Após oito meses, CPI do Cachoeira termina sem avançar, mas deixa pistas para investigações
A CPI do Cachoeira encerrou nesta terça-feira (18) seus trabalhos de maneira “melancólica” e em clima de “pizza”, segundo os próprios integrantes da comissão. A votação do relatório oficial, que termino rejeitado, acabou gerando a prevalência de um relatório de menos de duas páginas que não pede o indiciamento de nenhum dos envolvidos e remete a CPI ao ponto onde tudo começou: a Polícia Federal e o Ministério Público.
O relatório aprovado pede que o MP e a PF continuem as investigações a partir do material que a comissão recolheu. O resultado, entretanto, não agradou nem ao governo nem à oposição, que trocaram acusações sobre a culpa do término improdutivo da comissão.
“As conclusões aqui são nada, um vazio, Uma pizza geral, lamentável", afirmou o relator do caso, Odair Cunha (PT-MG), atribuindo o fracasso do relatório à “blindagem” que o PSDB queria fazer ao governador Marconi Perillo (PSDB-GO).
Já a oposição disse que o governo foi o responsável pela blindagem, e que por esse motivo derrubou o relatório do deputado petista. O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) afirmou que o "Parlamento abdicou da sua responsabilidade de investigar", mas negou que o PSDB tenha articulado para aprovar o relatório do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF), que tem uma página e meia e não indicia ninguém. Dias limitou-se a dizer que a investigação, quando esbarrou no governo federal, foi interrompida.
Entretanto, o farto material colhido pela comissão nos oito meses de trabalho – entre depoimentos, quebras de sigilos e documentos apreendidos – pode servir para que o Ministério Público dê sequência às investigações.
Veja abaixo as perguntas respondidas pela CPI – e os assuntos que a comissão preferiu ignorar.
Como surgiu a CPI do Cachoeira?
Foram três operações da Polícia Federal para investigar supostos esquemas montados pelo empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com agentes públicos e privados.
As informações da PF revelaram que Cachoeira tinha vínculos com vários parlamentares, motivando a criação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) na Câmara e no Senado em abril deste ano.
“O objeto desta Comissão Parlamentar de Inquérito (...) é investigar as práticas criminosas levadas a cabo pelo senhor Carlos Cachoeira e averiguar como a organização criminosa por ele liderada conseguiu infiltrar-se nas estruturas de Estado e quais os agentes públicos e privados que com ele colaboravam”, diz documento oficial da CPMI.
A comissão encerra agora seus trabalhos, após ter tido o relatório oficial rejeitado e um documento alternativo, de apenas uma página e meia, aprovado.
Quanto tempo durou a CPI?
A CPI começou a trabalhar em 19 de abril e terminou em 18 de dezembro, com a votação do relatório final. Foram oito meses de trabalho, mas a comissão parou de funcionar em julho, durante o recesso parlamentar, e em setembro, quando boa parte dos parlamentares estava em campanha eleitoral.
Por que o relatório da CPI não foi aprovado?
Desde o início, a CPI foi marcada pela disputa interna entre integrantes ligados aos partidos da base aliada do governo Dilma Rousseff (PT) e integrantes da oposição. Seguindo a tradição de que os partidos com maiores bancadas indicam os cargos da comissão, o governo conseguiu garantir a presidência e a relatoria da comissão, indicando como presidente o senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) e como relator o deputado Odair Cunha (PT-MG) (clique aqui para ver quem eram os demais integrantes da CPI).
Com a relatoria e a presidência nas mãos do governo, a oposição protestou contra a blindagem do Palácio do Planalto a integrantes do PT nas investigações. O senador Alvaro Dias (PSDB-PR), o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) foram as principais vozes da oposição durante os trabalhos da comissão, discordando, na maioria das vezes, do relator.
Ao final dos trabalhos, não foi diferente – a oposição votou em peso contra o relatório do petista Odair Cunha (veja aqui como votou cada integrante da CPI). Em retaliação à manobra oposicionista, os parlamentares da base aliada votaram a favor do relatório de apenas uma página e meia do deputado Luiz Pitiman (PMDB-DF).
O que acontece agora que a CPI acabou?
