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Falta de provas e gravação ilegal: veja os principais pontos da defesa de Temer

Dida Sampaio/Estadão Conteúdo
Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Felipe Amorim e Gustavo Maia

Do UOL, em Brasília

05/07/2017 19h16

A defesa do presidente Michel Temer (PMDB) apresentou nesta quarta-feira (5) na Câmara dos Deputados seus argumentos para tentar barrar a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra o presidente.

O advogado Antonio Cláudio Mariz de Oliveira entregou o documento de 98 páginas ao presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Rodrigo Pacheco (PMDB-MG).

Em entrevista após protocolar a defesa, Mariz afirmou que Temer não cometeu crimes e disse lançar um “desafio” para que fossem apresentadas provas do envolvimento do presidente.

A Procuradoria acusa Temer e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) pelo crime de corrupção por terem supostamente negociado e recebido propina de executivos da JBS para beneficiar a empresa no governo. Loures foi flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil e, segundo a PGR, ele agia em nome de Temer.

Para que o processo tenha seguimento e Temer possa ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), é preciso a autorização da Câmara dos Deputados, pelo voto de ao menos 342 dos 513 deputados. O Planalto acredita ter apoio suficiente para barrar a denúncia.

Antes de ser votado no plenário da Câmara, o prosseguimento da denúncia é analisado na CCJ, o que deve ocorrer já na próxima semana

Veja abaixo os principais pontos da defesa de Temer apresentada à Câmara:

Não há provas de corrupção

A defesa do presidente afirma não haver provas de que ele teria pedido qualquer tipo de propina ou vantagem indevida aos executivos da JBS, assim como não haveria provas de que o dinheiro entregue a Rocha Loures fosse ser posteriormente repassado ao presidente.

“O Ministério Público Federal, ao longo de sua peça acusatória, apesar de haver citado o nome de Michel Temer, não expôs qual teria sido o seu agir no evento criminoso denunciado.”, escreve Mariz na defesa entregue à Câmara.

“Deste modo, estaria Michel Temer sendo acusado tão somente por Rodrigo Loures ser homem de sua total confiança’? Estaria ele sendo denunciado apenas porque conversou com Joesley Batista em ‘encontro noturno e secreto’ no Palácio do Jaburu?”, afirma Mariz.

Temer foi gravado pelo empresário Joesley Batista, sem seu conhecimento, durante uma conversa em março no palácio do Jaburu. No encontro, fora da agenda oficial, o presidente parece indicar Loures como pessoa de sua confiança para que Joesley pudesse tratar de demandas de seu interesse.

Veja a transcrição desse trecho da conversa feita pela Polícia Federal:

Joesley: (…) Eu queria falar sobre, falar sobre isso e falar como é que é que... pra mim falar contigo, qual é a melhor maneira, porque eu vinha falando através do Geddel [Vieira Lima, ex-ministro], através ... Eu não vou lhe incomodar, evidente se não for algo assim.
Temer: (…) as pessoas ficam, sabe como é...
Joesley: Eu sei disso. Por isso é que…
Temer: (…) um pouco
Temer: … é o Rodrigo.
Joesley: É o Rodrigo?
Temer: o Rodrigo.
Joesley: Ah, então ótimo.
Temer: pode passar por meio dele, viu? (…) da minha mais estrita confiança (…)

Relembre o diálogo entre Temer e Joesley

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Na defesa à Câmara, Mariz afirma que, mesmo na hipótese de Loures ter de fato negociado propina com a JBS, não há provas de que Temer tenha autorizado esse tipo de negociação em seu nome.

“Nada mais é que pura ilação, portanto, a afirmação de que o encontro de Joesley Batista com Rodrigo Loures, posterior ao encontro daquele com o Sr. Presidente da República, seria o desdobramento dos assuntos tratados na tão falada conversa no Palácio do Jaburu”, afirma a defesa.

Áudio não é confiável como prova

A defesa do presidente afirma que o áudio da conversa entre Temer e Joesley, entregue à Procuradoria pelo empresário, não tem qualidade suficiente para ser usado como prova, pois contém indícios de que pode ter sido editado, além de interrupções em momentos importantes do diálogo.

Mariz sustenta esse argumento com base no laudo do perito Ricardo Molina, contratado pela defesa, que afirma não ser possível atestar que a gravação não foi editada posteriormente.

“Assim, não há como se estabelecer um parâmetro de confiabilidade para o áudio apto a justificar sua utilização como prova em uma ação penal que, além de vedar o recurso a provas ilícitas, tem como meta o esclarecimento da verdade real, verdade esta que seria ferida de morte em caso de eventual edição do áudio”, escreve a defesa de Temer.

