Barroso vota por restringir foro privilegiado; STF adia conclusão
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso, relator de ação em que se analisa o alcance do foro privilegiado --ou seja, o direito de autoridades de responderem a processos em instâncias superiores-- votou a favor da restrição da prerrogativa em sessão do plenário da corte nesta quarta-feira (31). O julgamento será retomado na quinta (1º).
Dos 11 ministros, apenas Barroso votou. Ele foi favorável à restrição da prerrogativa de foro apenas em casos de crimes cometidos no exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas. Barroso também defendeu que, depois da fase de instrução (quando testemunhas são ouvidas pelo juiz e diligências são realizadas), a instância do processo não será mais afetada mesmo se o agente público mudar de cargo ou deixá-lo.
A Constituição prevê que deputados, senadores e ministros, entre outros, devem ser julgados pelo STF em processos criminais. Já no caso de governadores, por exemplo, a competência é do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Ao ler seu voto, Barroso disse que o atual sistema é "muito ruim e funciona mal". Segundo ele, o STF não tem a vocação de atuar como "jurisdição penal de primeiro grau", e por isso cumpre esse papel de maneira insatisfatória.
O sistema existente hoje, prosseguiu, leva à impunidade e traz "desprestígio" ao Supremo, dada a demora nos julgamentos e, com ela, as prescrições -- o que já aconteceu em mais de 200 casos, disse. Barroso ainda fez uma crítica mais ampla ao sistema punitivo de forma geral, dizendo que sua ineficiência "produziu um país de ricos delinquentes", onde as pessoas são honestas se quiserem.
De acordo com Barroso, a disfunção é tamanha que chegou-se ao ponto de considerar a nomeação para cargo com prerrogativa de foro como obstrução de Justiça. "É quase uma humilhação para o Supremo", afirmou.
"A norma [do foro] se destina a proteger a independência, e não a acobertar crimes que não guardam qualquer relação com o exercício do mandato", afirmou o ministro.
Em fevereiro de 2016, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como ministro da Casa Civil pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Investigado na Operação Lava Jato, Lula ganharia foro privilegiado --no caso, o direito de ser julgado pelo STF-- como ministro. Segundo Gilmar, a nomeação poderia representar uma "fraude à Constituição". Na época, Lula não era réu. Hoje, ele responde a cinco ações penais, duas delas na Lava Jato. O ex-presidente nega as acusações.
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Mais recentemente, em fevereiro passado, o presidente Michel Temer (PMDB) nomeou seu aliado e colega de partido Moreira Franco para a recém-criada Secretaria-Geral da Presidência, dando a ele status de ministro. A Rede e o PSOL foram ao STF para contestar a nomeação, mas ela foi mantida em decisão do ministro Celso de Mello. Moreira Franco é citado em delação da Odebrecht como beneficiário de propinas e investigado no STF pelo uso indevido de passagens aéreas. Ele nega irregularidades.
Segundo números do Supremo citados por Barroso, tramitam na corte cerca de 500 processos contra pessoas com prerrogativa de foro.
De acordo com um estudo da Consultoria Legislativa do Senado, mais de 54 mil pessoas têm direito a algum tipo de foro privilegiado no Brasil, garantido pela Constituição federal ou por Constituições estaduais. Além de parlamentares, entre elas estão governadores, juízes e membros do Ministério Público, entre outros.
"Elevador processual"
O julgamento do tema partiu de questão de ordem levantada pela PGR (Procuradoria-Geral da República) no processo contra Marquinho Mendes (PMDB), hoje prefeito de Cabo Frio (RJ) e ex-deputado federal. Acusado de compra de votos em sua primeira campanha à prefeitura, Mendes trocou de cargo várias vezes, entre o município e a Câmara federal, o que por sua vez provocou a mudança de foro para o julgamento do caso diversas vezes.
Durante o julgamento desta quarta, o ministro Marco Aurélio Mello chegou a classificar o caso como um "verdadeiro elevador processual".
Com isso, a PGR defendeu que a Constituição poderia ser interpretada de forma mais restrita em relação a quem tem direito ao foro privilegiado, limitando sua aplicação "às acusações por crimes cometidos no cargo e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo ao qual a Constituição assegura este foro especial", segundo o site do STF.
Ao manifestar a posição da PGR no caso, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que a manutenção das atuais regras de foro privilegiado vai inviabilizar o funcionamento do STF.
"Se não houver mudança de paradigma nesse julgamento de hoje, não tenho dúvida de que o Supremo retornará ao tema, aí não mais por razões principiológicas, mas por imperativo prático. O aumento exponencial de demandas criminais irá inviabilizar o regular funcionamento da corte em breve espaço de tempo", afirmou Janot.
O procurador ainda criticou o que chamou de "verdadeira montanha-russa processual, tamanhos os altos e baixos rápidos", em alusão às mudanças de instância. De acordo com Janot, "a prerrogativa de foro visa garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não proteger quem o exerce", e o STF tem como vocação "solucionar questões pungentes do país e superar impasses institucionais".
No caso específico de Marquinho Mendes, o ministro Luís Roberto Barroso votou a favor de remeter o processo para a primeira instância.
Em entrevista a jornalistas após a sessão, o ministro Celso de Mello, decano do STF, criticou a amplitude das hipóteses da prerrogativa de foro e se manifestou de maneira similar a Barroso.
"Isso daí acaba provocando essa disfuncionalidade do próprio sistema, que culmina por acarretar num evento perverso, consistente na impunidade", afirmou. "Isso é um mal e precisa ser resolvido."
Já o ministro Marco Aurélio Mello disse que o foro privilegiado não deve ser considerado como "sinônimo de impunidade", mas afirmou que a quantidade de pessoas que têm esse direito é exagerada.
Após STF, Senado vota PEC
Menos de uma hora após o fim da sessão do STF, o Senado aprovou em segundo turno de votação uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que mantém o foro privilegiado apenas para o presidente da República e para os presidentes do STF, da Câmara e do Senado. O projeto vai à Câmara dos Deputados, onde também precisa ser aprovado em dois turnos.
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