O relatório do deputado Luiz Pitiman será enviado ao Ministério Público para novas investigações. Entretanto, como o documento de Pitiman não pede o indiciamento nem a responsabilização de ninguém, dificilmente haverá consequências mais graves. A CPI também encaminhou ao MP toda a documentação produzida ao longo dos meses de trabalho – assim, caso considere apropriado, o MP pode tomar providências. Foram quebrados 92 sigilos bancários, 91 sigilos fiscais e 88 sigilos telefônicos.
NÚMEROS DA CPI
R$ 84,3 bilhões
dinheiro movimentado por Cachoeira
entre 2002 e 2012
40
depoimentos
24
depoentes em silêncio
8
meses de duração
69.694
páginas
de documentos sob sigilo bancário
11.333
páginas
de documentos relativos a quebras de sigilo fiscal
45.594
páginas
de extratos de ligações telefônicas
1,16
terabytes
em documentos apreendidos
Quais foram os principais políticos envolvidos?
Segundo as investigações da Polícia Federal e da CPI, há indícios do envolvimento de ao menos dez políticos, entre eles, dois governadores estaduais, Marconi Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF). Também foram citados os deputados federais Stepan Nercessian (PPS-RJ), Jovair Arantes (PTB-GO), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP), Rubens Otoni (PT-GO), Carlos Alberto Leréia da Silva (PSDB-GO) e Sandes Júnior (PP-GO) e Leonardo Vilela (PSDB). O mais prejudicado pela CPI, no entanto, foi o ex-senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), que foi expulso do DEM e cassado pelos colegas de Senado em votação secreta.
Quanto o esquema de Carlinhos Cachoeira movimentou?
A CPI apurou um fluxo de recursos de R$ 84,3 bilhões entre 2002 e 2012. A movimentação refere-se a cifras que entraram e saíram das contas bancárias dos investigados – cerca de R$ 42,05 bilhões em créditos e R$ 42,29 bilhões em débitos. O valor exato, no entanto, ainda é desconhecido. Em um dos diálogos grampeados entre Cachoeira e sua mulher, Andressa, ele diz que não poderia “perder um trem (sic) de bilhões por causa de um negócio à toa”, sobre a venda de sua casa.
Por que Cachoeira foi preso e solto várias vezes?
Porque as investigações sobre Cachoeira resultou em um processo diferente.
No ano de 2009, houve a Operação Vegas, que investigava a exploração de jogos ilegais, mas não resultou em prisões. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chegou a ser acusado de ser conivente com o grupo de Cachoeira, mas defendeu-se dizendo que preferiu esperar os resultados da Monte Carlo para agir.
A Operação Monte Carlo 1, que investigou jogos ilegais e revelou as ligações entre Cachoeira, a empreiteira Delta e políticos goianos, resultou uma ação penal na Justiça Federal e na prisão preventiva de Cachoeira em 29 de fevereiro. Em dezembro, saiu a sentença, e o contraventor foi condenado a 39 anos e 8 meses de prisão.
A PF também realizou a Operação Monte Carlo 2, que investigou contrabando de máquinas. Esta gerou novo processo na Justiça Federal, mas ainda há não sentença para o caso.
A Operação Saint-Michel foi realizada pela Polícia Civil do Distrito Federal e investigou a tentativa do contraventor de fraudar licitações de bilhetagem eletrônica nos transportes de Brasília. Os desdobramentos desta resultou na condenação do empresário no dia 20 de novembro a pena de cinco anos em regime semiaberto. No mesmo dia em que saiu a sentença, Cachoeira foi solto – ele estava preso preventivamente em decorrência da outra operação, e a sentença deixou que ele aguardasse os recursos em liberdade.
Em Tocantins, Cachoeira foi investigado pela Deic (Delegacia Estadual de Investigações Criminais) e pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). As denúncias sobre fraudes em contratos entre a prefeitura de Palmas e a Delta levaram a nova denúncia, desta vez no TJ local, contra Cachoeira e o prefeito de Palmas, Raul Filho (PT).
Em resumo, Cachoeira foi preso em fevereiro como resultado da Operação Monte Carlo 1, solto em novembro pela Operação Saint-Michel e preso novamente em dezembro devido à Monte Carlo.
