Mensalão representou fim da impunidade para poderosos, diz ONG anticorrupção
Dez anos depois de o caso do mensalão vir à tona, as esperanças de que o Brasil se tornaria um país menos corrupto não se traduziram nos números do ranking da Transparência Internacional, ONG especializada no combate à corrupção em todo o mundo. De acordo com o ranking sobre a percepção da corrupção elaborado todos os anos pela TI, a imagem sobre a corrupção no Brasil se manteve praticamente estável desde que o caso do mensalão foi revelado.
Em 2005, o Brasil ocupava a 63ª posição em um ranking que tinha 159 países. Em 2014 (último ano disponível), o Brasil estava na posição nº 69, em um ranking com 175 países.
Especialista em combate à corrupção, o diretor para as Américas da Transparência Internacional, Alejandro Salas, diz, porém, que os números não refletem exatamente tudo o que aconteceu nos últimos dez anos no Brasil.
Em junho de 2005, o então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) admitiu, em uma entrevista publicada pelo jornal "Folha de S. Paulo", a existência de um esquema de compra de apoio político coordenado por figuras como o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu.
Em uma entrevista ao UOL, Salas diz que a combinação entre sucessivos escândalos e medidas reformadoras foram responsáveis pela “estagnação” do Brasil no ranking. Ele afirma ainda que um dos principais legados do mensalão é que o brasileiro está mais consciente sobre os impactos da corrupção na sua vida e alertou que o futuro do combate à corrupção no país vai depender do que for feito em relação ao caso Lava Jato.
UOL - De acordo com os dados do ranking da Transparência Internacional, a nota do Brasil se manteve praticamente estável nestes 10 anos. É possível dizer que o combate à corrupção no Brasil no período ficou estagnado?
Alejandro Salas - Se você olhar apenas para os números, sim. Mas, quando você olha dentro dos números e tenta entender as razões, você vai ver que não é porque nada aconteceu. Ao contrário. O Brasil é um dos países onde mais coisas aconteceram neste assunto. Eu vejo uma interessante combinação de fatores: grandes escândalos combinados com reformas. Acho que isso manteve o equilíbrio. O índice mede a percepção da corrupção. O índice não diz se o Brasil é mais corrupto ou não. Muita coisa aconteceu em dez anos. A corrupção sempre esteve presente no Brasil. Não é algo que tenha começado agora, ou no governo Lula, por exemplo, ou em governos nos últimos 10 ou 15 anos. A diferença é que agora a gente ouve muito mais sobre o assunto. Nós tivemos o mensalão, tivemos a Petrobras, tivemos também escândalos sobre as obras da Copa do Mundo. Isso tem um efeito sobre a percepção da corrupção. Meu palpite é que o Brasil deverá cair [de posição] no próximo ranking. Acho que os escândalos foram muito grandes. Mas acho que, se as lideranças do país fizerem as coisas certas, se fizerem algo grande com a Petrobras... em dois ou três anos o Brasil vai subir. Mas depende da liderança.
Em que pontos o Brasil avançou e onde o Brasil “patinou” no combate à corrupção nestes dez anos?
O mensalão é um marco histórico. Ele representou o fim da impunidade para os poderosos do Brasil. Outra coisa importante foi a Lei da Ficha Limpa. Foi um momento muito importante em termos de mobilização social. Outro avanço foi a aprovação da Lei de Acesso à Informação. Muitos países eram mais avançados que o Brasil nesse assunto. O trabalho de Jorge Hage [ex-controlador-geral da União] também foi muito importante, ainda que ele tivesse poucos recursos. Acho que a mudança na legislação para que companhias sejam punidas por atos de corrupção também é significativa. Mas penso que o grande teste de fogo para o Brasil será a Petrobras. O mundo todo fala sobre a Petrobras. As decisões que serão tomadas agora vão definir se as coisas no Brasil vão mudar ou não.
Você mencionou os avanços, mas e as falhas?
