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Leia a transcrição da entrevista de Gastão Vieira ao UOL e à Folha

Do UOL, em Brasília

01/03/2014 06h00

Gastão Vieira, ministro do Turismo, participou do Poder e Política, programa do UOL e da "Folha" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 27.fev.2014 no estúdio do Grupo Folha em Brasília.

 

 

Gastão Vieira – 27.fev.2014

Narração de abertura: Gastão Dias Vieira tem 67 anos. Advogado formado pela Universidade Federal do Maranhão, é funcionário de carreira do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPQ.

Gastão Vieira filiou-se ao PMDB em 1985, quando seu conterrâneo José Sarney era presidente da República. Foi secretário-executivo do Projeto Carajás, que desenvolveu a exploração de minérios sob o comando da Vale do Rio Doce.

Em 1986, Gastão Vieira  elegeu-se deputado estadual do Maranhão, cargo para o qual foi reeleito. Em seguida, veio para Brasília como deputado federal. Está licenciado do seu quinto mandato consecutivo.

Gastão Vieira foi secretario de Planejamento e de Educação do Maranhão, nas gestões de Edison Lobão e Roseana Sarney, todos do PMDB.

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff o nomeou Ministro do Turismo. Gastão Vieira substituiu o também maranhense Pedro Novais, do PMDB, que havia renunciado após suspeitas de desvios de verbas na pasta.

Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo a mais um Poder e Política Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de S.Paulo e do portal UOL. A gravação é realizada no estúdio do Grupo Folha, em Brasília. O entrevistado desta edição do Poder e Política é o ministro do Turismo, Gastão Vieira.

Folha/UOL: Ministro, muito obrigado por estar aqui. Começo perguntando: Todo mundo falando dos altíssimos preços que serão cobrados, no Brasil, em hotéis, passagens áreas internas durante esse período agora de grandes eventos, esse mais próximo da Copa da Mundo. O governo tem que fazer alguma coisa, pode, ou deve fazer alguma coisa a respeito disso?

Gastão Vieira: Olha, nós sempre tivemos uma posição de que nós estamos em um regime de mercado, de mercado altamente competitivo, e que essa questão de preço está muito ligada ao aumento da oferta. Tanto que acreditávamos, e continuamos acreditando, que o aumento de assentos nos voos, nos aviões, o aumento do número de hotéis, a maior disponibilidade de outro meio de hospedagem, haveriam de buscar, dentro do mercado, um equilíbrio natural para essas questões. É claro que um grande evento, por si só, fomenta muito mais aumentos. A demanda é muito maior. A pressão é muito maior. Mas o que nós já estamos verificando é que há uma baixa no preço de alguns hotéis, no Rio de Janeiro, por exemplo, o aparecimento de hospedagem alternativa em várias outras cidades-sedes. Você comprando passagem de avião em torno de R$ 500, cada perna, para sedes dos jogos que não são Rio, São Paulo, aquelas mais demandadas pelo turista, enfim, nós já notamos que há uma diminuição nessa ferocidade com que os preços estavam aumentando.

Agora isso aí cabe ao governo tentar, por alguma medida, impedir que ocorra ou é o mercado que tem que resolver?
Olha, eu acho que é o mercado que tem que resolver, mas os abusos... E nós tivemos na Copa das Confederações alguns abusos inaceitáveis para o governo.

Por exemplo?
Alguns hotéis de Brasília que cobraram diária de R$ 2.800, o preço de uma passagem área, Curitiba-Manaus, Manaus-Curitiba por R$ 9.000. Trata-se de um abuso. Havia um ataque especulativo, o governo tinha de agir, fizemos uma reunião básica envolvendo os órgãos de defesa do consumidor do Ministério da Justiça, Ministério do Turismo, a Embratur, e passamos a conversar com os empresários nas cidades-sedes todos os meses. Eu acho que essa é a postura do governo. Essa é uma questão que você não pode resolver via decreto, que normalmente fica pior.

Em que pé está a construção dos Centros de Atendimento ao Turista nas cidades-sede da Copa do Mundo?
Lamentavelmente estão muito atrasados.

Por quê?
É uma série de fatores, Fernando. De um lado são obras de valor pequeno. Você está fazendo uma obra de mobilidade ali de R$ 100 milhões, R$ 200 milhões, e vai fazer um Centro de Atendimento ao Turista, um CAT, que é R$ 2 mil, R$ 2 milhões, desculpe. As prefeituras e os Estados vão sempre colocando essas questões para uma segunda prioridade. Depois nós tivemos mudanças das administrações municipais. Trocaram as equipes dos prefeitos em quase todas as cidades que estão servindo de cidade-sede. E depois não tem projeto. Você vê, sinalização turística, que é outra coisa que o ministério está preocupadíssimo, que é a maior demanda dos turistas. O que eles mais reclamam no Brasil é que eles não têm orientação. Nem nos aeroportos, nem nas estações de metrô, nem nas paradas de ônibus, ele não sabe aonde o ônibus vai, por onde ele circula.

Quando tem não é padronizado, cada cidade é de um jeito?
Isso. Tecnologicamente isso é uma obra simples. Então ninguém tinha projetos e na hora que coloca no papel descobre que não é tão simples assim, tem uma complexidade.

Claro.
E aí começa a atrasar, começa a atrasar, enfim.

Das cidades-sede tem alguma que vai acabar nem tendo o Centro de Atendimento ao Turista, não vai unificar a sua sinalização?
O Centro de Atendimento ao Turista eu acho que todas terão porque você pode ter um centro móvel. Ao invés de você ter uma construção, você compra um ônibus, compra um outro tipo de veículo sobre rodas e supre essa necessidade. Sinalização turística, a maioria das cidades estão nos apontando que a partir de abril começam as colocações de placas. Brasília é uma cidade que já está colocando, nós estamos observando esse movimento, está rápido. Fortaleza já tinha uma sinalização anterior. O Rio de Janeiro promete o maior investimento, o maior investimento que estamos fazendo é no Rio de Janeiro, R$ 17 milhões, é a que está mais atrasada, dois anos que a prefeitura nos prometeu e não cumpriu. Enfim, dá tempo até a Copa, mas é um susto considerável que se leva todos os meses.

