Na contramão da Justiça, partidos não abrem processo contra investigados
Dois dos principais escândalos de corrupção na política brasileira da última década, o mensalão e o esquema investigado pela Operação Lava Jato, colocaram dezenas de políticos no banco dos réus e ajudaram a reforçar o sentimento da sociedade contra a corrupção. Entretanto, a maioria dos principais partidos do país não abriu processos internos para questionar os investigados em relação às suspeitas contra eles ou chegaram a punir os já condenados pela Justiça. São poucas as exceções: apenas um dos sete partidos questionados pelo UOL.
A reportagem questionou sete partidos que possuem filiados investigados e condenados pela Lava Jato ou condenados no mensalão sobre se foram abertos processos internos nas legendas para apurar a responsabilidade de seus filiados nos escândalos e eventualmente aplicar punições.
Apenas o PT abriu um processo em sua Comissão Nacional de Ética, em 2005, contra o ex-tesoureiro do partido, Delúbio Soares, que terminou expulso da legenda naquele mesmo ano sob suspeita de participação no mensalão.
Até 15 de julho, PMDB, PP, PSDB, PTB e PR nunca questionaram formalmente seus filiados suspeitos de envolvimento no mensalão ou no petrolão. A comissão de ética do DEM decidiu não abrir processo contra o senador e presidente do partido Agripino Maia (RN) após ele convocar por iniciativa própria reunião para dar explicações sobre o inquérito aberto pela Lava Jato. O partido informou ter se sentido contemplado pelas explicações de Agripino.
O PT também poupou os seus filiados. Lideranças importantes do partido, como o ex-ministro José Dirceu e os ex-deputados federais José Genoino e João Paulo Cunha, foram condenados no STF (Supremo Tribunal Federal) e nunca responderam a questionamentos internos no partido. Todos sempre alegaram não ter cometido irregularidades no caso e o PT defendeu publicamente a inocência de seus filiados à época do escândalo, revelado em 2005, com a entrevista do então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) ao jornal "Folha de S.Paulo".
O número de investigados pela Lava Jato é alto. O PP possui ao menos 31 políticos alvo de inquérito na operação, o PT, 14, e o PMDB, dez. Como alguns inquéritos são sigilosos e as investigações estão em andamento, esse número pode ser alterado.
O PSDB teve dois inquéritos recentemente abertos contra o senador e presidente do partido, Aécio Neves (MG), com base em informações reunidas a partir da Operação Lava Jato.
Nenhum dos partidos abriu processo nos comitês de ética partidários por causa das suspeitas contra filiados levantadas pelas investigações da Lava Jato.
No PT, dois envolvidos se desfiliaram do partido antes do desfecho do processo. Foi o caso do senador cassado Delcídio do Amaral (MS) e do deputado federal cassado André Vargas (PR). Vargas deixou a legenda antes até que seu processo fosse aberto, o que era dado como certo por membros do partido.
O professor licenciado da UnB (Universidade de Brasília) Paulo Kramer afirma que a maioria dos partidos compartilha do "atraso ético" que na visão dele atinge a classe política. "As direções partidárias comungam desse atraso ético da classe política como um todo. Ainda raciocinam naquele modo: a gravidade do crime não importa, importa quem o cometeu", diz Kramer.
Mensalão
Há ainda casos em que condenados pela Justiça voltam com honrarias e homenagens do partido, como o ex-deputado federal Roberto Jefferson, delator e condenado em 2012 no mensalão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Este ano, menos de um mês após ter sua pena extinta por perdão judicial, em março, Jefferson retornou à presidência do PTB e passou a estrelar comerciais do partido na TV. O PTB informou, por meio da assessoria de imprensa do partido, que seus integrantes condenados no mensalão não foram alvo de processo de ética interno.
No mensalão, o PT teve quatro filiados condenados, o PP, o PR e o PTB, três (cada partido), e o PMDB, um filiado. Os partidos não abriram processos internos para questionar os condenados, à exceção de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT expulso da legenda antes do julgamento pela Justiça.
Já o chamado mensalão tucano, esquema considerado por investigadores como o embrião do mensalão no governo do PT, condenou em dezembro de 2015 o ex-governador de Minas Gerais pelo PSDB Eduardo Azeredo a 20 anos de prisão por peculato e lavagem de dinheiro. Como nos exemplos acima, o PSDB também não investigou seu filiado.
PT diz não "antecipar julgamento"
O coordenador da Comissão Nacional de Ética do PT, Francisco Rocha, afirma que o partido só avalia se será aberta uma investigação contra seus filiados após haver condenação definitiva na Justiça.
“Não vamos entrar em uma lógica de condenar as pessoas antecipadamente simplesmente porque são citadas [numa investigação]”, diz Rocha.
O dirigente do PT cita o caso do senador Humberto Costa (PE), prejudicado eleitoralmente na campanha ao governo de Pernambuco em 2006 pelas investigações da Operação Vampiro, que levou à prisão empresários, lobistas e servidores, acusados de manipular compras de medicamentos para o Ministério da Saúde, na época chefiado por Costa.
Em 2010, Costa foi isentado de participação no esquema por decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em Pernambuco.
Para Rocha, o PT é alvo de “perseguição”. "Enquanto dirigente partidário, minha avaliação é a seguinte. Primeiro, o PT não se reúne para mandar ninguém fazer coisa errada. As pessoas fazem. E se você for pegar a proporção de pessoas que por ventura fazem coisa errada, em relação aos demais partidos, na verdade é uma coisa extremamente insignificante”, afirma.
“Então, eu tenho muito cuidado nas ações do que acontece aqui dentro, exatamente para não entrar na lógica da atração da mídia ou dos opositores e começar a punir pessoas e fazer juízos de valor quando sabemos muitas vezes que acima de tudo tem muito mais perseguição que realidade”, diz Rocha.
O que dizem os partidos
O DEM classificou como “infundadas” as acusações contra o senador e presidente do partido, Agripino Maia (RN), em nota enviada pela assessoria de imprensa do partido. A legenda informou que o senador convocou por iniciativa própria reunião para prestar esclarecimentos, o que fez também publicamente, da tribuna do Senado.
Agripino é alvo de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) que investiga se o senador negociou o pagamento de propina da empreiteira OAS durante a construção da Arena das Dunas, estádio em Natal usado na Copa do Mundo de 2014.
Em nota, o PSDB informou que “apoia investigações que venham a ser feitas sobre quaisquer de seus filiados sem fazer pré-julgamentos e respeitando o direito de defesa de casa um deles”, diz o texto enviado pelo partido.
O PSDB informou ainda que “confia” que muitas das investigações vão inocentar seus filiados e que, por isso, apenas após a conclusão dos processos judiciais é que o Conselho de Ética do partido poderia se manifestar.
O PR informou, também em nota, que o partido respeita as regras para registro de candidaturas, mas que cabe aos órgãos judiciários realizar investigações. “A direção nacional do Partido da República esclarece que, no Brasil, é privativo do Ministério Público e das autoridades Policiais e Judiciárias o papel de investigar e julgar”, diz o texto.
O PP e o PMDB não responderam aos pedidos de entrevista ou comentários para este texto. A reportagem do UOL procurou as assessorias de imprensa dos partidos por duas semanas no mês de junho, em diferentes contatos por telefone e e-mail.
A direção nacional do PP informou que não há processos abertos contra citados em investigações de corrupção, mas disse que não poderia confirmar se há ou não processos nos diretórios estaduais.
O PTB informou que não abriu procedimentos disciplinares internos contra os filiados condenados no mensalão.
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