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Janot apresenta denúncia contra Temer no STF por corrupção passiva

Ueslei Marcelino/Reuters
Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Felipe Amorim*

Do UOL, em Brasília

26/06/2017 20h09Atualizada em 27/06/2017 15h33

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou nesta segunda-feira (26) ao STF (Supremo Tribunal Federal) denúncia criminal contra o presidente Michel Temer (PMDB) e contra seu ex-assessor e ex-depurado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), ambos por corrupção passiva. O Palácio do Planalto informou que não vai se manifestar.

Confira a íntegra da denúncia

Além da condenação por corrupção, a denúncia pede que os dois acusados percam seus eventuais cargos de função pública - no caso de Temer, a Presidência - e indenização por "danos morais coletivos" no valor de R$ 10 milhões para Michel Temer e R$ 2 milhões para Rodrigo Loures.

Segundo Janot, Temer se valeu do cargo de presidente para receber vantagem indevida de R$ 500 mil, por meio do ex-deputado Rocha Loures, oferecida pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS e cuja delação desencadeou a atual investigação contra o peemedebista. De acordo com a denúncia, Temer e Loures ainda "aceitaram a promessa" de vantagem indevida de R$ 38 milhões.

Temer é o primeiro presidente no exercício do mandato a ser denunciado por corrupção. Em 1992, quando Fernando Collor foi denunciado pela PGR, já havia sido afastado do exercício do cargo por causa do processo de impeachment aberto contra ele. No entanto, Collor só perdeu de fato o mandato com a condenação pelo Senado, em dezembro de 1992, um mês após a denúncia chegar ao STF.

"Nota-se, assim, que são graves os ilícitos praticados pelos acusados, revelando os elementos dos autos que os envolvidos agiram com absoluto menoscabo [desprezo] e desrespeito à própria função de Presidente da República e de Deputado Federal que MICHEL TEMER e RODRIGO LOURES exercem, respectivamente, à coisa pública e aos valores republicanos, tudo a reforçar a necessidade de reparação de dano moral à coletividade", diz um trecho da cota da denúncia - espécie de resumo - que já está no sistema do Supremo.

"Os interesses privados dos acusados passaram a prevalecer sobre a defesa do interesse público, valor que deveria ser por ele devidamente observado. Em outras palavras: Michel Temer e Rodrigo Loures desvirtuaram as importantes funções públicas que exercem, visando, apenas, ao atendimento de seus interesses escusos", segue o texto.

Segundo Janot, Temer "ludibriou os cidadãos brasileiros e, sobretudo, os eleitores, que escolheram a sua chapa para o cargo político mais importante do país, confiando mais de 54 milhões de votos nas últimas eleições".

Sobre Loures, o procurador-geral diz que o peemedebista "violou a dignidade do cargo que ocupou como Deputado Federal. A cena do parlamentar correndo pela rua, carregando uma mala cheia de recursos espúrios, é uma afronta ao cidadão e ao cargo público que ocupava. Foi subserviente, valendo-se de seu cargo para servir de executor de práticas espúrias de Michel Temer".

Ao longo da denúncia, usa as conversas gravadas por Joesley Batista e Ricardo Saud, executivo da JBS, com Temer e Loures para fundamentar as acusações. No entendimento da Procuradoria, o ex-deputado tratava com os empresários sempre em nome do presidente, chegando a mencioná-lo por diversas vezes.

"Rodrigo Loures, durante toda a empreitada criminosa, deixou claro e verbalizou que atuava em nome do Presidente Michel Temer, com a ciência deste, inclusive trazendo informações atualizadas a respeito das posições de Michel Temer acerca dos assuntos tratados, o que deixa claro que Rodrigo Loures se reportava de maneira permanente a Michel Temer sobre o andamento dos crimes perpetrados", diz a denúncia.

Em outro trecho, Janot aponta que a propina tratada por Loures com os executivos da JBS se destinava ao presidente. "As provas trazidas aos autos reforçam a narrativa dos colaboradores de que em nenhum momento o destinatário final da propina era Rodrigo Loures. A vantagem indevida, em verdade, destinava-se a Michel Temer, a quem os colaboradores e o próprio Rodrigo Loures se referem como 'chefe' ou 'Presidente'".

Rodrigo Janot pediu que o STF, antes de encaminhar a denúncia à Câmara dos Deputados, dê prazo de 15 dias para que as defesas de Temer e Loures se manifestem. 

A Procuradoria também pediu ao Supremo que autorize uma nova investigação contra Temer e Rodrigo Loures sobre um decreto presidencial para o setor de portos, assinado por Temer em maio. Durante a fase de investigação, a Polícia Federal gravou ligações de Loures nas quais o ex-deputado aparente intervir para conseguir modificações no decreto que poderiam beneficiar algumas empresas do setor. Em tese, essa nova frente de apuração também pode dar a origem a uma nova denúncia.

Por fim, a PGR pediu a remessa dos autos para o Ministério Público Federal em Brasília, para que sejam investigadas suspeitas sobre a atuação de funcionários do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e da Petrobras.