Essa atitude dos governos estaduais e dos prefeitos, ela tem origem onde, o sr. acha, essa desídia, em certa medida em relação a isso?
Eu acho, desde o momento que nós abandonamos os planos estratégicos e abandonamos a boa prática de ter projeto executivo. Nós fizemos, por exemplo, no Turismo, nós fizemos o PAC do Turismo, R$ 680 milhões. A presidenta concedeu ao ministério esse recurso para que nós destinássemos a metade desse recurso para a cidade de São Paulo, preparando-a para disputar a Expo 2020. Não ganhou a Expo. Nós ficamos com o dinheiro e estamos lá recuperando [o autódromo de] Interlagos, R$ 160 milhões, é o maior evento esportivo que tem no Brasil em público, em qualidade de gasto, o pavilhão do samba –São Paulo está lutando para chegar a ter uma fama igual à do Rio de Janeiro no Carnaval–, e recuperar o Anhembi, que é o maior centro de eventos que nós temos no Brasil. Nenhuma dessas obras começou. O dinheiro está parado na Caixa Econômica Federal e nós estamos aguardando que eles façam os projetos executivos. Vamos dar uma virada: Ssinalização de cidades históricas, Congonhas, Ouro Preto, São Luís...

Vamos voltar um pouco para São Paulo. O sr. está dizendo que Interlagos, Pavilhão do Samba, que eu não sei nem o que é isso, e o...
É uma cidade do samba construída em São Paulo, e o Anhembi.

E o Anhembi que é um centro de convenções, o mais famoso da cidade. Há um dinheiro do governo federal, quanto que seria isso?
Duzentos e... R$ 360 milhões.

E esse dinheiro está parado à disposição da Caixa Econômica e depende do projeto executivo que é responsabilidade da prefeitura?
Da prefeitura de São Paulo. E aí você não tem o projeto.

E o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, diz o que para o sr.?
Eles estão tocando. Eles não tinham projetos. Foram obras que ele já herdou da administração anterior, do [Gilberto] Kassab...

Não havia projeto herdado da administração anterior?
Não havia projeto, havia um problema. “Vamos perder Interlagos para a Argentina”, “vamos perder Interlagos para Santa Catarina”. Na hora que nós chegamos com o recurso, por ordem da presidenta Dilma, descobrimos que não tinha projeto. E aí a Caixa não contrata...

Isso quando foi?
Isso foi ano passado, por volta de outubro, novembro, quando São Paulo perdeu a disputa para a sediar a Expo 2020.

O que diz o prefeito de São Paulo a respeito do andamento da execução, da execução não, da criação desse projeto?
Eles dizem que estão concluindo essa fase de contratação com a Caixa dos projetos, até porque daqui a pouco nós vamos ter outro Interlagos, e o compromisso é de que a recuperação seria feita para o próximo evento esportivo. Já perdeu o Carnaval, o pavilhão da Cidade do Samba, o Carnaval é daqui alguns dias. Enfim, é uma coisa muito complicada, Fernando, que deve merecer a atenção muito dos nossos administradores. Vou te dar um exemplo menor, pequeno: sinalização turística para cidades históricas. Turista vai a Ouro Preto, Congonhas, Sabará etc. e não tem sinalização turística. Algumas têm, outras não têm. Nós demos entre R$ 1,5 milhão, R$ 2 milhões para as cidades históricas praticarem a sinalização. Ninguém contratou com a Caixa até hoje.

Quantos turistas estrangeiros recebeu o Brasil no ano passado?
Olha, ano passado, nós estamos fechando essa conta e acho que vamos chegar a 6 milhões de turistas estrangeiros.

Que é um número, para o Brasil, recorde, mas que ainda é pequeno quando se relaciona com outros países, não é?
Muito pequeno. Muito pequeno.

Por exemplo, o sr. tem de cabeça a ordem de grandeza do número de turistas estrangeiros que visitam a Argentina e o Uruguai, por exemplo?
O Uruguai são 3 milhões de turistas, a Argentina é um pouco mais, 4 milhões e pouco. Dos nossos 6 milhões, a metade é de argentinos.

Pois é, o Brasil desse tamanho recebe cerca de 6 milhões. O Uruguai com 3 milhões de habitantes recebe 3 milhões de turistas.
Uma população uruguaia, 3 milhões de turistas, basicamente em Punta Del Este e um pouco mais distribuídos.

Em que medida isso é um pouco a falta de investimento, infraestrutura, e em que medida é também um desconhecimento e desinteresse dos 5 mil e tantos prefeitos brasileiros, dos 27 governadores e até um pouco do governo federal de pensar de maneira mais estruturada como incentivar o turismo do Brasil?
Uma das grandes diretrizes que eu consegui estabelecer quando cheguei no ministério era colocar o turismo na pauta econômica do governo. Nós participamos com 3,7% do PIB. Isso em termos financeiros, isso dá mais de R$ 50 bilhões. R$ 50 bilhões, isto é maior do que o PIB global, não apenas do turismo, de mais de 100 países. O Brasil é a sexta economia turística do mundo. Temos um enorme potencial, mas estamos longe de virarmos um grande destino turístico.

Você acha que a presidente Dilma Rousseff abraçou de fato essa causa?
Eu posso falar por aquilo que eu participei. Lembro-me que quando ela preparava a primeira lista de desonerações da folha de pagamento para a indústria brasileira eu conversei com a presidenta no sentido de que ela colocasse os hotéis e os resorts. Ela viu os números que eu tinha levado e autorizou. Tanto que esses dois segmentos do turismo entraram na primeira lista de desoneração. Depois entraram também no abatimento do preço da energia elétrica, nós conseguimos alguns avanços na importação de equipamentos para parque temático sem similar nacional. Eles estão isentos de qualquer pagamento de imposto. Ela deu R$ 680 milhões para construir centros de convenções em dez cidades brasileiras que não tinham centros. Falando de grandes cidades, Curitiba, Porto Alegre. Enfim, ela teve uma atenção, mas é preciso que essa atenção seja maior. Ninguém gera emprego mais barato e faz inclusão social mais rápido do que o turismo, mas é preciso que esse trabalho permaneça e continue.

O que o sr. acha que poderia ter sido feito na sua gestão e que por dificuldades várias não foi feito?
Eu acho que uma mais completa desoneração tributária em toda a cadeia econômica do turismo. Nós temos problemas que poderiam ter sido superados, que ajudaria muito o turismo. Lhe dou como exemplo falta de conectividade área. As empresas brasileiras deixaram de viajar para o exterior. Praticamente não viajam mais para o exterior. O grande problema do Brasil aumentar o número de turista é que é muito longe, e o nosso turista de fronteira é o argentino. Metade dos 6 milhões são argentinos.

