Estudo diz que PEC do teto de gastos pode tirar R$ 25,5 bi por ano da educação
A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241, que cria um teto de gastos para o governo federal, pode causar a perda de até R$ 25,5 bilhões por ano (em valores atuais, sem considerar a correção da inflação no período) para a educação --o teto é limitado ao Orçamento atual corrigido pela inflação nos próximos 20 anos.
É o que mostra estudo técnico inédito feito pela Conof (Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira) da Câmara dos Deputados, concluído e disponibilizado aos parlamentares na sexta-feira (21). Os estudos e pareceres da entidade são feitos para subsidiar os deputados federais com informações técnicas para que eles possam decidir sobre as matérias. A PEC do teto de gastos será votada em segundo turno na Câmara nesta terça-feira (25). No primeiro turno, foi aprovada por 366 votos a favor e 111 contra. Depois, ela segue para votação no Senado.
De acordo com o estudo, a perda de recursos não é certa, já que o governo tem liberdade para investir esse montante na educação, desde que corte em outras áreas e assim consiga atingir o teto de gastos. Apesar disso, estes R$ 25,5 bilhões não ficam assegurados nos mecanismos da nova legislação. A consultoria ainda não divulgou um estudo atualizado sobre as possíveis perdas de recursos na área da saúde com as novas regras.
Ficou definido no projeto aprovado em primeiro turno na Câmara que o piso a ser investido na saúde --que hoje está em 13,2% da receita líquida corrente e chegaria a 15% em 2020-- passe a 15% já a partir do ano que vem. Na educação, o valor do piso é de 18% das receitas líquidas. O ano-base para o cálculo das regras da PEC do teto de gastos para educação e saúde será 2017, com início da aplicação em 2018. Para todas as outras áreas do governo, o ano-base é 2016 e as regras valem já para o ano que vem.
Na educação, a área técnica da Câmara alerta que a perda dos R$ 25,5 bilhões ou parte deste montante pode acontecer já a partir de 2018, caso o governo não consiga economizar em outras frentes. Neste ano, o Orçamento total do governo federal para a área de educação é de R$ 129,7 bilhões.
Além dos 18% da arrecadação de impostos, obrigatórios de acordo com a Constituição, a educação possui outras fontes de recursos. Além do Ministério da Educação, a área recebe dinheiro da Presidência da República, do Ministério do Desenvolvimento e do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, entre outros entes do governo. É parte destes recursos que ficaria descoberta com a aprovação da PEC 241, de acordo com o estudo técnico da Câmara.
Do total dos R$ 129,7 bilhões destinados no Orçamento deste ano à educação, R$ 51,6 bilhões são do piso constitucional de 18% da receita líquida de impostos. Deste valor, R$ 50,5 bilhões são despesas obrigatórias e financeiras (como pagamento de salários de professores, funcionários e aposentadorias nas universidades federais, emendas parlamentares e juros de dívidas por exemplo).
Para atingir o piso, o governo investirá mais cerca de R$ 1 bilhão no MDE (plano nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino). Outros R$ 52,6 bilhões que são destinados à área são despesas obrigatórias --a maioria repasse aos Estados e municípios para financiar as escolas públicas-- que não estão sujeitas ao teto de gastos. A diferença é o que a PEC deixa descoberto para investimentos no geral, a partir de 2018.
“Portanto, R$ 25,5 bilhões de aplicações, preponderantemente em investimentos e custeio das instituições de ensino em todos os níveis, não estão asseguradas pela PEC 241/2016 e, assim, ficariam sujeitas à compressão para cumprimento do teto de gastos públicos”, afirma o estudo técnico. O parecer afirma ainda que, como o custo com folha de pagamento, aposentadorias e contas no geral tende a crescer com o passar do tempo, sobrará cada vez menos dinheiro para investimento real.
Perda na saúde
Um estudo divulgado no início do mês por dois pesquisadores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, mostra que o SUS (Sistema Único de Saúde) perderá até R$ 743 bilhões caso a PEC do teto de gastos passe a valer no país. O estudo aponta que o gasto com saúde no Brasil é de quatro a sete vezes menor do que o de países que têm sistema universal de saúde, como Reino Unido e França, e inferior ao de países da América do Sul nos quais o direito à saúde não é universal (Argentina e Chile).
