Isso vai ser um impacto muito positivo na universidade. Essa convivência vai contribuir pra que se formem profissionais no Brasil nas mais diferentes esferas - engenharia, direito, medicina - com sensibilidade cada vez maior.
UOL - Pode-se pensar em um momento em que cotas não seriam mais necessárias?
Santos - Sim. Mas é preciso ter também outra visão do setor que emprega. A questão da mobilidade dentro das empresas, baseada na boa aparência, que são as características, os fenótipos europeus, que não devem ser parâmetro para a contratação nem para a promoção de uma pessoa que tem qualificação para ascender em uma empresa. Infelizmente, isso no Brasil ainda ocorre.
Santos - A representação ainda não condiz com o peso da população negra na sociedade brasileira. Segundo a última pesquisa (2006) do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a população negra no Brasil chega a 49,5%, e a pesquisa aponta para que seja maioria em breve. No Congresso você não tem 10% de representantes negros, o que caracteriza uma sub-representação da população negra brasileira. Isso se deve a auto-estima baixa do nosso povo, que faz com que a população negra não vote no negro, não veja no seu irmão, no seu companheiro, uma pessoa capaz de representá-la no Congresso Nacional. Isso exige investimentos na área de educação, e ações como a adoção da Lei 10.639 (de 2003), que inclui aulas de história da cultura afro-brasileira nos currículos. Isso vai ajudar a acabar com o preconceito e mostrar que o negro é parte importante, fundamental, no processo de formação do Estado Brasileiro. Na medida em que estas idéias cheguem à cabeça das crianças, elas vão passar a se orgulhar de serem brasileiros, em primeiro lugar, e não vão ter vergonha da cor da sua pele.
UOL - Não seria necessário estabelecer o aumento desta representação por meio de "decreto", como, às vezes, se propõe?
Santos - Decreto não funciona, você tem que ganhar a cabeça das pessoas para que elas se sintam cidadãs no Brasil.
Educação
Política de promoção de igualdade racial vai muito além das cotas no ensino superior, afirma pesquisadora; ouça entrevista
Santos - Um presidente negro nos Estados Unidos, que é a maior nação do mundo, chama a atenção de todos e tem impacto positivo, sim. Mostra que ao negro não está relegada a função apenas de ser o garçom, o porteiro, o gari, que há possibilidade de almejar uma qualificação maior na vida. Acho que é positivo até do ponto de vista da visibilidade do negro enquanto agente político.
UOL - Mas o contexto norte-americano não seria mais favorável a essa mudança, já que lá o preconceito é aberto? O fato de, no Brasil, o preconceito ser velado não atrasaria uma evolução sobre este tema?
Santos - Quando um cidadão se acomete de uma doença como depressão ou dependência química, ele só será tratado na medida em que tome consciência de que está doente. O Brasil tem o vício do racismo. Só trataremos deste vício na medida em que a sociedade assuma a existência do racismo e a necessidade de tratá-lo de forma adequada. Daí, a empresa vê que, se o cara é negro, mas é um bom profissional e é o mais adequado para desempenhar determinada função, por que não promovê-lo? Por que manter uma aversão à contratação de jovens negros e jovens que moram em comunidades carentes? Esses preconceitos precisam ser abolidos pra que nos tratemos efetivamente o racismo no Brasil.
Nos EUA, o preconceito era mais aberto; negro não podia andar em ônibus, entrar num bar (junto com o branco). No Brasil sempre, em tese, pôde, mas nunca pôde de verdade porque não tinha condição de fazê-lo. Este ano foi nomeado o primeiro ministro negro para o STJ (Superior Tribunal de Justiça), Benedito Gonçalves. Temos também o ministro Joaquim Barbosa no STF (Supremo Tribunal Federal). Eles seriam símbolos brasileiros negros em cargos de destaque. O presidente Lula teve ousadia de, entre várias pessoas qualificadas para estarem no STJ, no Supremo Tribunal Federal, escolher dois negros para isso. E são figuras que vem desempenhando a contento suas funções. Isso mostra que, quando há boa vontade e não se discrimina por ser negro, a gente consegue extrair pérolas como o ministro Benedito Gonçalves, o Joaquim Barbosa, e tantos outros que poderiam estar ocupando funções qualificadas, seja no ambiente público, seja no ambiente privado.
UOL - Qual a expectativa de votação do Estatuto da Igualdade Racial?
Santos - Estamos dialogando com os deputados. Acho que existem alguns pontos que são negociáveis e que não vão impactar negativamente a causa da igualdade social. Por exemplo, a questão dos quilombos, que já está no artigo 68 das disposições transitórias da Constituição, que estabelece a obrigação do Estado na titulação de terras e assistência às comunidades remanescentes de quilombo. Há ainda o decreto 4.887 que regulamenta esse dispositivo constitucional. A questão da territorialidade e da definição e caracterização do que é quilombo já é tratada de uma forma bastante profunda tanto no decreto como no artigo, além da disposição normativa do Incra (responsável pela demarcação das terras). Não tem porque tratarmos desse tema em uma legislação infraconstitucional que é o Estatuto.
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UOL - Que futuro o senhor vê para a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial? Quais as chances de ela sobreviver à troca de governo, em 2010?
Santos - Nosso desafio aqui é exatamente consolidar a política de igualdade racial como uma política de Estado e não de governo. Isso vai se dar a partir das ações desenvolvidas pela secretaria junto aos governos estaduais e municipais. Porque a política da igualdade racial exige capilaridade, precisa ser descentralizada. Essa não é uma questão que será resolvida apenas pelo governo federal. O futuro da secretaria vai se dar também em função de termos uma legislação que fixe as obrigações do Estado e os direitos dos negros na sociedade brasileira, que é o Estatuto da Igualdade Racial. Ele transforma a questão racial em política de Estado.
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