Que vão para Santa Catarina na sua maior parte, possivelmente.
Exatamente, vão ali, entram pelo Rio de Janeiro, vão para Santa Catarina. Nós temos linha área. Nós não temos conectividade. Quando você senta na mesa com empresário para discutir aumento de linha ele diz: “Bom, e a desoneração do querosene de avião, pelo ICMS?”. É difícil o nó tributário.

O sr. está dizendo tudo isso e eu conheço um pouco, não sou um especialista, mas conheço um pouco todos esses números e esses nós. Agora, o governo do qual o sr. faz parte vai completar 12 anos. Já não era tempo de ter feito alguma coisa mais eficaz para tentar contornar esse problema?
Eu sou do PMDB, eu estou no governo há dois anos e três meses.

Mas o governo como um todo...
O governo como um todo acho que...

Está lá há 12 anos.
O presidente Lula criou o ministério do Turismo e nomeou o seu primeiro ministro –primeiro ministro do Turismo, não o primeiro ministro do governo–, uma figura que  movimentou bastante o setor do turismo e deu ao ministério uma musculatura inicial muito boa que foi o Walfrido dos Mares Guia. A partir daí nós tínhamos grandes obstáculos a vencer. Nós temos um setor empresarial do turismo, principalmente donos de hotéis, são basicamente donos de um hotel, empresas familiares com modelos de governança muito mais voltado para a própria família do que propriamente para a agressividade de mercado. Então nós não temos empresariado ainda, que eu posso dizer a você, moderno, sabe? Que possa trazer modelos de governanças como a Espanha, como outros países que fizeram muito sucesso. Segundo lugar você não consegue enxergar no turismo a importância econômica que ele tem.

Mas o sr. não acha que quando o sr. fala do empresário, não tem um empresário porque o empresário não quer investir nesse setor no Brasil, ou o empresário não quer investir por conta dos outros problemas que o sr. já citou também?
É um pouco. Os empresários do setor hoteleiro, hoje, eles estão sendo superados pelas grandes redes internacionais que têm investimento próprio. Nós criamos linhas de financiamento através do BNDES, que são repassados pelo Banco do Brasil e pela Caixa, mas nós temos dificuldade e muitos problemas na questão de garantia. 130% de garantia para você tomar esse empréstimo. Então os empresários ficam meio receosos. Depois tem uma série de obstáculos que você tem que vencer. Nós precisamos de mais agilidade na concessão das licenças ambientais, tanto do Ibama quanto dos órgãos estaduais do meio ambiente. Nós temos inúmeros empreendimentos de grandes redes que estão parados há dois, três anos porque não se resolve a questão da licença ambiental. É um conjunto de fatores estruturais que nós precisamos vencer para que o Brasil deixe de ser potencialmente um grande destino e seja competitivamente um grande destino.

Falando do evento que está chegando, Copa do Mundo, há muitas dúvidas sobre a capacidade de o país apresentar esse evento para o mundo com êxito, sem muitos problemas –problemas um pouco pode ter sempre–, mas com êxito. Qual é o grau de confiança que o sr. tem hoje a respeito da capacidade do Brasil de executar tudo que tem que ser executado, recepcionar turistas para a Copa do Mundo de futebol?
Eu gosto muito de uma frase de um famoso publicitário brasileiro que diz “nós estamos fazendo uma Copa no Mundo no Brasil com brasileiros para grande maioria de torcedores que vão nos visitar que serão brasileiros”. Nós não estamos fazendo uma Copa do Mundo na Alemanha dentro da disciplina alemã. Dentro das condições que o Brasil tem nós avançamos muito e eu creio que o grau de susto diminui quando nós estamos mais próximos do evento cada vez mais. As arenas estão prontas. Temos um problema localizado, na arena de Curitiba, mas há toda uma expectativa de que ou termina ou ela será substituída. Os aeroportos estão...

Tem risco ainda de substituir a essa altura?
Eles têm um cronograma que eles se comprometeram com a Fifa e eles precisam cumprir. Tinha um problema de financiamento, é um empreendimento privado, mas eles têm, nós temos um prazo. A Fifa tem um prazo para que eles deem uma resposta sobre a arena de Curitiba. O restante está praticamente pronto. Você tem problema de acesso em Cuiabá, um problema de acesso em outro lugar, mas nada que nos deixe, que nos cause grande preocupação. Os aeroportos, aqueles que foram concedidos, as obras, como os de Brasília e o de Guarulhos, vão surpreender muita gente quando os tapumes forem retirados. Outros aeroportos, nós temos problemas, atenção total a Salvador, um pouco de Cuiabá. Os aeroportos que estão com a Infraero e estão com as suas obras atrasadas. O aspecto da mobilidade urbana é claro que nós não estamos cumprindo as etapas como elas foram previstas, mas você vai ter uma oferta de mobilidade que vai fazer a diferença do que você teve até antes da preparação da Copa. Segurança, nós estamos absolutamente tranquilos. Trabalhamos com planejamento. Estamos fazendo a união das forças federais com as forças estaduais. O governo está concedendo equipamentos. Está fazendo toda essa tentativa de ação harmoniosa. Acredito também que não teremos grandes sustos na área de segurança.

Protestos ou manifestações generalizadas nas ruas, durante a Copa do Mundo, podem ser semelhantes às do ano passado, o sr. acha?
É possível. É muito difícil ainda hoje, quase um ano depois, você fazer um julgamento isento de todo aquele movimento. O que motivou, porque as pessoas foram para a rua, porque reivindicaram tanto, onde está o grau de satisfação. Quer atingir ao máximo com a prestação de serviço público pelos entes. Publicamente foi, as pesquisas mostraram que ali estava o maior grau de insatisfação. Com o tipo de serviço e a quantidade de impostos que a população pagava. Então poderão acontecer manifestações. Você quer levar seu filho, sua mulher, ir para a rua protestar, o governo brasileiro tem toda uma tradição de tolerar bem essas manifestações. Agora, atos violentos, se houverem, serão reprimidos. Nós temos um exemplo recente agora, a Rússia se preparou para mostrar a nova Rússia com os Jogos de Inverno e, no momento em que um terrorista explodiu uma bomba em uma estação de trem matando 14 pessoas, o presidente [Vladimir] Putin botou o exército russo na rua, tomou providências e o evento esportivo ocorreu sem maiores acidentes após esse triste incidente da explosão em uma estação ferroviária. Portanto, se houver necessidade, é claro que o governo dispõe de outros mecanismos para reprimir esses atos de vandalismo.