Quais foram as principais empresas envolvidas?
A principal investigada foi a empreiteira Delta, que era presidida por Fernando Cavendish. Segundo a Polícia Federal, Cachoeira era uma espécie de “sócio oculto” da construtora, que seria usada por Cachoeira para lavar dinheiro do jogo do bicho. A empresa está entre as empreiteiras que mais receberam recursos do governo federal desde 2007. Outras empresas foram apontadas pela CPI como “laranjas” da Delta.
Segundo a CPI, Cachoeira também criou várias empresas para tentar legalizar os jogos. Uma delas seria a Gerplan, que tinha o monopólio dos jogos legais e oficiais no Estado de Goiás.
Já a Vitapan, comprada em 1999 pelo bicheiro, "soube aproveitar a oportunidade criada com a promulgação da Lei dos Genéricos (...) para investir num setor econômico lucrativo e legal".
Segundo a CPI, o intutito de Cachoeira com a farmacêutica não era econômico, mas "político e estratégico", pois ela seria uma "fachada legal e empresarial" da organização criminosa.
A CPI cita ainda empresas do ramo de comunicação, localizadas em Goiás, como suspeitas de ligação com Cachoeira como a WCR Produção e Comunicação e a Rádio Goiás Sul FM.
Quantos depoimentos foram ouvidos pela CPI?
A CPI convocou 109 pessoas para depor e convidou (o que exime o depoente da obrigatoriedade) outras 4.
Ao final, a CPI tomou 40 depoimentos. O relato do governador do DF, Agnelo Queiroz (PT), durou mais de dez horas; e o do governador goiano, Marconi Perillo, mais de oito horas.
Outros 24 depoentes preferiram ficar em silêncio e não responderam aos questionamentos dos integrantes da comissão.
Quais suspeitos de ligação com Cachoeira deveriam ter sido ouvidos pela CPI e não foram?
Alguns parlamentares sugeriram que a CPI ouvisse o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), amigo de Cavendish, da Delta, mas o requerimento não foi aprovado.
Quais os principais resultados concretos da CPI?
O único resultado concreto da CPI foi a cassação do mandato do então Demóstenes Torres (sem partido-GO) por suas relações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Demóstenes aparecia em grampos revelados pela Polícia Federal como amigo de Cachoeira e companhia frequente em jantares. Demóstenes nunca negou a amizade com o bicheiro, mas refutou, em pronunciamento na tribuna do Senado em março, as acusações de que agiria em favor dele no Congresso.
O que a CPI deixou de investigar?
Segundo parlamentares da oposição, a CPI poderia ter aprofundado as investigações sobre a empreiteira Delta. Durante depoimento à CPI, Luiz Antonio Pagot, ex-diretor do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) afirmou que procurou, em 2010, empresários para pedir ajuda financeira à campanha da presidente Dilma Rousseff – fato que, segundo oposicionistas, também deveria ter sido investigado.
A relação de dois convocados com o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu também deveria ter sido esclarecida, segundo a oposição – dois ex-sócios da Delta, Romênio Machado e José Augusto Quintella, chegaram ser convocados, mas não foram ouvidos. Um deles teria contratado Dirceu para ter acesso ao governo.
Outro ponto que ficou fora da CPI e irritou a oposição refere-se ao empresário Adir Assad, dono de várias empresas-fantasma, e que teria recebido mais de R$ 250 milhões da empreiteira Delta sem ter prestado nenhum serviço. Convocado pela CPI, Assad não falou.
Quem eram as pessoas ligadas a Cachoeira que morreram paralelamente ao andamento da CPI?
Em julho, o policial federal Wilton Tapajós Macedo, que integrou a operação que desarticulou o esquema de Cachoeira, foi assassinado com dois tiros na cabeça dentro de um cemitério, em Brasília, perto do túmulo dos pais.
Dois dias depois, o escrivão da Polícia Federal do Distrito Federal Fernando Spuri Lima foi encontrado morto. Ele trabalhava na mesma superintendência de Tapajós.
Em setembro, Otoni Olímpio Júnior morreu em um acidente de trânsito no DF. Ele era um dos detidos na Operação Jackpot e era investigado por por suposto envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.
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