Como funcionava o esquema de corrupção que desviou milhões de reais da Caixa
Delações de empreiteiros, executivos da Odebrecht e da J&F, além da confissão de um ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal, destrincham um esquema de corrupção que teria robustecido o caixa 2 do PMDB e enriquecido ilicitamente membros do partido.
O ex-presidente da Câmara de Deputados Eduardo Cunha é apontado como o líder do esquema. Sua defesa nega qualquer ato ilegal (leia mais abaixo).
Preso em Curitiba desde outubro de 2016, o ex-deputado já recebeu uma condenação em primeira instância da Justiça Federal no Paraná no âmbito da Operação Lava Jato. Ele foi sentenciado a cumprir a 15 anos e 4 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas por conta de solicitação e recebimento de vantagem indevida no contrato de exploração de petróleo em Benin.
Resultante de várias operações derivadas da Lava Jato, a exemplo da Sepsis e Cui Bono?, o esquema de corrupção na Caixa é objeto de uma ação penal que tramita na 10ª Vara Federal de Brasília, e tem Cunha como um dos réus.
Somente em uma das frentes de investigação a respeito de fraudes na Caixa, a Polícia Federal indicou que Cunha em associação com Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), ex-ministro e ex-vice-presidente de pessoas jurídicas do banco público, intermediaram ao menos R$ 1,2 bilhão em empréstimos para empresas em troca de vantagens ilícitas.
Em recente depoimento à PF no âmbito de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal), Funaro comprometeu o presidente Michel Temer (PMDB) e revelou detalhes sobre os pagamentos de propinas milionárias feito por empresários em troca de empréstimos da Caixa e de repasses do FI-FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço).
Funaro negocia um acordo de delação premiada com o MPF (Ministério Público Federal). O UOL apurou que o operador pretende oferecer mais informações sobre o caso em sua colaboração.
Comissões pagas
No último dia 14, Funaro deixou sua cela na penitenciária da Papuda, em Brasília, onde está preso desde 4 de julho de 2016, para prestar declarações à PF.
O depoimento foi anexado aos autos do inquérito no STF que investiga Temer por suposta prática de corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa.
Funaro disse que Temer fez uma "orientação/pedido" para que uma "comissão" de R$ 20 milhões proveniente de duas operações do FI-FGTS fosse encaminhada para a sua campanha de 2014 e, também, para a de Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo, em 2012.
A defesa de Temer ainda não se pronunciou sobre o teor das declarações de Funaro.
O operador citou ainda repasses para o ministro Moreira Franco e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. Ambos ocuparam vice-presidências da Caixa, em momentos distintos. Geddel teria recebido R$ 20 milhões por comissões ligadas a liberação de créditos a J&F junto ao FI-FGTS.
"O declarante pagou comissão desta operação a Eduardo Cunha e a Moreira Franco [em 2009], os pagamentos foram feitos em espécie, não se recordando dos valores neste momento", disse o corretor à PF. Geddel e Moreira Franco negam irregularidades.
A defesa de Cunha nega que ele tenha participado de qualquer ato ilegal e também que esteja em busca de um acordo de delação premiada.
Reiteradas vezes, o PMDB se pronunciou se defendendo das acusações e afirmando que as doações ao partido foram realizadas de maneira legal.
Delação de Fábio Cleto
Um dos vértices do esquema de corrupção montado por Cunha era o FI-FGTS, criado em 2007 para aplicar recursos dos trabalhadores brasileiros em projetos de infraestrutura. A título de informação, o fundo destinou em maio R$ 7 bilhões em uma convocatória pública para financiar novos projetos, mas somente três propostas foram habilitadas.
O elo de Cunha com o FI-FGTS era Fábio Cleto, vice-presidente de fundos de governo e loterias da Caixa, um dos membros com direito a voto no conselho do fundo de investimentos. Em abril de 2011, Cleto foi nomeado para o cargo por indicação de Cunha. Por sua vez, quem o indicou a Cunha foi Funaro.