O ministério do Turismo promove a imagem do Brasil e recentemente houve esse episódio da empresa de material esportivo Adidas, que fez anúncios considerados com tom derrogatório a respeito do Brasil. Isso tem sido muito recorrente, acontece sempre. Qual a sua avaliação desse episódio, no caso da Adidas, que fez umas camisetas com alguma conotação sexual a respeito do Brasil?
A Adidas retirou a venda das camisetas, falta proporcionar um pedido de desculpas oficial ao governo brasileiro, nós estamos aguardando que eles o façam no menor tempo possível.

Eles disseram que vão enviar um pedido de desculpas?
Nós estamos aguardando um pedido de desculpas e nós fomos comunicados oficialmente, pelo lado institucional da Adidas, de que as vendas seriam suspensas e aquelas camisetas seriam recolhidas. Mas eu aproveito para dizer, o Ministério do Turismo tem um site que, através de palavras-chaves, Brasil, turismo, nós identificamos sites estrangeiros, principalmente, ou brasileiros, que fazem uma apologia entre sexualidade e turismo. Normalmente esses sites estão hospedados em território americano, que dá mais facilidade para você ter um site. Quando nós reconhecemos esses sites, e ali é muito mais aberto do que uma camiseta, as propostas estão claras, tem identificação, telefone, etc., nós encaminhamos isso para a Polícia Federal e temos fechado muitos sites com relação a isso. Agora, nós não podemos achar que o problema está só na campanha que nós fazemos. Tem muito trabalho escravo, por exemplo, na época de Carnaval. Por quê? Porque as famílias aproveitam o Carnaval para ganhar algum dinheiro e a mão de obra disponível é o filho que vai com a mãe, que vai com o pai. Está vendendo refrigerante, está vendendo aquilo etc. Nós precisamos entender que aquilo não é uma manifestação de trabalho escravo, que ali é mais um problema das desigualdades econômicas que nós temos no nosso país. No disque 100 que a Secretaria de Direitos Humanos instalou, nós temos aqui em Brasília 400 operadores desse disque 100 trabalhando 24 horas por dia. Você liga, denuncia, a gente anota, determina o caso, localiza pela internet de onde aquela pessoa está ligando, aciona o conselho tutelar daquele município, a pessoa vai lá etc. Vem de tudo. Vem violência contra idosos, violência contra pessoas portadoras de necessidades especiais, uma criança de dez anos que ligou –essa foi eu que atendi–, queria deixar de fumar e estava pedindo ajuda para deixar de fumar. Então, está se criando uma rede de respostas imediatas e deve melhorar muito essas campanhas que nós estamos fazendo.

O sr. está no ministério há dois anos e três meses, aproximadamente, qual o sr. diria que foi o projeto que mais o entusiasmou e do qual o sr. mais se orgulha e gosta de divulgar no Ministério do Turismo?
Eu acho que a formação de recursos humanos. O Brasil tem como grande legado dessa Copa, eu penso, para o turismo, a oportunidade de deixar de ser uma país monoglota, de dar mais atenção aos cursos de turismo, que leve a uma prática por parte do aluno, e deixe um pouco a história do turismo, antropologia do turismo, que formam um belo cidadão do ponto de vista intelectual, mas um prestador de serviço que quando chega no mercado tem a maior dificuldade para operar. Tanto que nós mandamos agora 50 estudantes brasileiros para Portugal, passaram três meses trabalhando na escola de Setúbal, que é uma das escolas mais famosas de Portugal na formação e no treinamento da mão de obra técnica. Vamos mandar 100 para a Inglaterra, com a grande experiência colheu dos Jogos Olímpicos. Estamos mandamos 100 para a Espanha e eu quero ver se deixo no ministério uma proposta para chegarmos a mil alunos até o final desse ano. Então, vencer essa barreira do conhecimento, tornar o jovem brasileiro mais preparado para que ele atenda melhor o turista, eu acho que foi o desafio mais gratificante que eu tive no ministério.

É um projeto interessante. Agora, quando o sr. fala dos números, em um país como o Brasil, se for mil esse ano, comparado com o que não tinha é muito. Agora, comparado com a demanda brasileira ainda vai demorar muito pra ter essa mão de obra disponível em todo o país. Quanto o sr. acha que vai demorar para ter essa mão de obra disponível, qualificada, que saiba falar duas línguas, no setor de turismo?
Olha, eu acho que no Brasil as coisas acontecem, algumas vezes, com uma velocidade surpreendente. Eu lembro quando nós implantamos o Fies [Programa de Financiamento Estudantil]. Digo nós, quando o Congresso discutiu o financiamento do ensino superior. Havia todo o tipo de preconceito, “aluno vai estudar em escola privada”, “tem que estudar em escola pública”, “estão desviando dinheiro”. Hoje nós temos um milhão de contratos no Fies. Eu estou falando hoje, uma diferença de seis anos. Você tem um milhão de pessoas no Prouni, que é uma bolsa concedida. Eu acho que quando isso ganhar corpo econômico, o mercado passar a remunerar melhor, haverá uma pressão, não apenas em cima do Ministério do Turismo, mas das instituições públicas, das universidades, em cima do MEC [Ministério da Educação], em cima de uma série de instituições para que a gente vença aquilo que é a nossa maior barreira, a barreira da língua. O fato de o brasileiro não conseguir se entender com estrangeiro na língua do seu país.

Ministro, o sr. é deputado federal, licenciado para ocupar a sua função no ministério do Turismo, o sr. pretende concorrer a um novo mandato de deputado federal e por isso, então, vai deixar o ministério agora até abril?
É. Até o prazo de desincompatibilização eu deverei sair. Vou voltar para tentar conquistar mais um mandato de deputado federal. E eu gosto da Câmara. Acho que a Câmara tem um protagonismo muito forte em questões como educação, como desenvolvimento do turismo. Você tem um espaço de trabalho que me agrada muito e eu sempre que posso aproveito bem.

O sr. já comunicou a presidente Dilma Rousseff sobre isso e o que ela respondeu para o sr. a respeito da sua substituição?
A presidente respeita muito a decisão que você toma. A decisão de sair, disputar um novo mandato etc. e tal. É uma decisão minha, dentro do meu universo de problemas, de dificuldades, essa foi a minha decisão. A presidente está comunicada e nós estamos apenas aguardando que a presidente sinalize que dia nós vamos ter que sair do ministério.