Câmara precisa autorizar processo

Se a denúncia for aceita pelo STF, Temer se torna réu e fica afastado do cargo por 180 dias. Caso o processo não seja julgado nesse prazo, o presidente reassume as funções.

Câmara precisa aprovar denúncia para o presidente ser afastado? Entenda

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Mas, primeiro, é preciso que a Câmara dos Deputados autorize o processo, pelo voto de ao menos 342 dos 513 deputados. O governo calcula ter apoio suficiente para barrar a denúncia na Câmara.

Antes de ser votado em plenário, o caso é analisado pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara, onde o presidente apresenta sua defesa.

Se autorizado pelos parlamentares, o processo retorna ao STF e caberá aos 11 ministros decidirem se abrem processo contra o presidente, o que o transformaria em réu.

As investigações

Temer é investigado num inquérito que apura suspeitas de corrupção, obstrução da Justiça e organização criminosa. A investigação foi aberta a partir da delação premiada de executivos da JBS.

O presidente foi gravado, sem saber, pelo empresário Joesley Batista, um dos donos do grupo, durante um encontro fora da agenda oficial em 7 de março no Palácio do Jaburu, residência oficial do presidente.

No diálogo, Temer aparenta indicar o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi também assessor do Planalto, como seu homem de confiança, com quem Joesley poderia tratar de assuntos de interesse da JBS.

Veja a transcrição desse trecho da conversa, feita pela Polícia Federal:

Joesley - O brabo é... enfim, mas vamos lá. Eu queria falar sobre isso. Falar como é que é que... para mim falar contigo qual é a melhor maneira... porque eu vinha falando através do Geddel ... através... eu não vou Ihe incomodar, evidente, se não for algo assim...
Temer - [ininteligível]
Joesley - Eu sei disso, por isso é que...
Temer - [ininteligível]
Joesley – É o Rodrigo?
Temer - É o Rodrigo.
Joesley - Então ótimo.
Temer - [...] vou passar para o Meirelles [...] da minha mais estrita confiança [...]
Joesley - Eu prefiro combinar assim, se for alguma coisa que eu precisar... tal... taI... eu falo com o Rodrigo. Se for algum assunto desse tipo ai [...]

Seis dias depois, Joesley se encontrou com Rodrigo Loures e, segundo a Polícia Federal, ambos fizeram menção ao aval de Temer para as tratativas entre eles.

Veja a transcrição da Polícia Federal:

Loures -  Ele queria acho que falar com você, que eu vi num é, que ele, da outra vez, ele perguntou naquele dia, mas ele te disse o que que era, eu disse ô presidente, nem disse, nem eu perguntei. Sendo assim, diga a ele que se ele quiser falar, pode falar com você.
Joesley - Isso.
Loures -  Ele só vai falar, se ele quiser falar, então tem que deixar o homem à vontade.
Joesley - Agora tá autorizado, que ele autorizou, pronto.

No segundo encontro entre Joesley e Loures, no dia 16 de março, o empresário expõe seu interesse na resolução pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) de uma disputa comercial entre uma usina termelétrica do grupo e a Petrobras, na compra de gás da Bolívia.

Na ocasião, Joesley chega a citar a possibilidade de pagamento de 5% do lucro obtido na operação caso a usina do grupo fosse beneficiada.

Na sequência, no dia 24 de abril, Loures se encontra com o diretor de relações institucionais da J&F, grupo que controla a JBS, Ricardo Saud, também delator. Nessa conversa, Saud oferece a Loures, em troca da resolução do problema no Cade, pagamento de propina que poderia chegar a R$ 1 milhão por semana, segundo conclui a Polícia Federal.

Dali a quatro dias, em 28 de abril, Loures seria flagrado numa operação da Polícia Federal recebendo R$ 500 mil em dinheiro, dentro de uma mala entregue por Saud, em uma pizzaria de São Paulo.

A suspeita da Procuradoria é de que o dinheiro se refere a propina para que o governo atendesse interesses empresariais de Joesley.

Ouça a íntegra da conversa entre Temer e Joesley 18/05/2017 20h12

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O que dizem as defesas

O presidente Temer tem afirmado não ter cometido qualquer irregularidade e classificou como "fraudulenta" a gravação apresentada por Joesley.

Os advogados do presidente contrataram uma perícia independente que apontou possíveis pontos de edição no áudio.

A defesa de Rocha Loures tem recorrido ao STF para pedir a liberdade do ex-deputado, preso preventivamente desde o último dia 3, e afirmou que “a mala de dinheiro, segundo afirmam, decorreu de armação de Joesley Batista”, disse o advogado Cezar Bitencourt, em nota divulgada na última quarta-feira (21).

Nesta segunda-feira (26), em cerimônia no Palácio do Planalto, Temer afirmou que nada o "destruirá" ao citar medidas econômicas propostas por seu governo.

"Não há plano B, há que se seguir adiante. Portanto, nada nos destruirá. Nem a mim nem a nossos ministros", afirmou.

O discurso de garantia da estabilidade econômica tem sido usado por aliados do presidente para defender que a Câmara barre eventual denúncia contra ele.

* Colaborou Bernardo Barbosa