Alvo da Operação Catilinárias, um desdobramento da Lava Jato em dezembro de 2015, Cleto optou por fazer delação premiada. Ele confessou que recebeu um total de R$ 7,3 milhões em propinas pagas por dez empresas, em troca da liberação de recursos do FI-FGTS. E disse mais: seu sócio na empreitada era Eduardo Cunha.
"A indicação vinha acompanhada da necessidade de auxiliar no pagamento de propina de empresas", lê-se no documento da PGR (Procuradoria-Geral da República) sobre a delação de Cleto, homologada em junho de 2016 pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki, morto em janeiro.
Cleto contou a procuradores da República como funcionava o esquema: "Em todos os casos, Fábio Cleto repassava informações sigilosas a Eduardo Cunha --com quem se reunia semanalmente-- e este ou Lúcio Bolonha Funaro solicitava propina da empresa interessada em obter valores do FGTS --seja por intermédio do FI-FGTS ou, ainda, da carteira administrada".
O valor da propina era, em geral, em torno de 1% do valor da operação e este era repartido da seguinte forma:
- Cunha ficava com 80% da propina;
- Funaro com 12%;
- Cleto e seu sócio Alexandre Margotto (que também fez delação premiada), com 4% cada um.
"O pagamento da propina era para que houvesse voto favorável de Fábio Cleto ou, ainda, que este último não prejudicasse os interesses da empresa (com pedido de vistas, levantando argumentos técnicos contrários ao empreendimento, etc.) no âmbito do FGTS", afirma a PGR.
Por sua vez, o delator e o dono da J&F, Joesley Batista, entregou planilhas à PGR que indicam pagamentos de R$ 173 milhões a Funaro, em troca de liberação de créditos junto ao FI-FGTS.
Delatores apontam propina de R$ 52 mi no Porto Maravilha
Um dos projetos financiados pelo FI-FGTS e que resultou em pagamento de propina a Cunha foi o do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Somente nesta negociata, o ex-deputado obteve uma propina de R$ 52 milhões, apontaram os delatores.
Desse total, o ex-presidente da Infraestrutura Brasil Odebrecht Benedicto Barbosa da Silva Júnior afirmou, em sua delação premiada, que pagou R$ 19,7 milhões ao ex-deputado federal. Os pagamentos ilícitos, de acordo com ele, foram feitos em 36 parcelas entre setembro de 2011 e setembro de 2014.
A propina correspondia à parte da Odebrecht, equivalente a 1,5% do total liberado pelo FI-FGTS para as empresas que detinham obras do Porto Maravilha. O restante foi pago pelos sócios da construtora no negócio, Carioca Engenharia e OAS.
Ao pedir a quantia, Cunha teria afirmado a BJ, apelido do ex-executivo da Odebrecht no meio político, que o dinheiro seria usado para um caixa do PMDB tendo em vista as eleições de 2014.
"Aceitei fazer os pagamentos, pois entendia que poderiam influenciar o voto do vice-presidente da Caixa Econômica Federal e membro do Comitê de Investimentos do FI-FGTS Fábio Cleto, relativamente aos aportes futuros que deveriam ser realizados pelo FI-FGTS no Porto Maravilha", afirma BJ.
A informação de BJ confirma o relato de outros delatores que constam na ação penal que tramita da 10ª Vara Federal de Brasília, na qual Cunha e outros réus são acusados de negociar propina para liberar verbas do FI-FGTS.
Outros dados apresentados pelos delatores da Odebrecht sobre irregularidades serão acrescentados ao inquérito 4327, que tramita no STF. Esta investigação apura o crime de organização criminosa por parte de deputados federais do PMDB.
Empréstimos na Caixa
Outras investigações da Polícia Federal, a exemplo das operações Catilinárias e Cui Bono?, indicam nova frente de atuação de Cunha: a de empréstimos concedidos a empresas diretamente pela Caixa.
Alguns dos principais elementos usados para mapear a influência de Cunha sobre a Caixa foram encontradas num celular blackberry do ex-deputado apreendido na Operação Catilinária, em dezembro de 2015.
No aparelho, a Polícia Federal encontrou uma intensa troca de mensagens entre Cunha e aliados que ocupavam diretorias no banco estatal. É caso do já mencionado Cleto e do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), que ocupou a vice-presidência de pessoas jurídicas da Caixa.