Ela já deu indicação de quem pode substituí-lo?
Não. Nenhuma indicação nesse sentido.

Nem sobre se o ministério, que hoje é ocupado pelo sr., do PMDB, terá outro integrante do PMDB?
Não, nenhuma discussão desse tipo. Uma discussão que me parece muito importante é a discussão que este será o ano do turismo, será protagonista diante da Copa do Mundo, de uma movimentação muito especial por parte do governo, na propaganda, nas frases oficiais, nos filmes etc., é o turismo.

A impressão que se tem é que é um pouco contraproducente alguns ministros deixarem as suas pastas justamente em um ano tão importante, sob alguns aspectos, para a administração pública. No seu caso, ocorre esse problema? Porque o sr. vai sair justamente em um ano em que o Turismo vai ser muito demandado.
Veja, o ministério do Turismo hoje é completamente diferente do ministério do Turismo que eu assumi há dois anos e três meses atrás.

Em que sentido?
No sentido, primeiro, nós temos uma administração extremamente profissional. Nós usamos estratégias. Nós usamos os meios mais modernos de controle, de transparência. O Ministério do Turismo tem um único sistema em que qualquer cidadão brasileiro, sem necessidade de senha, acessa os nossos 18 mil contratos em 4 mil municípios brasileiros. Eles sabem como nós estamos aplicando aquele dinheiro, quantas parcelas eu liberei, quantas parcelas eu deixei de liberar, por que, quando foi empenhado, se é uma emenda, se não é emenda. Está disponível para todo mundo. Então se entrou em uma linha de produção praticamente automática. Nós temos um plano estratégico e cada servidor sabe a meta que tem que cumprir. A profissionalização do ministério permite que a saída do ministro não seja um impeditivo do ministério continuar cumprindo as suas funções. São jovens funcionários que nós permitimos. Então eu não vejo, individualmente, “ah, o ministro vai sair”. As coisas vão continuar ocorrendo bem.

Mas então permita-me problematizar um pouco. O sr. ocupa o ministério por força política, inclusive também do seu partido, PMDB, que faz parte do governo federal. E o sr. fez carreira política no Maranhão, é ligado ao grupo do ex-presidente José Sarney, com quem tem afinidades. Dentro do Ministério do Turismo há a Embratur, que está ligada à estrutura. A Embratur é comandada por um adversário direto do sr. no Maranhão, que é Flávio Dino, que vai concorrer ao governo do Maranhão contra o grupo de José Sarney. Esse tipo de diferença político-partidária dentro de um mesmo organismo público é a melhor solução?
Olha, eu diria que houve uma coincidência. Quando eu cheguei no ministério Flávio já era presidente da Embratur. No momento em que eu assumi o ministério, e na gestão anterior já o era assim, o ministro anterior também era do Maranhão, como o Flávio. Eu e o Flávio temos a compreensão de que muitas vezes as coisas com o Maranhão vêm forte demais. Ou seja, as coisas ultrapassam a realidade e entram um pouco no campo da fantasia. Imagina, Flávio, Embratur, eu, Turismo, trazendo os problemas do Maranhão no ano em que grandes eventos precisavam ser organizados. Então nós fizemos um pacto. Estamos saindo provavelmente juntos, tanto eu quanto ele, e nenhum momento nós permitimos que as nossas diferenças locais atrapalhassem os nossos trabalhos aqui em Brasília. Quando acabar, eu sair, e ele sair também, nós estamos em campos distintos. Mas eu dentro do ministério e ele dentro da Embratur nós não nos permitimos que isso acontecesse.

Mas esse tipo de ocupação de cargos, que é um modelo que não foi inventado pelo governo atual, que está aí há muito tempo, mas foi usado pelo modelo atual, é o melhor?
Eu acho que não. Eu acho que nós precisamos de um novo conceito de governabilidade. Primeiro, eu não acredito que a governabilidade tem que expressar sempre maioria absoluta que o governo tem que ter no Congresso. Eu acho que governabilidade é você ter maioria em projetos que são essenciais para o país. Aí você faz um apelo para os partidos, para que aquele projeto ser aprovado. Essa maioria absoluta que implica em ministérios, que implica em uma série de concessões administrativas, eu acho que esse modelo começa a dar sinais de esgotamento. Ou seja, o presidente tem que entender que, ao chegar respaldado pelas urnas, ele consegue fazer reformas sem ter essa grande maioria que poderia fazer com que essa reforma saísse facilmente. Aliás, a minha história de Congresso tem mostrado que, na maioria das vezes, essa maioria muito mais atrapalha do que permite ao governo uma boa execução das suas ações. E muitas vezes a ausência de maioria não impede do presidente da República tirar do Congresso aquilo que quer. Dou como exemplo o [Fernando] Collor e o Plano Collor, que foi quase por unanimidade no Congresso e depois não teve uma contestação judicial. E o Collor tinha um partido pequeno, vinha de um Estado...

Mas a gente sabe o que aconteceu com o Collor depois.
Sim, depois. Mas no momento em que ele assumiu, ele teve unanimidade e arrancou o Plano Collor do Congresso Nacional. Portanto, eu volto para o Congresso querendo entrar nesse debate. Acho que esse modelo de governabilidade ele dá sinais claros de esgotamento e ele precisa ser trocado.

O número de ministérios, 39, é excessivo?
Veja, eu despacho com quem? Eu tenho um problema, vamos dizer esse que eu lhe falei, de formação de recursos humanos no exterior. A minha primeira providência foi conversar com o ministro [Aloizio] Mercadante [então na Educação], que tinha o [programa] Ciências sem Fronteiras. Do ministro Mercadante eu precisava falar com a ministra Miriam [Belchior, do Planejamento], porque eu precisava ter recursos para colocar o meu programa em pé.

Isso.
Em terceiro lugar, eu precisava ir à Casa Civil e dizer para a ministra Gleisi [Hoffmann] que tinha aquele programa e se eu podia tocar aquele programa. Em nenhum momento eu tinha a necessidade de falar com a presidenta. Eu poderia resolver aquela questão nos escalões definidos aqui embaixo.

