Ocupação de edifício no centro de SP ostenta faixa de Nunes por 'gratidão'

"Em São Paulo o trabalho continua", diz uma faixa que tampa as janelas de dois andares do Edifício Santa Leonor, localizado no centro da cidade. Logo acima da frase, uma foto do prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB) sorrindo chama a atenção de quem passa pela esquina das ruas Sete de Abril e Marconi. Liderada por um ex-petista, a ocupação torna visível a disputa por apoiadores travada entre esquerda e direita na capital paulista, que não terminou com a eleição.

A cena é inusitada. Em São Paulo, a maior parte das ocupações é vinculada a movimentos de esquerda, como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) — de onde saiu Guilherme Boulos (PSOL), derrotado por Nunes na eleição. Perto do prédio, quase em frente, há uma outra ocupação da FLM (Frente de Luta por Moradia), grupo ligado ao vereador Manoel Del Rio (PT).

Mas, no caso do Residencial Santa Leonor, o cenário é diferente. Antes de tudo, pelo fato de os moradores preferirem o termo "residencial" à palavra "ocupação", rejeitada pelo viés pejorativo que alguns atribuem a ela. Ocupado em 2012, o prédio de 10 andares, que hoje abriga 150 pessoas, também se distingue na paisagem pelo aspecto bem cuidado — fruto de pintura e outras intervenções empreendidas pelos ocupantes desde que chegaram.

Atualmente, cada morador paga R$ 200 de "condomínio", que cobrem o salário do porteiro, do pessoal da limpeza e os gastos com manutenção. A portaria não passa 10 minutos sem que entregador de delivery, idoso ou imigrante a cruze rumo ao único elevador do edifício, no qual a sobreloja ganhou biblioteca e recebe de cultos a aulas de capoeira.

À frente do Santa Leonor, está Eduardo Santos, o Netinho, de 54 anos. Ele ainda estava no Movimento Pelo Direito à Moradia quando encontrou o prédio para ocupá-lo. Por brigas, se desligou do grupo — mas virou coordenador do residencial. Criado na Brasilândia, zona norte da cidade, o pai de três filhos afirma que esteve com o PT "desde a fundação", mas se desiludiu com o partido.

Entre 2019 e 2023, Netinho trabalhou como assessor no gabinete do vereador Camilo Cristófaro (Avante), cassado após ter proferido uma fala racista durante uma sessão da Câmara. "Ele não é racista. A maior parte das pessoas que trabalhavam com ele era negra", diz Netinho que, antes de Cristófaro, apoiou informalmente vários vereadores petistas. Hoje, ele vive dos anúncios divulgados pelos jornais comunitários que publica na zona norte.

Insatisfação com o PT

Eduardo Santos, o Netinho, 54, em frente à ocupação Santa Leonor
Eduardo Santos, o Netinho, 54, em frente à ocupação Santa Leonor Imagem: Saulo Pereira Guimarães/UOL

Segundo ele, a insatisfação com o PT não surgiu do nada. Primeiro, foi a surpresa de ter Geraldo Alckmin (PSB) como vice de Lula em 2022. "Ele arrebentava a gente na borracha a vida toda", afirma Netinho, numa referência ao período em que o ex-tucano governou o estado. Seu carinho se limita à Dona Lu, então primeira-dama.

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Depois, o choque de ver Marta Suplicy (PT) — que apoiou o impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016 — no palanque petista. "Isso confunde a cabeça do eleitor", afirma.

Além disso, Netinho diz que a mudança passa pela boa impressão em relação aos postos de saúde, títulos de regularização fundiária e obras de contenção de rios entregues por Nunes, especialmente na periferia. "Não troco o certo pelo duvidoso. Não queria pirraçar ninguém, mas senti que ele merecia ter outra oportunidade", resume.

Sobre Boulos, Netinho criticou a postura mais agressiva do candidato do PSOL no segundo turno. "Ser educado e professor não é a mesma coisa que respeitar as pessoas", disse Netinho sobre Boulos. Na sua opinião, Boulos agiu com "desrespeito" em relação a Nunes.

A faixa foi estendida na fachada do prédio após a eleição. "É um agradecimento pelo o que Nunes fez pelos movimentos sociais", explica Netinho. No caso do Santa Leonor, o agradecimento é pelo processo de retrofit iniciado sete meses atrás pela Secretaria Municipal de Habitação, que permitirá que cada unidade tenha um banheiro — já que o prédio era comercial e funciona hoje com sanitários coletivos. No caso de outros grupos, Netinho cita o acesso à moradia por meio de programas como o Pode Entrar no centro e outras regiões.

'Livre para votar em quem quiser'

Ele garante que não constrangeu ninguém a votar no prefeito e, diante do moçambicano Domingos, que lhe informou ter acabado de tirar o título eleitoral na última terça (12), fez questão de reforçar esse ponto. "Agora, você é livre para votar em quem quiser", disse.

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Porém, entre os moradores do residencial, o apoio de Netinho pesou. Na quinta (14), um morador que preferiu não se identificar disse que confia em Netinho, sempre vota em quem ele indica e que até ia votar em Boulos — mas, diante do amigo em campanha, trocou para Nunes. No mesmo dia, o malinês Brahim informou viver há dois anos no Santa Leonor, ter votado em Nunes no 1º e no 2º turno e espera que ele faça bom governo. Tanto Domingos quanto Brahim são naturalizados brasileiros.

Netinho e seus vizinhos não são os únicos que pensam assim. Em entrevista após a eleição ao site Intercept, Jilmar Tatto (PT-SP) disse que o partido deveria ter apoiado Nunes — e não Boulos — na disputa. Mesmo outros nomes da legenda, como José Dirceu, já admitiram que o atual governo é de centro-direita por "exigência do momento histórico e político".

Na prática, o que casos como o do Residencial Santa Leonor demonstram é que parte dos movimentos sociais pode estar começando a reconsiderar o apoio certo à esquerda por entenderem que não recebem o devido reconhecimento quando a vitória é alcançada por candidatos progressistas.

Questionado sobre a convivência com os antigos amigos de esquerda, Netinho nega dores de cabeça. "Nós pisamos barro juntos e nos respeitamos", diz.

Para ele, Bolsonaro é "um fruto da nossa falta de opção na política". Já sobre os quatro anos que o prefeito tem pela frente, Netinho alterna entre a vigilância e o otimismo. "Tem que cobrar, porque não vai ser fácil. Nunca foi. Não é porque ele ganhou ou deixou a situação como está hoje que a gente tem que cruzar os braços e dizer que está tudo certo", diz.

"Mas se os conselhos [municipais de habitação, nos quais movimentos por moradia repassam suas demandas à prefeitura] continuarem enviando propostas, ele vai atender — porque viu que deu certo", acredita. "E olha que muitos desses conselhos foram criados pelo PT, hein", provoca.

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