Por meio das duas diretorias, o grupo de Cunha atuaria fazendo a Caixa comprar títulos de dívida ou liberando empréstimos a empresas que retribuíam por meio de propina, segundo relatório da Polícia Federal entregue em novembro ao STF para pedir a abertura de inquérito contra Geddel, na época ministro da Secretaria de Governo de Temer.
“Observou-se que, nos diálogos, Eduardo Cunha intervinha, juntamente com Lúcio Bolonha Funaro, para a liberação de créditos nas duas vice-presidências [da Caixa] para as mesmas empresas, motivo que reforça a hipótese de haver o mesmo modelo de atuação em duas áreas da CEF [Caixa Econômica Federal]”, diz um trecho do relatório.
A ascendência de Cunha sobre Cleto e Geddel fica comprovada, segundo a PF, até mesmo pelo tom utilizado nos diálogos, em que o ex-deputado parece dar ordens ao ex-ministro baiano.
"A posição hierárquica superior do deputado Eduardo Cunha para com Geddel é observada pelo uso do modo verbal imperativo ('Manda giovanni pedir que eles dependendo do texto, darão' [sic]) em que o parlamentar diz a Geddel como atuar. Hierarquia configurada por uma estrutura não oficial e virtual montada para operar dentro [da] CEF [Caixa]", diz o relatório da PF.
Esse trecho se refere ao pedido de Cunha a Geddel para que o então vice-presidente da Caixa conferisse a adequação de parte da documentação exigida a um grupo empresarial do setor de infraestrutura.
Em janeiro de 2017, foi deflagrada a Operação Cui Bono?, tendo como alvos Cunha e Geddel, para investigar suspeita de fraude na liberação de recursos da Caixa Econômica Federal para empresas entre 2011 e 2013.
Em nota, a assessoria da Caixa afirma "em relação às investigações, que está em contato permanente com as autoridades, prestando irrestrita colaboração com os trabalhos, procedimento que continuará sendo adotado pelo banco".
Outro lado
Em entrevista recente ao UOL, o criminalista Figueiredo Basto afirmou que Lúcio Funaro "não vai escolher alvos" em sua colaboração. "Vamos revelar tudo o que tiver para ser revelado", afirmou o advogado especialista em delações.
Ao ser questionado sobre o conteúdo dos depoimentos de Funaro, o defensor respondeu "que não comenta conteúdo de colaboração".
O advogado Ticiano Figueiredo, defensor de Cunha, afirmou que não há provas contra seu cliente, que nega ter participado de qualquer esquema ilegal envolvendo a Caixa. Figueiredo reiterou que há um "concerto de delações" com o objetivo de incriminá-lo.
Questionado sobre suposta delação de Cunha, o criminalista negou que o ex-deputado tenha qualquer de negociar uma colaboração com o Ministério Público Federal.
Defensor do ex-ministro Geddel Vieira Lima, o advogado Gamil Foppel negou as acusações contra seu cliente e rechaçou as declarações de Funaro à PF, classificadas de "infundadas e fantasiosas alegações, sem qualquer sustento na realidade dos fatos, decorrentes de desesperada tentativa de ver-se livre da responsabilização".
O advogado acrescenta: "Cumpre esclarecer que Geddel não possuía autonomia para conceder ou liberar empréstimos nem para alterar taxas de juros. Ademais, Geddel nunca causou qualquer prejuízo aos interesses da Caixa".
À "Folha", o ministro Moreira Franco negou as acusações e disse que Funaro terá que provar o que disse.
O UOL telefonou às 12h desta quarta-feira (21) para o advogado do presidente Temer, Antonio Mariz de Oliveira, para que ele comentasse as declarações de Funaro. Ele informou que o colega Gustavo Guedes falaria sobre o assunto.
Após deixar mensagens em seu aparelho celular, a reportagem falou rapidamente com Guedes nos horários das 15h e 18h30. Nas duas ocasiões, Guedes disse que retornaria a ligação para se pronunciar sobre o assunto, o que não ocorreu até o presente momento.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.