Mas o sr. respondeu de uma forma à mesma pergunta que eu vou fazer de novo: Ainda assim, são necessários 39 ministros?
Eu penso que se cada ministro entender que despachar com a presidente, ocupar o tempo da Presidência é algo que lá fora marca o prestigio dele, aí eu acho que é excessivo. Mas se você consegue identificar onde está o poder capaz de resolver aquela questão sua, eu acho que pode ter menos, mas 39 não atrapalha porque o centro do poder está envolvido com poucos ministérios e poucos ministros.

Nesses dois anos e três meses no ministério, o sr. se encontrou quantas vezes com a presidente Dilma, assim, com audiências especificas para o seu ministério?
Eu acho que umas quatro vezes, em audiências solicitadas para discutir problemas específicos. Como eu lhe disse eu usei muito os meus canais de comunicações, ministra Gleisi, ministra Miriam, ministro da Educação, e conheci bem a presidente nas viagens que fizemos. Era sempre uma pessoa que a gente tinha durante as viagens, conversas, nada de assuntos administrativos, mas outros assuntos que mostravam um pouco como era a personalidade da presidente.

Política do Maranhão, aí de novo. Deixa eu perguntar para o sr. Em 2010 houve uma discussão grande dentro do PT a respeito de o PT, no Maranhão, apoiar Roseana Sarney na eleição para governo do Estado. O PT, por força do Diretório Nacional, apoiou Roseana, que está lá como governadora. Roseana Sarney, do PMDB, do seu partido. Neste ano de 2014, a espectativa do PMDB é que o PT, no Maranhão, continue oficialmente apoiando e quais as chances disso ocorrer?
Olha, eu acho que o PT vai continuar apoiando, por uma razão muito simples: ele fez parte do governo Roseana. O PT tinha vice-governador e tinha cinco secretarias de Estado. Inclusive secretarias importantíssimas como Secretaria de Educação e Secretaria de Ciência e Tecnologia. Só que a bancada do PT, no caso do Maranhão, que aliás o pessoal brinca, é o PT mais complicado do Brasil. O PT tinha um deputado federal, três deputados estaduais e nenhum vereados na capital. Portanto, a expressão eleitoral do PT no Maranhão sempre foi uma expressão abaixo do que o PT tem em outros Estados. Portanto, o PT não tem esse desempenho eleitoral. Ele é um parceiro fundamental por uma série de razões...

É que na verdade, a gente sabe que o tempo de televisão, por uma anomalia da lei brasileira, é determinado pelo número de deputados eleitos para a Câmara aqui em Brasília. Então se o PT tiver um ou zero deputados no Maranhão não faz a menor diferença porque o tempo de TV dele que é grande será entregue à aliança da qual ele faz parte.
Faz parte, ou dividido pelos outros partidos.

Claro.
Então eu acho, inclusive Fernando, que essa é uma discussão que eu também pretendo me envolver no Congresso. Eu acho que a reforma política não anda por causa dos pequenos partidos. E a questão do tempo de televisão é um grande impedimento para se ter uma reforma política. Esse é um tema que você tem que abordar e tem de obrigar o Congresso a discutir. Pelo menos um grupo de deputados tem que discutir essa questão.

Esse é um tema que está aí há muito tempo. Mas ainda voltando no caso do PT no Maranhão a espectativa sua é que continue dentro da aliança formal que elegeu Roseana Sarney. O sr. teve alguma indicação por parte da direção nacional do PT nesse sentido?
Não. Nenhuma indicação, apenas a indicação que nós tivemos é que o PT foi muito bem tratado no governo, hoje mesmo ele continua tendo quatro secretarias no governo. O PT do Maranhão é muito dividido. Tem o PT que não obedece ordem nem da direção nacional. Esse PT tanto em 2010, como provavelmente agora em 2014, ele vai seguir uma linha que não tem nada a ver com a determinação da direção nacional. Apesar da sua maior estrela, que é o deputado Domingos Dutra, ter deixado o PT. Portanto eu creio que essas coisas continuarão.

O sr. acha que é necessário uma intervenção da direção nacional do PT novamente no Maranhão?
Eu acho que não porque as peças se movimentaram e o próprio candidato de oposição, a quem o apoio do PT seria muito bem-vindo, ele já se movimentou em outras direções provavelmente considerando que não terá o apoio do PT.

O seu partido, o PMDB, aqui em Brasília, tem liderado por meio do líder peemedebista na Câmara, Eduardo Cunha, a formação de um grupo de partidos, o chamado blocão, para fazer uma certa pressão sobre o governo federal, para que o governo federal atenda a determinadas demandas e sobretudo contemple esses partidos agora na reforma ministerial. Por que a situação chegou a esse ponto?
Por que se chama blocão?

Porque tem muitos partidos.
Pois é, mas te remete à Constituinte. Quantos anos faz que nós fizemos a Constituinte?

Com o centrão.
É. O agrupamento de deputado vem de lá. O mesmo modelo do centrão. É o mesmo modelo do centrão. O deputado, principalmente, no ano de eleição, ele fica muito preocupado com as suas emendas. Ele sabe que a moeda de troca que ele tem com a sua base eleitoral é o trabalho que ele prestou durante o seu mandato para aquela comunidade. Então se ele não prestou um trabalho importante, ele ainda tem alguns meses para tentar prestar. A emenda se torna a moeda mais importante na cabeça de um parlamentar. Seja senador...

A gente pode chamar isso de fisiologismo?
Eu diria que não, é legítimo. O que você tem com o seu quinhão do poder é a emenda que a lei lhe determina e que você usa para fazer a sua política.

Qual é a definição mais correta de fisiologismo no caso da política?
Eu acho que fisiologismo no caso da política é quando você busca um pedaço do poder para exercer exclusivamente os seus interesses pessoais, ou de familiares. Agora, um deputado que tem uma emenda que constrói um posto de saúde, onde tem um médico cubano atendendo à população, ele tem discurso com a população. E a população está cobrando. Nós estamos vivendo um ano de entrega. Quem não entregou vai ter muita dificuldade de se reeleger.

Mas o que aconteceu no governo da presidente Dilma para que a situação ou a relação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso, sobretudo na Câmara, chegasse ao nível atual, vamos dizer, de deterioração?
Eu ouço dos líderes que passam pelo meu gabinete, que são líderes de vários partidos, enfim, não apenas do meu partido, do PMDB, de que eles gostariam de ter uma interlocução mais amiúde, mais próxima, mais íntima com o poder central.