Acho que ainda há muitas falhas em políticas de transparência e na forma como os partidos e os políticos são financiados. Acho que o Brasil não se moveu nesse sentido. Estou muito orgulhoso do que vejo em relação ao Judiciário. Temos alguns bravos procuradores, mas as leis são muito antigas e tudo se move muito lentamente. Acho que precisamos ter uma renovação no sistema judiciário.
Alguns analistas dizem que o caso Lava Jato é, em certa medida, uma “evolução” do mensalão. O senhor concorda com essa análise?
Eu concordo. Vejo muitas vezes que a corrupção se move mais rápido que as medidas para combatê-la. Acho que isso é algo que está em debate no Brasil há algum tempo e isso tem a ver com o sistema político e sobre como os partidos são financiados. Esse dinheiro na política é uma maneira muito sofisticada de influenciar a decisão de políticos que podem beneficiar grupos com interesses específicos. No meu país, o México, há muito dinheiro vindo dos cartéis de drogas. É dinheiro ilegal. Nos EUA e provavelmente no Brasil, é dinheiro legal, mas que vai para campanhas para comprar benefícios. Isso significa que aqueles que tiverem o dinheiro e o poder ganham mais benefícios da democracia do que os cidadãos normais. Dinheiro paga influência.
No Brasil, há uma reforma política em andamento e há uma discussão sobre a proibição das doações de empresas privadas a partidos e a políticos. Qual sua opinião a respeito?
Independentemente do sistema que cada país adota, o que precisa haver é transparência. Se uma companhia decide doar dinheiro para uma campanha, os eleitores precisam saber quem está dando dinheiro para quem e quanto. Se isso acontece, nós podemos checar se um político está atuando baseado em política ideológica ou nos interesses de quem financiou a campanha. Por isso que o princípio da transparência é ainda mais importante aqui.
Há uma percepção de que o povo brasileiro sempre foi “tolerante” em relação à corrupção. Você acha que isso mudou nesses últimos dez anos?
Sim. E acho que este é um momento muito importante para o Brasil. Você se lembra de junho de 2013? Havia milhões de pessoas nas ruas. Se eu lembro bem, eles foram às ruas por conta de uma elevação de preços nos transportes. Mas, rapidamente, as demandas das pessoas focaram na corrupção. Os brasileiros entenderam que eles estavam tendo serviços piores porque o dinheiro estava sendo usado em corrupção. E acho que isso, para os brasileiros, é muito importante. Acredite ou não, muitas vezes, o povo não faz essa conexão. Eles não levam para o lado pessoal. Mas acho que agora os brasileiros fazem isso. Eles dizem: “Eu tenho um serviço ruim e essas pessoas estão ficando ricas com o meu dinheiro”. Para mim, é um momento histórico para o Brasil.
Durante a campanha, a então candidata à reeleição Dilma Rousseff (PT) prometeu um pacote anticorrupção que até agora não foi posto em votação. Como a comunidade internacional recebe esse tipo de mensagem?
Quando políticos disputam eleições, eles prometem muitas coisas [risos]. Em todo lugar. Não estou dizendo com isso que ela não tem a intenção de fazer ou de ir adiante, mas acho que as coisas no país explodiram nas mãos dela. A Petrobras, crise econômica e acho que de uma maneira ela não é, neste momento, uma presidente forte. Ela precisa de muita negociação, ela precisa de muito poder para passar leis no Congresso Nacional. Eu não acho necessariamente que ela não quer. Talvez ela as fará, mas acho que ela tem muitos problemas ao mesmo tempo e que isso a freou. Neste momento, olhando de fora, eu não estaria completamente desapontado. Acho que ainda tem tempo para as coisas serem feitas.
Há razões pra acreditar que o Brasil será um país menos corrupto em dez anos?
Eu acho que sim. O fato de que hoje nós falamos mais sobre corrupção e que jornalistas descobrem mais sobre o assunto é positivo. Isso mostra que nós somos capazes de identificar e botar pressão sobre políticos. Acho que há uma oportunidade para as lideranças do Brasil. Se eles tiverem coragem de fazer as coisas grandes em relação ao combate à corrupção, como transparência em contratos entre setor público e privado, financiamento de campanha, acho que uma conversa sobre corrupção no Brasil em dez anos poderá ter uma nova direção.
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