Entidades culturais criticam "abandono" de programa na gestão de Ana de Hollanda
Vista como um “retrocesso” por parte das entidades culturais, a gestão de Ana de Hollanda à frente do Ministério da Cultura é duramente criticada por ter “abandonado” programas que tinham avançado em gestões anteriores, como o Cultura Viva, considerado um dos carros-chefe da pasta. A ministra deixou o cargo nesta terça-feira (11) e será substituída pela senadora Marta Suplicy (PT-SP), que assume na quinta.
Exportado para outros países, o programa abriga os Pontos de Cultura, que são projetos independentes espalhados pelo país e financiados diretamente pelo ministério. Eles foram criados durante o governo Lula com o objetivo de estimular a produção cultural.
Selecionados por meio de edital, os projetos recebem os pagamentos em parcelas. A maior parte dos recursos vem do governo federal e um percentual menor, do estadual. Uma das principais reclamações das entidades é que há atraso no repasse de dinheiro.
“Isso desestimula as pessoas a continuarem no projeto”, afirma o cineasta William Alves, integrante da Associação Cultural Faísca, que atua no Distrito Federal com oficinas de audiovisual. Segundo ele, dos R$ 180 mil acordados em convênio assinado em 2007, ainda faltam ser pagos R$ 60 mil.
Outra crítica é em relação ao foco e à implementação dos pontos. “Os pontos de cultura vinham num crescente, eram onde as políticas culturais conseguiam alcançar capilaridade e chegar nas pontas, nas pessoas mesmo, mas tudo mudou com a chegada da ministra Ana de Hollanda”, diz Chico Simões, coordenador do ponto de cultura Invenção Brasileira, que realiza oficinas artísticas em Taguatinga, no entorno da capital federal. Para ele, o ministério passou a ver a cultura apenas como um produto e a valorizar projetos que rendessem dinheiro.
Mudança de visão
Idealizador dos Pontos de Cultura, o historiador Célio Turino concorda que houve uma mudança de visão no ministério. Foi ele o responsável pela implantação do programa quando foi secretário da Cidadania Cultural de 2004 a 2010 na pasta da Cultura durante o governo Lula.
“O Cultura Viva surgiu com o sentido de ver a cultura com um processo, com um vínculo com a comunidade. Os seus princípios norteadores são justamente para valorizar autonomia, protagonismo e empoderamento, por isso a importância de haver o repasse para que administrem eles próprios os seus recursos”, afirma.
Avesso a fazer críticas diretas à gestão de Ana de Hollanda, Turino alerta, porém, para o que ele chama de “paradoxo” de o programa ser muito bem-recebido e elogiado no exterior. Segundo ele, 11 países da América Latina se interessaram pelo projeto e estão em fases distintas de implementação.
“Às vezes, quando chego nesses lugares para fazer oficinas, as pessoas vêm me perguntar por que o Brasil está indo num outro sentido. Dou uma desconversada, mas fica esquisito”, diz, acrescentando que tem passado mais tempo no exterior para falar sobre o programa do que no Brasil.
Na sua opinião, a nomeação de Marta Suplicy pode significar “uma mexida no marasmo”. “Ela tem tudo para conseguir reaproximar a cultura da educação.” Turino, no entanto, avisa logo que é suspeito para falar, já que se considera “muito fã” da Marta por achá-la “empreendedora” e ter trabalhado no governo dela quando foi prefeita de São Paulo. Ele ocupou o cargo de diretor de um departamento ligado à Secretaria de Esportes responsável por implantar programas de lazer. Foi essa função, aliás, que acabou servindo de vitrine para que fosse chamado para trabalhar no Ministério da Cultura.
Para Alves e Simões, no entanto, a chegada de Marta ao ministério não empolga tanto assim. “Ela terá muito pouco tempo para conseguir mudar alguma coisa”, diz Alves. “Alguma coisa é melhor do que nada”, emenda Simões.
Outro lado
Para responder às críticas sobre o programa Cultura Viva e os Pontos de Cultura, a reportagem do UOL tentou entrevistar a secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural, Márcia Rollemberg, ontem e hoje, mas sem sucesso.
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