Mas a gente não ouve isso sempre há muitos e muitos anos, em muitos governos e é uma reclamação momentânea e daqui a pouco tudo isso acomoda?
A política tem de se acomodar até porque o tempo é finito. Você tem quatro anos de mandato, então tem de ter uma acomodação. Eu creio que há uma repetição. Há uma monotonia nessa questão política. Quando eu lhe falo que nós precisamos discutir o conceito de governabilidade é exatamente para fugir dessa monotonia, porque dá uma desgaste. Da um desgaste para todo mundo.

Não é constrangedor que o seu partido que tem a Vice-Presidência da República, dos partidos aliados é o que tem o maior número de ministérios, esteja nesse episódio sendo protagonista, por meio do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha?
Se eu estivesse na Câmara eu lhe daria uma resposta do ponto de vista da bancada. Estando no ministério eu lhe dou uma resposta do ponto de vista de quem está no ministério fazendo parte de quem está no governo. Nós temos o vice-presidente da República, fizemos o presidente do Senado, fizemos o presidente da Câmara. No mínimo deveria haver uma compreensão de que nós estamos no poder.

Exato.
Então nós não somos partido de oposição querendo entrar. Nós somos partido que está no poder. O poder está sendo compartilhado conosco. Nós temos o controle das duas casas do Congresso e temos a Vice-Presidência da República.

Exato, mas como é possível que esse partido que está no poder lidere essa revolta, vamos dizer assim?
Se eu estivesse na Câmara eu teria um entendimento melhor do que está se passando.

Mas o sr. sabe o que está se passando...
Agora como ministro eu acho que não é possível. Eu não me sinto bem, eu não me sinto confortável em ser ministro do governo e ver o partido que me indicou estar em um ambiente de grande hostilidade com o governo, ou o governo de grande hostilidade com o partido. Eu creio que era preciso haver um entendimento, e um entendimento rápido porque essa situação traz muito desgaste, tanto para o governo, que tem uma pauta, que todo dia tem uma desarrumação, quanto para o próprio partido, que passa essa imagem de fisiologista.

Essa situação é uma daquelas que pode ser resolvida por decantação apenas, deixar um pouquinho o tempo passar e as coisas se resolvem?
Eu penso que não. Eu penso que não porque, pelo que eu também percebo no meu gabinete, onde passam deputados de diversas bancadas, de diversos partidos, o grau de insatisfação atingiu um ponto preocupante. E na política é conversar. É desarmar nós, é construir pontes, é manter o entendimento. E isso que eu acho que precisa ser feito, e está sendo feito, pelas lideranças tanto do governo quanto dos partidos.

Mas não é isso que a gente ouve ainda no Congresso. Que ainda não há um entendimento por parte de muitos desses deputados do blocão de que o governo está se esforçando no nível que deveria para resolver o problema.
Tem dois níveis de problemas. Você tem um, que pega a grande massa dos deputados, que corresponde às emendas. E você tem outro, que corresponde à elite da Câmara, à elite partidária, dos diversos partidos, que se refere a cargos no governo. Se você consegue desarmar o nó das emendas, elas serem impositivas não porque o Congresso votou, elas serem impositivas pelo governo reconhecer que aquilo é um direito do parlamentar, ter aquela emenda, esse parlamentar que está brigando pela sua emenda não é o mesmo parlamentar que está brigando por maior participação no governo.

Então o sr. está dizendo que a recomendação objetiva, se o sr. pudesse recomendar, seria que alguém dentro do governo federal observasse a lista de emendas ao Orçamento feitas por deputados ou senadores e que liberasse o mais rapidamente possível?
Não apenas aquelas que são impositivas, que são 50% das emendas, mas aquelas que não estão impositivas e que nós deveríamos liberar, porque é um direito do parlamentar.

Isso que o sr. está dizendo parece ser muito simples.
E é simples.

Por que que o governo não faz?
Porque você ter uma maioria tão grande... Que eu não vejo necessidade de se ter essa maioria tão grande. Se você tivesse uma maioria necessária para aprovar os seus projetos importantes, o carinho, a interlocução, a atenção se daria de uma forma mais fácil. Uma coisa é você contemplar dois, três partidos que formam a sua base. Outra coisa é você contemplar 13 partidos.

Mas então qual é a solução? O que que o governo da presidente Dilma Rousseff deve fazer, se o sr. pudesse sugerir?
Dialogar. Reunir os líderes. Muitas vezes com a própria presidenta. Não apenas com a secretária de Relações Institucionais [Ideli Salvatti], com o chefe da Casa Civil [Aloizio Mercadante]. Muitas vezes a presença do presidente, da figura maior da política do país remove muito mais montanhas do que a gente possa imaginar.

Ela faz menos do que poderia este tipo de reunião?
Aí é julgar um tipo de personalidade. Eu diria que o Conselho Político do qual eu participei algumas vezes, que tinha todos os líderes partidários, na Câmara, no Senado, presidente de partido, em que se discutia a pauta do mês, as dificuldades, aquilo que poderia ser removido, eu creio que essa é uma prática que deveria ser recorrente.

Por que que o sr. acha que, com mais de três anos de governo, isso ainda não ocorre no governo da presidente Dilma?
Você tem o problema do temperamento, você tem o tamanho do... As pessoas usam uma expressão chula, né. Da paciência que você tem para ouvir deputado. Para ouvir reclamação. Para ouvir pedido de transferência, uma série de coisas. Nem todo mundo tem esse tipo de apetite. É por essa razão que as lideranças da Casa, do governo, têm de funcionar. E para a liderança funcionar é preciso entender o que o governo quer fazer. Portanto há toda uma movimentação.

Existe um risco no momento de deterioração ainda maior?
Eu creio que não porque as pessoas começaram a dialogar. Há uma movimentação, ontem mesmo eu estive com o presidente do meu partido, o senador [Valdir] Raupp, que estava buscando o entendimento. Isso é permanente no vice-presidente Michel Temer. Eu acho até que essa disposição para dialogar também é do líder Eduardo Cunha.

Mas ele, como eu disse para o sr., lidera o movimento e ele se comporta com um discurso –sem fazer juízo de valor se está certo ou errado–, mas ele tem um discurso mais de alguém que está numa posição de adversário do que aliado do governo.
O líder Eduardo Cunha ele tem uma frase, eu já ouvi como deputado, enquanto estava na Câmara, e vou ouvir mais porque vou retornar, que ele diz que ele é o porta-voz do sentimento da bancada.