O ministro da Educação, Mendonça Filho, enviou nota onde diz que os estudos do órgão técnico da Câmara levam em consideração a manutenção do quadro econômico atual, que é muito ruim, mas poderá ficar ainda pior se não houver equilíbrio das contas públicas. “O que retira dinheiro da educação é o Brasil em recessão, quebrado, sem espaço para crescimento e aumento de receita", argumentou o ministro, ressaltando que o equilíbrio fiscal possibilita a retomada do crescimento, a geração de empregos e aumenta a arrecadação, inclusive o investimento em educação.
Diz ele também que a verba da educação para 2017 é de R$ 138,97 bilhões, cerca de 7% a mais que Orçamento deste ano --o valor inclui os R$ 25,5 bilhões descobertos pelas regras do teto--, mas não comenta o fato deste valor global não servir de base para os cálculos a partir de 2018. Os 7% de aumento devem equiparar a inflação neste ano, cuja meta do governo federal está na casa dos 7,5%, ou seja, grosso modo, já antecipa o seguimento das regras do teto de crescimento dos gastos globais do ministério apenas corrigidos pela inflação. Procurado por meio de sua assessoria de imprensa para comentar as possíveis perdas de recursos em sua área, o Ministério da Saúde não respondeu.
A PEC do teto resolve?
Para André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, a PEC sozinha não é capaz de colocar a economia brasileira nos eixos.
Do ponto de vista do mercado, se esta PEC não vier acompanhada de forte e constante baixa nos juros, não terá efeito nenhum
André Perfeito, economista
Sem isso, Perfeito diz que a “roda da economia” não vai voltar a girar com força, o que vai aumentar a pressão sobre os serviços públicos e assim limitar a capacidade do governo de fazer a economia prometida.
“Resumindo, precisamos ver se essa PEC ’vai pegar’. Eles estão dizendo que não vão tirar dinheiro da educação e da saúde, mas vai ter que tirar de algum lugar, de onde? A reforma da Previdência, se passar, significa apenas diminuir a hemorragia a longo prazo, não resolve nada para agora nas contas. Os investimentos já estão em nível baixo, então vai cortar nas Forças Armadas, nos programas sociais? De onde vai vir a economia? Ninguém sabe.”
“Aprovar a PEC do teto de gastos no Congresso é fácil, difícil é implementá-la”, concorda Gil Castello Branco, da ONG Associação Contas Abertas, que faz um trabalho sistemático de acompanhamento das contas do governo federal.
Para ele, a situação das contas públicas exige atitudes urgentes --o governo Temer anunciou uma previsão de rombo na casa dos R$ 170 bilhões para o Orçamento do ano que vem. “O teto de gastos vinha sendo formulado ainda pelo governo Dilma, que já queria fazer isso sem mexer na Constituição, via projeto de lei ou algum outro dispositivo no Orçamento da União. O problema é que ela ficou imobilizada politicamente e não conseguiu fazer nenhuma reforma. O Temer não está inventando a roda”, diz ele.
Para Castello Branco, a dificuldade é que não há muita margem para cortes drásticos no Orçamento do governo. “A maior parte do dinheiro está imobilizada em gastos obrigatórios, como por exemplo o salário dos funcionários públicos e repasses aos Estados”, afirma.
“O restante divide-se em três grande grupos: educação e saúde; Previdência e assistência social; e gastos vinculados ao salário mínimo como abono salarial e seguro-desemprego”, diz o analista das contas públicas. “Se não vão mexer em educação, saúde e Bolsa-Família, como disseram, e vão ter ter uma dificuldade enorme para mexer na Previdência e questões do trabalho, como temos visto, só resta cortar completamente os investimentos. E isto pode quebrar o país de vez”, conclui. O especialista avalia também que a PEC falha ao não prever gatilhos e dispositivos de correção conforme a arrecadação aumente.
“Deviam ter previsto que a arrecadação vai subir consideravelmente nestes próximos 20 anos, o que não foi feito, e colocar um gatilho para liberar o dinheiro conforme a arrecadação sobe. Também poderia ter uma regra para limitar o endividamento do governo, o que não existe”, diz. Ele afirma que a falta de sanções práticas no texto para quem descumprir a regra, fora a proibição de contratar mais funcionários públicos e conceder reajustes (que em um primeiro momento ficam de fora do teto de gastos), também não garante que a PEC “vá pegar”.
Em apresentação da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado em 10 de outubro, a professora de economia Laura Carvalho, da USP (Universidade de São Paulo), criticou duramente a PEC 241. “O governo não terá espaço para gastar mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população cresce”, resume sua apresentação a especialista em uma postagem aberta nas redes sociais. “Outras despesas importantes para o desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos em infraestrutura etc. Mesmo se o país crescer…”
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