Perícia da Polícia Federal também identificou pontos de interrupção na gravação, mas afirmou que isto seria compatível com o funcionamento do aparelho gravador utilizado, que suspende e retoma a gravação a partir da presença de som no ambiente.

A Polícia Federal também disse não ter encontrado sinais de edição no áudio.

Mariz afirma que as interrupções na gravação tornaram inaudíveis as palavras do presidente Temer em trechos importantes da conversa, o que impossibilitaria reconstruir o diálogo com segurança.

Ilegalidade da gravação entre Temer e Joesley

Para caracterizar a ilicitude decorrente do que chamou de "gravação ambiental clandestina", o advogado de Temer apresentou quatro argumentos que tornariam inválida uma das principais provas apresentadas pela PGR contra o presidente.

A primeira é que "provas obtidas sem a observância das garantias constitucionais ou em contrariedade a normas legais não podem ser admitidas no processo".

A defesa sustenta ainda que a gravação de "conversa particular efetivada por um dos interlocutores (Joesley), sem o conhecimento do outro (ora Temer, ora Loures)" fere as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada.

"Trata-se de uma prova obtida mediante procedimento espúrio e desleal, no qual aquele que realiza a gravação pode até incitar o outro a se manifestar sobre a questão de seu interesse", defende Mariz, que citou decisões nesse sentido dos ministros do STF Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.

Mariz então se dedica a apresentar a jurisprudência do STF sobre a licitude das gravações clandestinas de conversa própria e conclui que, em casos em que não há anuência do outro interlocutor, o Supremo jamais contemplou a situação em questão, admitindo-a apenas para defesa própria.

"[O caso] demanda reflexão específica, sob pena de ser autorizada toda forma de armadilha, arapuca ou instigação criminosa em desfavor do acusado, situações próprias de um estado policialesco, que não encontram respaldo nos fundamentos basilares do nosso Estado Democrático de Direito, dentre os quais se destaca a dignidade da pessoa humana", escreve o advogado.

Ele encerra este tópico argumentando que houve violação das garantias do silêncio, contra a autoincriminação e do devido processo legal. "A incitação à revelação de fatos, mediante atuação de agente provocador portando gravador escondido, ainda mais quando orientado por autoridades, se mostra, de forma estreme de dúvidas, como meio enganoso de obtenção de provas e, por isso mesmo, indigno de fé, na medida em que contrasta com a garantia do devido processo legal."

Teor da conversa não prova crime

Mesmo defendendo a "imprestabilidade" do áudio da conversa entre Temer e Joesley, Mariz dedicou um dos capítulos da manifestação da defesa ao conteúdo do diálogo, transcrito em parte na denúncia.

Segundo o advogado, a acusação de Janot de que o presidente teve "a intenção em escamotear [esconder] o encontro" com o empresário e tinha "ciência de que os assuntos a serem tratados seriam escusos" não se sustenta. Para Mariz, uma "uma leitura isenta deste trecho do diálogo não autoriza esta inadequada conclusão".

A defesa afirma que Joesley só entrou no Palácio do Jaburu sem se anunciar na portaria porque a placa de seu carro havia sido informada previamente por Rocha Loures, que também participaria do encontro.

"Joesley se dedicou a fazer comentários absolutamente irrelevantes sobre estes fatos para, como agora se sabe, dar uma conotação de ajuste clandestino para algo absolutamente corriqueiro", afirma o advogado, que fala ainda na suposta intenção do empresário em "materializar a sua armadilha".

Para defender que Temer não estava combinando a prática de "encontros noturnos e secretos" na sua residência oficial, Mariz argumenta que "quem falava sobre esse assunto era Joesley e o presidente apenas respondia laconicamente a comentários que se mostravam desencontrados no decorrer da conversa".

A acusação da PGR de que o motivo do encontro seria a escolha de novo "interlocutor do presidente" devido ao impedimento do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), porque ele virou investigado, é mais uma vez rebatida com o argumento de que Temer estava respondendo com frases curtas e evasivas, "numa evidente demonstração de que a conversa lhe parecia despropositada".

A indicação de Rocha Loures por Temer como uma pessoa de sua "estrita confiança" teria sido feita apenas para "abreviar o encontro" e "evitar que Joesley o procurasse com insistência".

"Tratou-se [...] de conversa estimulada, provocada, simulada, induzida. Nestas condições restou viciado também o seu conteúdo. Imprestável, assim, as conclusões dela decorrentes. Em consequência lógica, é inviável a sustentação de tão grave acusação com base neste elemento", conclui Mariz.

Presidente não cometeu crime e gravação é "duvidosa", diz defesa de Temer

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