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Análise: Avanços tímidos perante as necessidades na educação

*Daniel Cara

03/01/2011 07h00

Comparados a governos anteriores, os dois mandatos do presidente Lula estabeleceram bases importantes para as políticas educacionais. Contudo, se forem contrapostos os indicadores da educação com as necessidades e possibilidades do Brasil, o Governo Lula avançou pouco.

Embora tenha empreendido políticas promissoras para a expansão do número de matrículas, com o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação), o ProUni (Programa Universidade para Todos) e o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federal), os resultados ficaram aquém do esperado e necessário.

A comparação dos dados do Censo Escolar de 2009 e 2010 mostra que o Brasil perdeu mais de 1,2 milhão de matrículas nas redes públicas de educação básica, devido a inúmeros fatores. Em lugar de ganhar matrículas com o Fundeb, em vigor desde 2007, a educação infantil e o ensino médio públicos perderam juntos mais de 65 mil matrículas em um ano. A involução da educação de jovens e adultos foi ainda mais crítica, com redução de mais de 260 mil vagas. Sucessor do Fundef do Governo FHC, que financiava apenas o ensino fundamental, as expectativas quanto à capacidade do Fundeb em expandir rapidamente vagas não se comprovaram até o momento, em grande parte porque a contribuição da União ao fundo ainda é insuficiente.

No combate ao analfabetismo, o Governo Lula foi gravemente lento. Segundo o marco legal brasileiro, ele já deveria estar superado ou com taxa próxima de zero. No entanto, nos dois mandatos de Lula caiu de 11,6% para 9,7% na população acima de 15 anos. Em oito anos, uma queda de 1,9% na taxa de analfabetismo é um desempenho vergonhoso para uma das maiores economias do mundo.

A média dos anos de estudo da população acima de 15 anos também não apresentou boa evolução. Em 2005 os brasileiros estudavam, em média, 7 anos. Em 2009, segundo o IBGE, essa média era de 7,5 anos. Mantido esse ritmo letárgico, o Brasil levará 52 anos para alcançar o patamar de 14 anos obrigatórios de estudo, determinado pela EC 59/2009 (Emenda à Constituição), proposta por Lula.

Segundo dados preliminares do último Censo do Ensino Superior, a combinação entre o ProUni e o Reuni resultou em uma expansão de mais de 2 milhões de matrículas durante o Governo Lula. Hoje o Brasil possui quase 6 milhões de estudantes no ensino superior, sendo 75% destes nas redes privadas. Conforme o Plano Nacional de Educação (PNE 2001-2010), 30% dos jovens de 15 a 24 anos deveriam estar matriculados nesse nível de ensino, no entanto, essa taxa não passa de 15%.

Além do desempenho insuficiente na expansão de matrículas, o Governo Lula não conseguiu um importante salto de qualidade. Nenhuma universidade pública brasileira figura entre as cinquenta melhores do mundo. Além disso, as avaliações nacionais mostram a baixa qualidade praticamente generalizada das instituições privadas de ensino superior.

No âmbito da qualidade da educação básica o Brasil melhorou relativamente, mas pouco em termos reais. Divulgados em dezembro de 2010, os resultados do PISA (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes) mostram que embora o país tenha sido o terceiro que mais evoluiu nos últimos 10 anos, na média comparativa permanece muito mal, tendo obtido apenas o 54º lugar entre os 65 países participantes. Contudo, os estudantes das escolas técnicas federais obtiveram desempenho melhor que alunos de países desenvolvidos, ficando com média superior a França, Estados Unidos, Reino Unido, Dinamarca, Alemanha e Canadá.

As lições a serem aprendidas pelos bons resultados das escolas técnicas federais – fortemente expandidas por Lula – é o que deveria balizar toda a política da educação básica: franca expansão da rede pública com qualidade, baseada em adequado custo-aluno ano, remuneração inicial competitiva aos profissionais do magistério com boa perspectiva de carreira e adequada oferta de recursos educacionais (laboratórios de informática e de ciências, midiatecas, quadras poliesportivas, etc.).

Para disseminar esse padrão de ensino Lula deveria ter empreendido uma inédita parceria entre a União – ente federado que arrecada 53% de toda a receita líquida advinda de tributos –, os estados, o Distrito Federal e os municípios. Em outras palavras, o Governo Federal deveria ter cumprido a Constituição, auxiliando os demais entes federados em termos técnicos e financeiros, em regime de cooperação.

Para tanto, seria necessário aumentar o orçamento da educação e transferir mais recursos aos outros entes federados. Assim, se o orçamento federal da área foi duplicado em termos reais (considerada a inflação) nos oito anos de Lula, chegando a alcançar R$ 51 bilhões em 2010 (algo em torno de 3% do orçamento da União), deveria subir, no mínimo, mais 2% do PIB, alcançando cerca de R$ 115 bilhões. Desse montante, no mínimo R$ 40 bilhões deveriam ir para o Fundeb, de forma a ampliar vagas e garantir, concomitantemente, um padrão mínimo de qualidade aos estudantes matriculados, conforme os parâmetros do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), elaborado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e incorporado pelo Conselho Nacional de Educação em 2010.

A maior falha do presidente Lula foi não empreender um aumento maciço de recursos na educação, alcançando o patamar de investimentos de 7% do PIB no setor, tal como determinava o PNE 2001-2010 vetado por FHC e com apenas um terço das metas cumpridas no curso dos oito anos de Lula.

Apenas um montante substantivo de recursos para a educação, que denotaria um real grau de prioridade para área, poderia melhorar significativamente os indicadores educacionais, combatendo as gritantes desigualdades existentes no acesso, na permanência e no sucesso escolar, que reproduzem os padrões brasileiros de injustiças.

Na área educacional Lula fez um governo que estabeleceu programas interessantes, mas excessivamente tímidos perante as necessidades do país e suas possibilidades orçamentárias. A gestão Lula não foi capaz de revolucionar a educação brasileira, tal como o fez no combate à miséria. Quiçá a presidente Dilma Rousseff seja capaz.

*Daniel Cara é mestre em Ciência Política (USP) e coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. É também diretor da Campanha Global pela Educação e da Clade (Campanha Latino-americana pelo Direito à Educação). Coordenou o eixo “Financiamento e Controle Social” na Conae (Conferência Nacional de Educação, 2010) e o eixo "Construção do regime de colaboração entre os sistemas de ensino, tendo como um dos instrumentos o financiamento da educação" na Coneb (Conferência Nacional de Educação Básica, 2008). Entre 2005 e 2007, como vice-presidente, foi o primeiro membro da sociedade civil a participar da mesa diretora do Conjuve (Conselho Nacional de Juventude).