Ou seja.
Eu já tive líderes que a bancada queria ir para um lado, mas ele ia para o outro. O que o Eduardo tem feito, como prática do exercício da liderança dele, é que ele realmente é o porta-voz das reclamações da bancada. Muitas vezes isso aconteceu até comigo. Muitas vezes a bancada reclamou do Ministério do Turismo e o líder foi lá como porta-voz desse movimento, me dizer “olha, a bancada quer falar com você porque não concorda com isso e com aquilo”.

O sr. está dizendo que o líder do PMDB Eduardo Cunha, na Câmara dos Deputados, simplesmente vocaliza uma insatisfação geral e não é ele o condutor disso por desejo próprio?
Não, aí seria negar grandes qualidades que o líder tem. Ele é um homem trabalhador, extremamente observador, presente, ele tem opinião sobre as coisas, ele sente que é um homem preparado na discussão dos diversos temas. O que eu digo é que ele é, na maioria das vezes, porta-voz do sentimento da bancada, e a bancada está insatisfeita, ele leva essa insatisfação.

É que olhando de fora parece... Porque o líder pode modular um pouco quando vocaliza o desejo dos seus liderados. A impressão que se tem, quando ele faz a modulação, ele exagera para um lado, na opinião do governo isso. Não estou fazendo eu o juízo de valor. Ou, para usar uma expressão mais popular, ele joga mais gasolina na fogueira.
Mas muitas vezes, algumas vitórias o governo obteve na Casa graças também à compreensão do líder. Só porque a gente está somando aí só os fatos que foram negativos. Mas teve votações muito importantes para o governo que o PMDB votou com o governo, que o PMDB entendeu a posição do governo e o líder trabalhou no sentido de que essas coisas não acontecessem.

Que consequências poderiam existir aí dessa situação atual, que não é muito boa, na relação Planalto-Congresso, ao longo do processo eleitoral este ano se não houver uma melhora significativa?
Eu acho que o parlamento, a Casa, a Câmara, nós vamos funcionar até julho. A partir de julho cada um tem uma agenda própria, que é a sua reeleição, esvazia-se, trabalha-se 15 dias, 15 dias está nas bases eleitorais, portanto essa efervescência, naturalmente você ter outras prioridades, ela tem uma tendência a baixar. E aí é eleito o presidente, ele chega com uma força muito maior para poder dialogar com os seus comandados. Então isso é uma movimentação que vai aí até junho. Isso não quer dizer que ela não tenha que ser observada e contida. E eu creio que nós temos várias maneiras de fazer isso acontecer.

O sr. acha que a equipe que conduz a coordenação política da presidente nos últimos meses fez o que de melhor poderia ter sido feito?
Olha, eu não estou no Congresso, é muito difícil você, sendo parlamentar, não estando lá, fazer uma conceituação de como as coisas lá ocorrem. Eu não me arriscaria a fazer isso. Eu penso aquilo que as pessoas vão ao meu gabinete e dizem. Tem semana que está todo mundo elogiando, tem semana que está todo mundo criticando, na outras semanas está todo mundo elogiando, enfim. Isso faz parte um pouco do jogo que se produz nas duas Casas do Congresso.

Estou perguntando isso para o sr. porque a gente ouve análises sobre a Região Nordeste, do ponto de vista eleitoral, e há uma análise na praça que indica que, neste ano de 2014, a facilidade, vamos dizer assim, que teve a presidente Dilma Rousseff em 2010 dificilmente será replicada. Há algumas divisões em alguns Estados que não existiam tão claramente em 2010. O sr., que é do Maranhão e conhece a região toda lá também, o que acha? Acha que 2014 vai ser, para a presidente Dilma Rousseff, tão fácil como pareceu ser em 2010?
Eu acho que essas condições voltarão a acontecer. Dificilmente não serão replicadas. Porque você tem de ver... Você está lidando com o eleitor que está satisfeito com o que recebeu. Ele quer receber mais. Ele era uma pessoa que não tinha nada. Ele começa a receber benefícios do governo. Correção do seu salário mínimo pelo valor acima da inflação, nível de emprego se mantendo, ele passou a ser um consumidor, você cria Bolsa-Família, você cria uma série de condições e agora ele está tendo aquilo que era o grande sonho dele que é o [programa] Mais Médicos. Ele está conseguindo ter na sua comunidade um médico que está ali, almoçando, jantando e dormindo com aquela... Ele quer mais, ele quer mais. E ele acha que quem pode dar mais para ele do que ele já tem é a presidente Dilma. Como nordestino, eu posso lhe dizer que hoje –pode ser que amanhã mude completamente– a presidente Dilma não sofre abalos na popularidade que o presidente Lula teve, que ela teve na última eleição, em amplas camadas da Região Nordeste. Claro que Pernambuco é uma situação diferente, pelo grande protagonismo do governador Eduardo Campos, mas no restante do Nordeste eu não creio ter havido ainda nenhum abalo.

Mas veja só, por exemplo, no seu Estado, no Maranhão, haverá um candidato que possivelmente esteja alinhado, competitivo, que é Flávio Dino [PC do B], como dizem aqui as pesquisas, para ganhar ou não, mas competitivo, terá uma votação aparentemente expressiva. E pode se alinhar a um dos candidatos a presidente de oposição. Na Bahia, onde não houve uma força de oposição muito robusta em 2010, agora está se formando um movimento para haver uma oposição mais forte. Isso, olhando em cada Estado, vai se observando isso. Sem contar Minas, que não tem a ver com o Nordeste, que também será uma situação diferente. Isso aí não muda um pouco o cenário?
Eu continuo acreditando que não, porque a minha maneira de encarar as coisas é do ponto de vista da satisfação do eleitor. Para que o eleitor abandone a posição que ele teve em 2010, ele precisa ter uma emoção muito maior do que ele teve com o Bolsa-Família, com todos os programas de amparo que o governo federal teve para ele. E essa emoção eu não vi surgir. O que que vai chegar na casa desse eleitor para que ele compreenda que é melhor ele arriscar um candidato novo do que ele se manter com aquilo que ele já conhece e que ele tem uma esperança que vá melhorar. Desse ponto de vista é que eu digo que eu não vejo como a posição da presidenta ter tido abalos na Região Nordeste, fora os casos específicos de Pernambuco, evidentemente, que é um caso à parte.  Em todas as pesquisas que nós fazemos no Maranhão a presidente Dilma tem mais que 57%.

Ministro Gastão Vieira, do Turismo, muito obrigado por sua entrevista à Folha de S.Paulo e ao UOL.
Eu que agradeço.